Câmara dos Deputados debate “como cercar as criptomoedas com legislações”

Quem assistiu à audiência pública realizada na Câmara dos Deputados na quarta-feira (4/9) percebeu que falta muito diálogo para se chegar sequer perto de um desenho para a regulamentação das criptomoedas no Brasil que contemple as necessidades e as características do mercado brasileiro.

Com participação somente de dois especialistas, um da Febraban e um da criminalística da Polícia Federal, além de algo como 18 deputados no auge da sessão, o que se viu foi uma espécie de discussão sobre como “cercar” os criptoativos com legislações, evitando que estes sejam usados para crimes como evasão de divisas, lavagem de dinheiro e até terrorismo.

Propostas que ajudem a desenvolver o mercado? Quase nada. Houve falas de deputados e mesmo da Febraban em defesa da “indústria nascente” das criptomoedas, mas o que predominou foi o tom belicoso, mais de risco que de oportunidade.

Chamou a atenção que os únicos representantes do mercado convidados foram membro do Grupo Bitcoin Banco (GBB), cujas empresas estão há meses sem pagar seus investidores. Como era esperado, os representantes não compareceram.

Febraban defende regulamentação

“O sistema financeiro vê como necessária a regulamentação de princípios e normas básicas no mercado de ativos criptográficos”, afirmou o diretor de Negócios e Operações da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Leandro Vilain.

Ele destacou que, no entender dos bancos, essa regulamentação deve seguir quatro pilares, que seriam:

  1. Proteção ao consumidor;
  2. Prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento ao terrorismo;
  3. Prevenção à evasão de divisas e à evasão fiscal;
  4. Desenvolvimento econômico, tecnológico e inovação.

Para não esticar muito a conversa, a Febraban desfilou uma lista de velhos argumentos sobre práticas de crimes usando criptoativos.

Entretanto, um ponto soa como razoável nos argumentos da entidade, quando ela fala sobre “defesa do consumidor”. A ideia da Febraban é que todos os criptoativos custodiados por corretoras sejam considerados “patrimônio segregado”, ou seja, sejam separados do patrimônio oficial da empresa. E, evidentemente, que isso seja demonstrado periodicamente à fiscalização.

Tal medida, com as devidas comprovações de patrimônio, talvez tivesse o condão de permitir explicitar esquemas de pirâmide ou mesmo de insolvência de exchanges ou empresas de investimento, como tantos casos conhecidos, inclusive o do já citado GBB. Segundo Vilain, isso pode servir para que, “caso haja uma falência ou uma quebra da corretora ou dos custodiantes, o dinheiro do consumidor esteja preservado de forma apartada, um recurso não contaminando o outro”.

No finalzinho da sua fala, o representante da Febraban quase entrega os motivos da defesa da regulamentação: “A ausência de regime próprio apresenta série de riscos para o sistema financeiro, para o mercado de câmbio e para o sistema tributário”. Quais os riscos, ele não explicita.

Polícia Federal

O segundo convidado da audiência foi Tiago Melo, do Serviço de Perícias em Informática, do Instituto Nacional de Criminalística, órgão vinculado à Diretoria Técnica-Científica da Polícia Federal.

Em sua fala, o perito enumerou uma série de dificuldades que a Polícia Federal enfrenta em suas investigações que envolvem criptoativos. Muitas delas estão ligadas à ausência de uma regulamentação que, por exemplo, especifique em que situações se aplica às criptomoedas as mesmas regras de ação usadas com as moedas fiat. Dentre essas questões, vale destacar:

Crime como serviço. Segundo o especialista, cada vez mais, “organizações usam sua expertise para vender serviço para outras quadrilhas”. Entre os serviços, estão roubo de informações, invasão de sistemas, ataques de DDos, sequestro de dados, phishing, malware etc. Como esses crimes são pagos de forma anônima, as criptomoedas são um meio de pagamento muito utilizado.

Serviços de mixer ou tumbler de transações. Embora transações em Bitcoin e várias outras moedas sejam rastreáveis, existem serviços que misturam transações, fazendo com que não seja possível à polícia saber de onde saiu e para onde foram transferidos os valores.

Exchanges não reguladas. No entender do perito, embora boa parte das corretoras brasileiras usem sistemas de Know Your Cliente (KYC), o fato de uma única não usar já permite uma quebra de cadeia que impede, em muitos casos, saber a origem ou o destino de valores transitados.

Onde guardar criptoativos apreendidos. Por não haver definição formal, a polícia não possui procedimentos normalizados para o caso de criptoativos apreendidos. “Quem fica com a custodia das moedas?”, pergunta o perito. “O policial, como depositário da carteira, de alguns milhões de reais?”.

Realizar ou não cash out. Parece uma boa ideia converter criptoativos apreendidos em dinheiro, ação chamada “cash out”, para diminuir sua volatilidade. Entretanto, a falta de normas deixa em aberto como isso poderia ser feito, se por meio de corretoras ou de que outra forma.

Como proceder com ativos no exterior? Se a polícia encontra com bandidos recursos em corretotas fora do país, eles podem ser transferidos para o Brasil? Segundo o perito, isso não está claro. “Teria de ser citada exatamente quais são as regras aplicáveis aos ativos criptográficos”, afirma.

Como o LiveCoins divulgou na reportagem “Cartilha ‘vazada’ ensina agentes da PF a apreenderem bitcoin”, a Polícia Federal vem há tempos realizando um trabalho de capacitação e formação de agentes para as investigações que envolvem criptoativos. Em um trecho da cartilha, por exemplo, é indicado como o policial deve proceder para obter as chaves privadas de bitcoins de criminosos e que procedimentos deve tomar para fazer a transferência dos valores apreendidos.

Bitcoin perdendo terreno na Darkweb

Você sabia que, na Darkweb, o Bitcoin é só a 5ª moeda mais utilizada para pagamentos? Pois é! Na frente dela, estão nada menos que Monero, Dash, Ether e Litecoin.

Pelo menos isso é o que mostra pesquisa apresentada pelo perito Tiago Melo durante sua apresentação, como mostra a imagem a seguir:

Uso de criptoativos na Darkweb
Uso de criptoativos na Darkweb

A pesquisa citada é da Recorded Future, e foi realizada com base em levantamentos em fóruns e outros espaços da Darkweb. Como lembra o perito, Bitcoin ainda tem sua entrada em torno de 13% dos pagamentos, “mas está diminuindo”.

Na avaliação do perito, isso acontece por dois motivos: primeiro porque o pagamento em Bitcoin é lento e, segundo, porque moedas como Monero já são criadas para que o usuário tenha um anonimato ainda maior que com o Bitcoin.

Por que bancos fecham contas de criptos?

A audiência serviu para que o deputado Áureo (SDD), autor do projeto de lei que visa regulamentar os criptoativos, perguntasse à Febraban: “Por que alguns bancos fecharam o se negaram a abrir contas para instituições ligadas às moedas virtuais?”

Segundo o representante dos bancos, “não há uma resistência do setor financeiro aos criptoativos”. Ele disse ainda que não se pode generalizar, dizendo que os bancos estejam “fechando contas de empresas de criptoativos”. Segundo ele, o fato de uma empresa ser de criptoativo não gera encerramento das contas.

“Os padrões exigidos pelos bancos em termos de monitoramento das contas, eles são padrões elevados”, afirmou. “O sistema financeiro tem padrões hoje de rastreabilidade, de KYC, de investigação para saber a origem dos recursos, todo um monitoramento”, afirmou. “É um sistema complexo e o sistema financeiro exige esse mesmo padrão dos seus fornecedores e dos próprios clientes”.

Grupo Bitcoin Banco na mira

Em sua fala, o deputado Expedito Neto (PSD) focou o GBB, cujos representantes não compareceram à audiência:

“O Grupo Bitcoin Banco… Eu acho que tudo o que a gente tem de ruim nas moedas digitais, do que acontece agora, no momento atual, no nosso país, eu acho que a gente pode resumir com a atual situação do Bitcoin Banco, que está com o dinheiro de várias de pessoas que investiram no mercado, que investiram nessa empresa, e estão com seu dinheiro hoje preso”.

Segundo o deputado, esses clientes estão “com seu dinheiro hoje em uma nuvem de insegurança, porque nós não temos uma proteção jurídica. Uma nuvem onde o nosso governo, onde o nosso país não está dando segurança ao investidor que acredita nesse mercado”.

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Sui Teixeira
Sui Teixeira
Sui Teixeira é jornalista desde 2001, formada pela USP. Trabalha ainda como produtora de jingles, é programadora amadora e entusiasta de ciência e tecnologia.

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