Ministra de Bolsonaro diz que criptomoedas facilitam trabalho infantil; o que dizem especialistas?

Consultamos vários sites de EloJob no Brasil mas nenhum aceita criptomoedas. Sites internacionais aceitam

A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, afirmou no começo de outubro, em um programa da rádio Jovem Pan, que jogos eletrônicos e moedas virtuais podem ter gerado uma nova modalidade de trabalho infantil no Brasil.

“Adultos que estão jogando (games) e não sabem pular um nível encontram uma criança que sabe aquele jogo, a contrata e paga em moeda virtual. Nós estamos diante de uma nova modalidade de trabalho infantil no Brasil”, disse a ministra.

Segundo Damares, a informação foi repassada a ela por um tal Dr. Gabriel – o sobrenome não foi mencionado. A reportagem do Livecoins entrou em contato com a assessoria da ministra na manhã de sexta-feira (25) e pediu nome completo do doutor que fez a suposta afirmação, mas até o fechamento desta reportagem não obteve resposta.

A ministra provavelmente se refere a prática de EloJob, mecanismo comum em jogos MOBA, como o League of Legends, por exemplo, onde uma pessoa é paga para jogar na conta de outra com o objetivo de subir de nível mais rápido.

Veja a fala da ministra Damares Alves no programa Pânico:

Fala da ministra deve ser encarada com “parcimônia”, diz especialista

Dois especialistas em direito do trabalho – um advogado e um professor universitário – comentaram a afirmação da ministra, conhecida por suas declarações polêmicas.

Para Breno Aurélio Bezerra Nascimento, advogado trabalhista do escritório Marins Bertoldi Advogados, de Curitiba (PR), a fala de Damares deve ser encarada com parcimônia.

“O país enfrenta problemas sérios, como trabalho infantil em condições subumanas e insalubres, e é com isso que devemos nos preocupar, não com o que a ministra disse, pois não me parece ser algo real. Eu mesmo não consegui verificar a veracidade das informações repassadas por ela”, disse ele.

Para o professor de direito do trabalho da UFPR (Universidade Federal do Paraná), Sandro Lunard, pode até ser que existam jovens no mercado de games, assim como há crianças que atuam na TV e na área esportiva. Ele disse, no entanto, que antes de se fazer qualquer afirmação alarmante sobre o tema, é preciso conhecer de fato a realidade.

“É necessário fazer um diagnóstico do mercado, ver se realmente existe um tomador de trabalho, identificar o perfil da mão de obra e discutir em sociedade os limites éticos da atividade com jogos eletrônicos e videogames. É um assunto muito complexo para ser tratado de forma genérica, como fez a ministra, conhecida por fazer intervenções públicas desconectadas da realidade”.

E se a fala da ministra realmente for verdade?

Tanto Nascimento quanto Lunard dizem que, caso a fala da ministra seja verdade, existem leis trabalhistas que vedam o trabalho infantil. A Constituição Federal brasileira proíbe que menores de 16 anos trabalhem, exceto no caso de menores aprendizeres, que podem começar a exercer alguma atividade a partir dos 14 anos.

O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e a OIT (Organização Internacional do Trabalho), do qual o país é signatário, também estabelecem a mesma idade mínima para o jovem trabalhar no Brasil.

Tema é novo e precisa ser discutido

Em nenhuma legislação, no entanto, há qualquer menção às novas modalidades de trabalho que surgem por causa de tecnologias como moedas virtuais ou blockchain. “Tudo é muito novo e não regulamentado nessa área”, disse Nascimento.

Na esfera legislativa, disse Nascimento, há três projetos de lei em discussão que tratam de questões relacionadas ao trabalho com games, mas não citam bitcoins ou moedas digitais. São eles os projetos 383 de 2017, 3.450 de 2015 e 7.747 de 2015.

Para Lunard, da UFPR, há um “vázio jurídico sobre o tema”, que realmente precisa ser debatido o quanto antes em sociedade. A forma de pagamento desses jogadores de games, seja com bitcoins, real ou mesmo com dólar, é o menos importante nessa hora, disse ele.

1,8 milhão de jovens trabalham no Brasil, segundo IBGE

No país, segundo pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2016, 1,8 milhão de jovens de 7 a 17 anos trabalham. Desse total, 54,4% estão em situação de trabalho infantil, pois têm idade entre 5 e 13 anos ou têm entre 14 a 17 anos, mas não possuem registro em carteira, o que é exigido por lei.

Em números absolutos, a região nordeste é a que concentra o maior número de crianças que trabalham, com 79 mil, seguida do norte, com 47 mil. O setor que mais emprega jovens indevidamente é o da agricultura (24,7%), seguido da construção, indústria, transporte e serviços (21,4%).

Sites de EloJob no Brasil não aceitam Bitcoin, nos EUA sim

Acessamos diversos sites de Elojob no Brasil e não encontramos ainda algum que dê a opção de pagamento em Bitcoin. A maioria trabalha com Mercado Pago, plataforma do Mercado Livre que permite pagamentos com cartão de crédito, transferência bancária e boleto.

Já em sites americanos encontramos diversos que aceitam a moeda digital como forma de pagamento, por exemplo, o zaroboosting.com, site que oferece EloJob no jogo League of Legends da Riot, que diz se “esforçar para aumentar o ranking do jogador com preços muito acessíveis.”

O site funcina em um modelo de intermediação, um usuário oferece o serviço, outro contrata o serviço de EloJob e o site retem o dinheiro até que o Elo seja alcançado.

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Lucas Gabriel Marins
Lucas Gabriel Marins
Jornalista desde 2010. Escreve para Livecoins e UOL. Já foi repórter da Gazeta do Povo e da Agência Estadual de Notícias (AEN).

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