Lex Decrypted

Investimentos em Bitcoin e os limites impostos pelos reguladores

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A ausência de norma específica para regular os Ativos Digitais Criptografados criou a falsa impressão de que nesse mercado valeria de tudo. Entretanto, antes da Lei nº 14.478/2022 (regulação de empresas que negociam “Ativos Virtuais”) já havia regras do Direito aplicáveis à negociação envolvendo Bitcoin e demais ativos de natureza semelhante. 

O uso desses ativos como lastro de derivativos ou para atrair investidores sob promessa de ganhos já era matéria de atuação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) por força da Lei nº 6.385/1976. Se além disso, essas transações envolvessem a suspeita de lavagem de dinheiro e ocultação de bens, caberia a fiscalização do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) e isso já estava na Lei nº 9.613/1998

Essa atuação ainda não limitava a competência do Banco Central no controle da utilização do Bitcoin como arranjo de pagamento sob fundamento da Lei nº 12.865/2013. Além da fiscalização desses reguladores, já existia também a proteção ao Consumidor com base na Lei nº 8.078/1990 (Lei de Defesa do Consumidor) e o compromisso na boa fé dos contratos, incluindo o dever de arcar com perdas e danos fora do ambiente consumerista, conforme consta no Código Civil (Lei nº 10.406/2002).

Desta forma, sempre houve limites legais para os investimentos em Bitcoin. Com o passar do tempo, os reguladores amadureceram no protagonismo para exercer a fiscalização e controle sobre as operações com criptoativos, stablecoins e NFTs. 

Vale mencionar que a Receita Federal tornou obrigatório o compartilhamento dos dados das transações com os Ativos Digitais Criptografados após o advento da Instrução Normativa nº 1.888/2019. Isso termina facilitando o cruzamento de informações patrimoniais de investidores e dificultando a sonegação fiscal.

Contexto regulatório do Bitcoin

Após o advento do Bitcoin em 2008, surgiu a oportunidade de efetuar transações sem o controle dos Estados. Isso preocupou bastante governos e instituições intergovernamentais.  Começou, então, a corrida regulatória de um objeto estranho (Bitcoin) que não se encaixava em natureza jurídica alguma e ao mesmo era usado como meio de troca e possuía reserva de valor. 

No Brasil, essa corrida iniciou ainda em 2014 quando o Banco Central afirmou que não se confundiria com moeda eletrônica (Google Pay e Paypal, por exemplo) e que não haveria conversão em moeda fiduciária. Esse fato, conquanto, se deu por meio do Comunicado 25.303/2014 com base na Lei nº 12.865/2013. Essa legislação regula os arranjos de pagamento e as instituições de pagamento integrantes do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB).

A Comissão de Valores Mobiliários também foi atuante em face de inúmeras empresas que prometiam o impossível com investimentos indiretos no Bitcoin ou similares e emitiu diversos Stop Orders contra empreendimentos suspeitos.

Lei de Valores Mobiliários

A Lei nº 6.385/1976 (Lei de Valores Mobiliários) criou a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e traçou o campo de atuação desta autarquia federal. Em 2001, a Lei de Valores Mobiliários passou por uma reforma. A Lei nº 10.303/2001 ampliou o rol daquilo que poderia ser considerado Valor Mobiliário.

Portanto, antes mesmo de o Bitcoin existir já havia norma que encaixava perfeitamente à oferta pública de investimentos indiretos nos Ativos Digitais Criptografados. A importância da Lei de Valores Mobiliários é tamanha, uma vez que protege investidores incautos que aportam dinheiro em empresas suspeitas. 

O fato é que com a alta do Bitcoin se tornam mais comuns as promessas de ganho fácil com esse criptoativo, o que está longe da realidade. O investidor, portanto, deve ter em mente que aportar dinheiro em empresas que prometem rendimento em Bitcoin não é o mesmo que comprar o criptoativo. Além disso, alguns tipos desse investimento atraem a atuação da CVM. 

A oferta pública de derivativos ou fundos lastreados em quaisquer espécies de ativo depende da autorização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O mesmo sucede em contratos em que pessoas aportam dinheiro numa determinada empresa que promete ganhos fixos sem que haja qualquer esforço do investidor para isso. Esses últimos se amoldam aos Contratos de Investimento Coletivos (CIC).

Atuação da CVM

Uma vez havendo oferta pública daquilo que pode ser interpretado como valor mobiliário com fundamento no art. 2º da Lei nº 6.385/1976, cabe à CVM exercer a fiscalização. Desta maneira, ninguém pode captar clientes no Brasil para aplicações em fundos de investimento, contratos futuros ou demais derivativos sem ter a autorização desta autarquia. 

Essa autorização é dada por meio do  registro ou dispensa na CVM. A regra é o registro e a dispensa ocorre apenas quando há a justificativa do interesse do público investidor, nos termos do art. 19 da Lei de Valores Mobiliários.

Havendo a irregularidade, a CVM emite um “Stop Order” para que a empresa ou pessoa pare de captar clientes no Brasil para aquele tipo de investimento, sob pena de multa. Caso a empresa forneça outros produtos que não se enquadrem como Valor Mobiliário, esses não serão atingidos. Esse foi o caso da empresa Binance que, em julho de 2020, recebeu da CVM uma ordem para não ofertar mais os contratos futuros com Ativos Digitais Criptografados.

Isso, no entanto, não impossibilitou o funcionamento da empresa como Marketplace de Bitcoin e outros Ativos Digitais Criptografados. O fato é que essa negociação de compra e venda não se inclui em nenhuma das hipóteses trazidas no art. 2º da Lei 6.385/1976. Em outros termos, não pode ser interpretada como valor mobiliário e não cabe intervenção da CVM.

Essa autarquia, porém, não atua sozinha. Ela trabalha em cooperação e troca de informações com o Banco Central e a Receita Federal. Caso o inquérito da CVM conclua que houve crime de ação pública como fraude com Ativos Digitais Criptografados, a Comissão de Valores Mobiliários oficiará ao Ministério Público, para a propositura da ação penal — conforme o art. 12 da Lei nº 6.385/1976. 

Bacen e o Bitcoin

Em julho de 2023, o Decreto nº 11.563/2023 definiu que o Banco Central do Brasil (Bacen) será a autoridade para exercer a fiscalização e estabelecer os parâmetros de funcionamento das prestadoras de serviços com Ativos Digitais Criptografados. 

Essa normativa veio para regulamentar a Lei nº 14.478/2022 (regulação de empresas que negociam “Ativos Virtuais”), a qual ainda depende de diretrizes do Bacen para vigorar em sua inteireza.

Com a regulação das empresas prestadoras de serviços com Ativos Digitais Criptografados — como o Bitcoin — houve maior clareza sobre a participação de bancos e demais instituições de pagamento no mercado cripto. Além disso, houve a cautela de não incluir na matéria o uso desses ativos como Valor Mobiliário, o que continua sendo tratado pela Lei nº 6.385/1976.

O Bacen teve o cuidado de, em novembro de 2023, emitir o Comunicado 40.874/2023 esclarecendo que “as empresas prestadoras de serviços de ativos virtuais” poderão funcionar independentemente de sua prévia autorização. Essa decisão valerá, segundo a autarquia, até que o ato normativo sobre a matéria entre em vigor. Para isso, ainda é necessário que o Banco Central estabeleça as normas aplicáveis para as empresas cripto que integrarão esse ato normativo.

Mesmo que a regulação cripto tenha dado mais segurança jurídica, o Bacen já vinha atuando de forma indireta no mercado dos Ativos Digitais Criptografados emitindo Comunicados sobre o tema. 

Independente de negociar cripto, para que uma instituição financeira funcione no país já precisava se submeter às regras do Bacen. Bancos e instituições de pagamento que movimentem mais de R$ 500 milhões por ano necessitam de autorização da autarquia para funcionar. Assim, grupos que afirmam trabalhar com criptoativos e possuir um banco terão de ter essa instituição, em questão, autorizada pelo Bacen.

Receita Federal de olho no Bitcoin

A Instrução Normativa nº 1.888/2019 da Receita Federal (RFB) foi uma das maneiras de o Estado fiscalizar as negociações com Ativos Digitais Criptografados. Por meio dessa normativa, as exchanges nacionais passariam a ter o dever de informar à RFB todas as transações de seus clientes e compartilhar até mesmo dados sensíveis deles como CPF e valores transacionados.

Aqueles que negociam fora das corretoras brasileiras pensando estar livres do controle e fiscalização do Estado brasileiro, se enganam. De acordo com essa IN, se as transações forem superiores a R$ 30 mil por mês. Isso mesmo quando as negociações são feitas no exterior.

Essas informações dadas para a Receita Federal auxiliam e muito no cruzamento de dados para efeito tanto da Declaração Anual de Imposto de Renda bem como ganho de Capital. No último dia 13 (quarta-feira), a RFB ainda emitiu uma nova normativa. A IN 2.180/2024 definiu que os Ativos Digitais Criptografados e os arranjos financeiros com eles, “que sejam a representação digital de outra aplicação financeira no exterior” serão considerados como aplicações financeiras no exterior, devendo ser tributados em 15%. Para tanto, basta que esses ativos estejam custodiados no exterior.

COAF e as negociações com Bitcoin

As operações suspeitas que possam indicar irregularidades como lavagem de dinheiro trazem para as instituições financeiras a obrigatoriedade de emitir um Relatório de Inteligência Financeira ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF).

Essa tem sido a forma desse órgão vinculado administrativamente ao Bacen atuarna prevenção e combate à lavagem de dinheiro, ao financiamento do terrorismo e ao financiamento da proliferação de armas de destruição em massa (PLD/FTP). 

O COAF possui autonomia para investigar os casos até mesmo por meio da utilização da ação controlada e da infiltração de agentes, conforme consta na Lei nº 9.613/1998 (dispõe sobre os crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores).

Com o advento da “regulação cripto”, a atuação do COAF em negociações com os Ativos Digitais Criptografados ficou mais clara. A Lei 14.478/2022 trouxe a obrigação das instituições em comunicar a este órgão qualquer movimentação suspeita também com esses ativos. Essa regulação acertou ao incluir novos dispositivos na “lei de crimes de lavagem de dinheiro”  para tratar especificamente de Ativos Digitais Criptografados. Assim, não cabe qualquer discussão sobre a fiscalização do COAF nesse mercado. 

Justiça Federal ou Estadual?

As negociações fraudulentas em empresas que prometem mundos e fundos de renda fixa com aplicação em Bitcoin já foram motivo de controvérsias. A questão era se a matéria seria crime federal ou crime comum.

Na primeira hipótese, caberia à Polícia Federal (PF) e o Ministério Público Federal (MPF) atuarem na investigação. A Justiça Federal, portanto, seria o órgão competente para julgar. Esse seria o caso em que as fraudes se almodassem como uma espécie de crime contra o Sistema Financeiro Nacional (SFN) e contra a economia popular.

No entanto, em caso de crime como estelionato, a investigação fica com a Polícia Civil e o Ministério Público do Estado onde sucedeu o crime. Com isso a competência para julgar esses casos será da Justiça Estadual.

Solução pela regulação

O problema é que a linha é muito tênue. A solução encontrada pelo legislador, portanto, foi decriar um tipo penal para fraudes com Ativos Digitais Criptografados. A Lei nº 14.478/2022, inseriu, então, no Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/1940) o art. 171-A para tratar essas fraudes como uma espécie de estelionato. 

A mesma regulação incluiu no art. 1º da Lei nº 7.492/1986 —  a qual define os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional —  o inciso I-A. Essa nova norma equipara à instituição financeira  “pessoa jurídica que ofereça serviços referentes a operações com ativos virtuais, inclusive intermediação, negociação ou custódia”’. Em outros termos, as prestadoras de serviços com Bitcoin e ativos semelhantes se submetem às regras desta Lei.

Sob esses termos qualquer espécie de crime contra o SFN deve ser tratado no âmbito federal. Para tanto, a fiscalização cabe à PF e ao MPF. Já a competência para julgar esses casos é da Justiça Federal. 

O mesmo sucede quando há lavagem de dinheiro e ocultação de bens por meio do uso de Ativos Digitais Criptografados, nos termos da Lei nº 9.613/1998. A regulação das prestadoras de serviços com Ativos Digitais Criptografados conferiu segurança jurídica acerca disso. Ela acrescentou ao art. 1º da Lei que trata dos crimes de lavagem de dinheiro, o §2º apenas para incluir as negociações com Bitcoin e semelhantes.

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Autor:
Alexandre Antunes