Nem criptomoedas blindam contra a Magnitsky

Em 30 de julho de 2025, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, foi oficialmente sancionado pelos Estados Unidos com base na Global Magnitsky Human Rights Accountability Act. Com isso, seu nome foi incluído na lista de Specially Designated Nationals and Blocked Persons (SDN List), mantida pelo Departamento do Tesouro dos EUA, através do Office of Foreign Assets Control (OFAC).

A sanção imposta pelos Estados Unidos determina o bloqueio de todos os bens, direitos e interesses de Alexandre de Moraes localizados em território norte-americano ou sob controle de pessoas sujeitas à jurisdição dos EUA, além de proibir qualquer transação financeira, comercial ou contratual entre cidadãos ou empresas norte-americanas e o ministro, vedando inclusive que tais pessoas facilitem, direta ou indiretamente, qualquer operação que o envolva — medidas essas que possuem aplicação automática, imediata e de amplo alcance patrimonial e financeiro, incluindo a proibição de entrada no país, embora, no caso de Moraes, o visto já houvesse sido revogado anteriormente por decisão do Departamento de Estado.

O nome da legislação “Magnitsky” é uma referência a Sergei Magnitsky, advogado russo que, em 2008, expôs um esquema de fraude fiscal bilionária envolvendo agentes do Estado russo. Após suas denúncias, ele foi detido de maneira arbitrária, sofreu tortura durante o encarceramento e faleceu na prisão em novembro de 2009.

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Em reação a esses fatos, o Congresso dos Estados Unidos aprovou, em 2012, durante o governo de Barack Obama, a Lei Magnitsky original — formalmente intitulada Russia and Moldova Jackson-Vanik Repeal and Sergei Magnitsky Rule of Law Accountability Act of 2012 — com o objetivo de responsabilizar indivíduos envolvidos na morte de Magnitsky e em outras violações de direitos humanos cometidas na Rússia.

Em 2016, ainda sob o governo Obama, o Congresso norte-americano aprovou a Global Magnitsky Human Rights Accountability Act, norma que ampliou expressamente o escopo da legislação anterior para permitir a imposição de sanções contra indivíduos e entidades de qualquer país. Com isso, a lei passou a ter alcance global, aplicando-se a casos de violações graves de direitos humanos — como tortura, execuções extrajudiciais e perseguições políticas — bem como a atos relevantes de corrupção internacional, independentemente da nacionalidade dos envolvidos ou do território em que os atos tenham ocorrido.

Durante o governo Donald Trump, em 2017, a legislação foi implementada por meio do Decreto Executivo n.º 13.818, com vigência inicial de seis anos. No entanto, em abril de 2022, o Congresso norte-americano decidiu tornar a lei permanente, além de ampliar sua fundamentação jurídica, consolidando-a como uma das principais ferramentas de política externa dos EUA para impor sanções unilaterais.

Ainda que a Lei Magnitsky já tenha sido amplamente aplicada ao longo da última década, o entendimento consolidado sobre seus efeitos patrimoniais se deu, até aqui, majoritariamente no contexto de ativos tradicionais, como contas bancárias, imóveis e participações societárias, diante da multiplicidade de casos que envolveram tais bens. No entanto, permanece praticamente inexplorado o debate sobre os efeitos patrimoniais das sanções impostas pela Lei Magnitsky sobre ativos virtuais mantidos por pessoas sancionadas.

Ainda que persista o mito de que os ativos virtuais seriam imunes a bloqueios e sanções, a prática mostra o contrário.

O problema central não está na mera custódia, que certamente pode se dar em uma carteira autocustodiante, mas sim na liquidez dos ativos: como transformar esses criptoativos em dinheiro utilizável ou em meios de pagamento aceitos globalmente? Nenhuma grande exchange, seja nos Estados Unidos, na União Europeia, na Ásia ou mesmo em jurisdições menores, tem interesse em manter contas de indivíduos ou entidades incluídos em sanções internacionais como as impostas pela Lei Magnitsky. O motivo é simples: ao permitir movimentações de recursos ligados a pessoas sancionadas, tais plataformas correm o risco de serem elas próprias alvo de medidas restritivas, o que pode significar perda de licenças, exclusão de mercados estratégicos e até a inclusão direta de seus responsáveis em listas de sanções.

Da mesma forma, emissores de stablecoins atreladas ao dólar, como Tether e Circle, já congelaram inúmeros endereços diretamente nos contratos inteligentes, em operações ligadas a crimes e até ao financiamento de grupos sancionados, como acontece com alguns grupos russos e norte-coreanos. Esses casos mostram que as stablecoins, longe de funcionarem como porto seguro, estão cada vez mais próximas do próprio governo dos Estados Unidos, respondendo de maneira imediata a ordens do OFAC e de outras autoridades norte-americanas.

Outro aspecto essencial é o dos cartões de débito cripto vinculados a grandes bandeiras como Visa e Mastercard. Esse segmento tem crescido de forma acelerada, permitindo que usuários gastem seus ativos diretamente no varejo, sem a necessidade de conversão prévia em exchanges. No entanto, justamente por essa integração orgânica ao sistema global de pagamentos, tais instrumentos são ainda mais suscetíveis às sanções internacionais. Se um titular estiver sujeito às medidas impostas pela Lei Magnitsky, a própria bandeira bloqueia de imediato a utilização do cartão, sob pena de responsabilização e até mesmo de restrições à sua atuação no mercado norte-americano e europeu.

Vale mencionar, nesse contexto, a experiência da OnilX, que recentemente lançou um cartão com bandeira Mastercard, resultado de um processo sólido de amadurecimento de mercado e de credibilidade regulatória. Esse tipo de iniciativa evidencia que a adoção responsável e em conformidade com padrões globais é possível, mas, ao mesmo tempo, reforça que a narrativa de “imunidade” dos ativos virtuais frente às sanções não encontra respaldo na realidade: se o sistema financeiro tradicional é a porta de entrada para o uso efetivo, é também a barreira intransponível imposta pela Magnitsky.

O grande problema, contudo, reside no processo de liquidação, isto é, na conversão de ativos virtuais em moeda fiduciária com aceitação internacional. Não há mecanismo alternativo capaz de substituir o sistema bancário como instância final de liquidação. Exchanges dependem de contas em bancos para viabilizar depósitos e saques. Emissores de stablecoins precisam manter reservas depositadas em instituições financeiras tradicionais. Os cartões de débito que permitem o gasto direto em ativos virtuais só funcionam porque estão acoplados a redes globais de pagamento operadas por bancos e às bandeiras tradicionais, como Visa e Mastercard, que atuam como plataformas internacionais de compensação e liquidação.

Além disso, é preciso reconhecer a baixa aceitação dos ativos virtuais no mercado global. Ainda que um indivíduo sancionado possa continuar movimentando seus fundos em carteiras autocustodiantes, essa possibilidade não significa acesso efetivo ao mercado. Em hubs específicos, como Dubai ou a Suíça, já é viável adquirir imóveis, automóveis ou realizar operações de maior porte com ativos virtuais, mas esses exemplos permanecem exceções. No plano global, o uso cotidiano é extremamente limitado e concentrado em nichos, sem qualquer penetração significativa no comércio internacional.

O que se observa, portanto, é a crescente intersecção entre os mercados tradicional e de ativos virtuais. O que nasceu sob a bandeira da descentralização absoluta evoluiu para um modelo em que a utilidade prática depende de conexões com o sistema financeiro global, desde a liquidação até a aceitação cotidiana. Esse processo de integração, longe de ser exceção, tornou-se regra: exchanges, emissores de tokens e instrumentos de pagamento passaram a operar em conformidade com padrões internacionais de compliance e com as mesmas estruturas que dão eficácia às sanções. É nesse cenário que a lógica da Lei Magnitsky se impõe com clareza: ativos virtuais podem existir em redes descentralizadas, mas sua relevância econômica está cada vez mais submetida a mecanismos centralizados de controle, e por isso nem mesmo eles escapam ao alcance das sanções internacionais.

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Pedro Torres
Pedro Torreshttps://sydowtorres.adv.br/
Pedro Torres é advogado especializado em Blockchain e Criptoativos. Mestre em Blockchain e Moedas Digitais pela Universidade de Nicósia (Chipre), ele atua como Investigador Forense de Criptoativos, certificado pelo McAfee Institute (EUA) e pela Chainalysis (EUA). Sua expertise abrange o Direito dos Criptoativos e Blockchain, com especialização pela Escola da Magistratura Federal do Paraná (ESMAFE) e pela Escola da Magistratura Estadual do Paraná (EMAP). Além disso, é Conselheiro do Conselho de Ativos Digitais e Blockchain da Associação Comercial do Paraná e membro de organizações de destaque como a Crypto Valley Association (Suíça) e o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Pedro também integra a Comissão Especial de Inovação e Tecnologia da OAB/SP, refletindo seu papel ativo na inovação jurídica.
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