Comentários comparativos sobre regulamentação dos ativos digitais na UE e no Brasil

O avanço da regulamentação dos mercados de ativos virtuais está em destaque globalmente, apresentando-se como resposta direta à expansão acelerada desse setor e aos desafios que ele apresenta para governos, instituições financeiras, investidores e detentores.

Nos últimos anos, o mercado de ativos digitais cresceu exponencialmente, atingindo valores de capitalização trilionários, ao mesmo tempo em que fraudes, instabilidades e perdas evidenciaram a necessidade de uma regulamentação clara e eficaz.

Na União Europeia, o Regulamento de Mercados de Criptoativos (MiCA[1]) foi concebido como parte de uma estratégia mais ampla que surgiu por meio do “Plano de Ação para Finanças Digitais”, lançado pela Comissão Europeia em 2020[2], dentro de um contexto cujo objetivo era de criar um ambiente regulatório que equilibrasse a inovação e a proteção ao consumidor na UE.

Questões como o impacto ambiental de diferentes redes blockchain (especialmente as que usam o método de validação Proof-of-Work), os riscos sistêmicos associados às stablecoins sempre foram objeto de discussão, motivo pelo qual o MiCA foi concebido para criar um quadro regulatório multidisciplinar e harmonizado para os mercados de ativos digitais de todos os Estados-membros da UE.

Dessa forma, aprovado formalmente em 2023, o MiCA tem como objetivo, conforme delineado em seu próprio texto e conforme já havia sido previsto no Plano de Ação, “promover a segurança jurídica, proteger investidores, garantir a estabilidade financeira e fomentar a inovação tecnológica no setor de criptoativos, além de implementar medidas para combater crimes financeiros e estabelecer padrões ambientais”.

Conforme expressa previsão da redação do parágrafo 2, do artigo 149, o MiCA entrou em vigor hoje, dia 30 de dezembro de 2024 e, desde já, tornou-se alvo de controvérsias e de notícias, sobretudo em razão da retirada do Tether (USDT) do mercado europeu devido à não conformidade com a nova legislação.

Dentre outras questões, o MiCA estabelece claramente quais órgãos são responsáveis por cada competência regulatória no contexto dos mercados de ativos digitais europeu, atribuindo papéis específicos tanto à ESMA (Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados) quanto às autoridades reguladoras locais de cada Estado-membro da UE. Em contraste, o processo regulatório brasileiro, que teve seu início por meio da Lei n.º 14.478/2022[4], delega funções de competência à CVM e ao Banco Central, sem, contudo, definir precisamente quais os limites de cada órgão, que se valem de outros atos normativos próprios (resoluções, circulares e instruções normativas) para regulamentar e detalhar as disposições legais no âmbito de suas competências.

Ou seja, enquanto o MiCA constitui um marco regulatório centralizado e coordenado, que, por meio do próprio ato legislativo, estabelece um sistema claro e integrado entre a ESMA e as autoridades reguladoras nacionais de cada Estado-membro, o processo legislativo brasileiro ainda carece de uma abordagem unificada, sendo possível afirmar que a Lei n.º 14.478/2022 ainda carece de relevância prática em face das diversas lacunas existentes em seus dispositivos e em decorrência das diversas normas jurídicas que estão sendo formuladas e discutidas por outros órgãos da Administração Pública.

Essa fragmentação legislativa dificulta a criação de um ambiente regulatório uniforme, impactando diretamente a atratividade do Brasil como destino para inovação tecnológica e investimentos no setor de ativos virtuais. Além disso, essa falta de clareza regulatória pode aumentar os custos de conformidade para empresas, que precisam lidar com um conjunto complexo e disperso de normas e interpretações, desincentivando a entrada de players internacionais, que buscam mercados com regulamentações claras e previsíveis.

Não se desconhece que o MiCA também apresenta normas em branco. Contudo, tratam-se de normas planejadas e inseridas em um quadro centralizado e estruturado na própria peça legislativa, no qual a União Europeia já define competências claras para órgãos como a ESMA e o Banco Central Europeu, que têm prazos e diretrizes explícitas para desenvolver os aspectos técnicos e práticos necessários para a regulamentação de ativos digitais no bloco.

Por exemplo, a aplicação das regras para tokens referenciados a ativos e tokens de dinheiro eletrônico passarão a ter sua aplicabilidade em junho de 2024, enquanto a ESMA possui um prazo de até 12 meses após a entrada em vigor do regulamento para publicar normas técnicas sobre requisitos de segurança cibernética e governança aplicáveis aos prestadores de serviços de criptoativos (CASPs).

Apesar da UE ser alvo de diversas críticas quanto ao excesso de regulamentações em diversos setores e, levando em consideração que esse processo é uma realidade no Brasil – gostemos disso ou não –, podemos afirmar que nosso país poderia ter se beneficiado ao adotar algumas lições do modelo europeu, realizando a construção de um quadro regulatório claro, unificado e adaptável à constante evolução do mercado de ativos digitais em detrimento de um procedimento fragmentado e excessivamente dependente de atos normativos complementares.

Aqui ainda não se sabe o prazo, os limites, tampouco o conteúdo das normas supervenientes, o que vem nos trazendo não só incertezas, mas também pérolas como a proposta do Banco Central para proibir autocustódia de stablecoins[5].

[1] Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32023R1114&qid=1735516575295

[2] https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX%3A52020DC0591

[4] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/lei/l14478.htm

[5] https://livecoins.com.br/banco-central-proposta-regular-corretoras-criptomoedas-proibir-auto-custodia/

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Pedro Torres
Pedro Torreshttps://sydowtorres.adv.br/
Pedro Torres é advogado especializado em Blockchain e Criptoativos. Mestre em Blockchain e Moedas Digitais pela Universidade de Nicósia (Chipre), ele atua como Investigador Forense de Criptoativos, certificado pelo McAfee Institute (EUA) e pela Chainalysis (EUA). Sua expertise abrange o Direito dos Criptoativos e Blockchain, com especialização pela Escola da Magistratura Federal do Paraná (ESMAFE) e pela Escola da Magistratura Estadual do Paraná (EMAP). Além disso, é Conselheiro do Conselho de Ativos Digitais e Blockchain da Associação Comercial do Paraná e membro de organizações de destaque como a Crypto Valley Association (Suíça) e o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Pedro também integra a Comissão Especial de Inovação e Tecnologia da OAB/SP, refletindo seu papel ativo na inovação jurídica.

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