O mercado brasileiro de ativos virtuais atravessa um momento crucial, impulsionado por uma crescente institucionalização, maior adesão popular e um ecossistema de inovação tecnológica em rápida evolução.
Ao mesmo tempo, enfrenta desafios regulatórios cada vez mais complexos, que envolvem a harmonização de normas, a segurança jurídica das operações e a definição de diretrizes claras para empresas e usuários.
Em 19 de junho de 2023, entrou em vigor a Lei n.º 14.478/2022, conhecida como Marco Legal dos Criptoativos que, apesar de representar um avanço inicial ao estabelecer diretrizes gerais, é corretamente criticada por sua falta de conceitos próprios, limitando-se a definir “ativos virtuais” e “prestadores de serviços de ativos virtuais”, e pela ausência de apresentação de uma estrutura normativa detalhada para aspectos fundamentais do setor.
Além disso, a lei delegou ao Banco Central, designado pelo Decreto 11.563/2023 como regulador principal, e à Comissão de Valores Mobiliários a competência para a regulamentação complementar, motivo pelo qual o Marco Legal configura uma norma de eficácia limitada, nos termos da classificação do constitucionalista José Afonso da Silva, uma vez que sua plena aplicabilidade depende da edição de normas infralegais pelos órgãos reguladores competentes.
Por esse motivo, a lei não tem efeito prático imediato sobre aspectos essenciais do setor, como, por exemplo, regras específicas para custódia, exigências operacionais para exchanges, critérios para emissão e circulação de stablecoins, mecanismos de prevenção a ilícitos financeiros e requisitos para governança e compliance, criando insegurança jurídica e dificultando a adequação do mercado diante da incerteza sobre as futuras normas regulatórias, cuja edição sequer possui prazo definido.
Nesse contexto, o cenário legislativo atual é marcado pela proliferação de múltiplas iniciativas legislativas simultâneas, destacando-se Projetos de Lei, como o n.º 4.308/2024, proposto pelo deputado Aureo Ribeiro, que visa regulamentar especificamente o mercado de stablecoins, o n.º 2.681/2022, de autoria da senadora Soraya Thronicke, que pretende regulamentar a emissão, intermediação, custódia e liquidação de ativos virtuais, visando proteger investidores e prevenir fraudes e o anteprojeto apresentado pelo deputado Lafayette de Andrada, que propõe uma abordagem detalhada e ampla sobre a regulamentação dos criptoativos no Brasil.
Essa multiplicidade legislativa, apesar de refletir o nobre intuito do Legislador de proporcioar segura jurídica e de coibir o cometimento de atos ilícitos, levanta preocupações sobre o cumprimento do art. 7º, inciso IV, da Lei Complementar n.º 95/1998, que estabelece que “o mesmo assunto não poderá ser disciplinado por mais de uma lei, exceto quando a subsequente se destine a complementar lei considerada básica, vinculando-se a esta por remissão expressa”.
Em termos práticos, a sobreposição de normas decorrente da proliferação legislativa arranha a segurança jurídica ao gerar um arcabouço normativo fragmentado, marcado por conflitos interpretativos e redundâncias regulatórias, o que acaba dificultando a aplicação uniforme do direito ao ampliar as margens para controvérsias hermenêuticas, o que impõe obstáculos à previsibilidade das relações jurídicas e, consequentemente, afeta a estabilidade do setor.
No âmbito empresarial, a ausência de um marco normativo coeso não apenas resulta em custos operacionais elevados e aumento da complexidade regulatória, mas também engessa a atuação dos agentes do setor. Ao impor a necessidade de adaptação a regramentos muitas vezes contraditórios ou de difícil harmonização, o ambiente regulatório fragmentado desestimula investimentos, inibem o planejamento de longo prazo e a alocação eficiente de capital, tornando o mercado instável e pouco eficiente.
A insegurança regulatória também gera um efeito paralisante sobre a inovação e o desenvolvimento tecnológico. Empresas que operam com ativos virtuais, como exchanges, tokenizadoras, desenvolvedores de protocolos descentralizados e OTCs ficam limitadas na criação e oferta de novos produtos e serviços, pois não há diretrizes claras para sua conformidade legal, o que também pode resultar na criação de barreiras adicionais para a integração do setor cripto à economia formal.
Para pessoas físicas, a insegurança regulatória gera impactos concretos na utilização cotidiana de ativos virtuais. Nesse sentido, a ausência de regras claras sobre transações, tributação, proteção ao usuário e interoperabilidade entre ativos virtuais e moeda fiduciária compromete a previsibilidade e pode criar restrições arbitrárias ao uso legítimo dessas tecnologias.
Enquanto o arcabouço regulatório permanecer desorganizado e disperso, o Brasil corre o risco de perder competitividade global na indústria de ativos virtuais, afastando investimentos estratégicos e dificultando a plena adoção dessas tecnologias. A insegurança jurídica resultante da sobreposição normativa não apenas desestimula a inovação e a expansão do setor, mas também impõe barreiras ao desenvolvimento de novos modelos de negócios e à integração desses ativos na economia formal.
Nesse sentido, a construção de um ambiente regulatório seguro e funcional exige um processo legislativo técnico, transparente e inclusivo, no qual o setor privado, especialistas e a sociedade civil sejam ouvidos por meio de audiências públicas, consultas regulatórias e debates institucionais. Somente uma regulamentação coerente e alinhada às necessidades do mercado poderá garantir segurança jurídica, proteção ao usuário e estímulo à inovação, permitindo que os ativos virtuais desempenhem seu papel transformador sem entraves desnecessários.