PL das stablecoins é um avanço, mas demanda ajustes técnicos

A regulamentação do mercado de ativos virtuais tem avançado de forma significativa no cenário global, impulsionada pela necessidade premente de mitigar riscos e de estabelecer diretrizes normativas diante da expansão acelerada desse setor. A complexidade inerente aos ativos virtuais e às tecnologias descentralizadas impõe desafios substanciais aos governos, instituições financeiras e reguladores, que buscam equilibrar a inovação com a estabilidade do sistema financeiro, e, ao mesmo tempo, proteger investidores e prevenir o cometimento de crimes.

Apesar dos avanços, o Brasil ainda enfrenta desafios estruturais significativos. A ausência de um arcabouço regulatório plenamente consolidado, especialmente quando comparado a jurisdições mais maduras, gera incertezas jurídicas que impactam desde prestadores de serviços e desenvolvedores de infraestrutura até usuários finais e instituições, colocando o Brasil em desvantagem em face de países que já estabeleceram diretrizes claras para o setor.

A Lei n.º 14.478/2022, por exemplo, embora represente um marco regulatório relevante, carece de aplicabilidade efetiva, uma vez que sua implementação plena ainda depende da edição de normativos complementares, o que gera incertezas quanto à sua operacionalização e eficácia no curto prazo, comprometendo a previsibilidade do setor ao mesmo tempo que dificulta o desenvolvimento de modelos de negócios seguros e alinhados às exigências legais.

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Dentre as inúmeras propostas que emergem no contexto da regulamentação do mercado de ativos virtuais, as stablecoins têm ocupado uma posição de destaque, sobretudo em razão da crescente relevância que esses ativos vêm assumindo no cenário global.

As stablecoins, projetadas para oferecer estabilidade em um mercado notoriamente volátil, emergiram como pilares centrais do ecossistema de ativos virtuais e, progressivamente, vêm consolidando seu espaço no sistema financeiro tradicional. Longe de serem meros instrumentos auxiliares, esses ativos tornaram-se amplamente utilizados em transações cotidianas, estratégias de preservação de valor e na viabilização de operações internacionais em grande escala — um cenário favorecido por sua natureza estável, elevada liquidez e pela confiança que o mercado deposita em seus mecanismos de lastro, especialmente naquelas vinculadas ao dólar norte-americano.

No Brasil, esse movimento é especialmente relevante: a crescente adoção de stablecoins, sobretudo aquelas vinculadas ao USD, tem sido impulsionada pela busca por acesso facilitado à moeda, pela necessidade de proteção cambial e pela tentativa de mitigar os efeitos da inflação sobre o poder de compra.

Por isso, as stablecoins já são o tipo de ativo virtual mais usado pelos brasileiros. Em 2024, o volume de todas as modalidades de ativos declarados à Receita Federal somou R$ 317,9 bilhões – e cerca de 70% desse montante foi movimentado em stablecoins, com destaque para a USDT —, segundo dados do órgão. Sozinho, ele respondeu por R$ 210,04 bilhões, superando com folga o Bitcoin, que totalizou R$ 54,6 bilhões.

Nesse contexto, o PL 4.308/2024, apresentado pelo Deputado Federal Áureo Ribeiro, cujo objetivo é disciplinar as stablecoins, representa um avanço relevante e necessário na construção de um marco regulatório no Brasil, demonstrando a preocupação do legislador em conferir maior segurança jurídica, proteger os consumidores, fomentar a inovação e alinhar o país às melhores práticas internacionais no que concerne às stablecoins.

Embora se reconheça o esforço, o projeto de lei merece aprimoramentos técnicos, especialmente no que diz respeito à precisão conceitual, à preservação da competência regulatória do Banco Central conferida pelo Decreto n.º 11.563/2023 e à necessidade de evitar o engessamento normativo que poderia prejudicar a evolução e a consolidação do setor.

O conceito de stablecoin proposto, por exemplo, carece de maior precisão. É fundamental que a definição legislativa contemple os diferentes modelos existentes, incluindo ativos com lastro tradicional, lastros diversificados e aqueles estabilizados por algoritmos. Sem essa distinção, o risco de interpretações restritivas e inseguranças jurídicas aumenta.

Outro ponto crucial é que, em vez de criar uma legislação autônoma sobre stablecoins, o projeto deveria promover alterações na Lei n.º 14.478/2022, que já organiza o mercado

de ativos virtuais no Brasil, levantando preocupações sobre o cumprimento do art. 7º, inciso IV, da Lei Complementar n.º 95/1998, que estabelece que “o mesmo assunto não poderá ser disciplinado por mais de uma lei, exceto quando a subsequente se destine a complementar lei considerada básica, vinculando-se a esta por remissão expressa”. Isso evitaria sobreposição normativa e respeitaria o princípio de unidade legislativa.

Além disso, o projeto incorre em excesso ao detalhar exigências técnicas e operacionais que devem ser objeto de regulamentação infralegal pelo Banco Central. Esse nível de minúcia no texto legal pode engessar a regulação, impedir a adaptação do mercado às inovações e, no limite, criar barreiras para o próprio desenvolvimento tecnológico. Recomenda-se que a lei limite-se a estabelecer diretrizes gerais, conferindo ao Banco Central a competência para disciplinar aspectos técnicos, como requisitos prudenciais, estrutura de lastro, fluxos de emissão e resgate.

O projeto também apresenta problemas graves ao prever responsabilização penal direta de pessoas jurídicas por crimes patrimoniais, o que é juridicamente inviável no ordenamento brasileiro. Esse dispositivo precisa ser suprimido para evitar violações aos princípios constitucionais penais.

Outro ajuste importante diz respeito à gestão de riscos cibernéticos. O projeto restringe essa obrigação às emissoras de stablecoins, mas seria necessário estender essa responsabilidade a todas as instituições que atuam no ecossistema de ativos virtuais, incluindo custodiantes, intermediários e prestadores de serviços correlatos. Além disso, os parâmetros técnicos e metodológicos devem ser regulamentados pelo Banco Central, e não fixados diretamente em lei.

O fortalecimento do arcabouço regulatório brasileiro sobre stablecoins exige equilíbrio: é preciso mitigar riscos, combater práticas ilícitas, preservar a liberdade econômica e garantir que o país acompanhe a evolução internacional do setor, sem criar travas desnecessárias para a inovação.

O Brasil tem a oportunidade de construir um modelo regulatório de referência internacional, que seja sólido, flexível e compatível com a velocidade de transformação tecnológica que caracteriza o setor. Para isso, o legislador deve concentrar-se na definição de princípios gerais, preservando ao Banco Central a responsabilidade técnica sobre os aspectos operacionais e adaptativos da regulação. É igualmente fundamental que o processo legislativo se desenvolva em diálogo efetivo com o mercado, assegurando que as normas sejam compatíveis com as dinâmicas práticas do setor.

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Pedro Torres
Pedro Torreshttps://sydowtorres.adv.br/
Pedro Torres é advogado especializado em Blockchain e Criptoativos. Mestre em Blockchain e Moedas Digitais pela Universidade de Nicósia (Chipre), ele atua como Investigador Forense de Criptoativos, certificado pelo McAfee Institute (EUA) e pela Chainalysis (EUA). Sua expertise abrange o Direito dos Criptoativos e Blockchain, com especialização pela Escola da Magistratura Federal do Paraná (ESMAFE) e pela Escola da Magistratura Estadual do Paraná (EMAP). Além disso, é Conselheiro do Conselho de Ativos Digitais e Blockchain da Associação Comercial do Paraná e membro de organizações de destaque como a Crypto Valley Association (Suíça) e o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Pedro também integra a Comissão Especial de Inovação e Tecnologia da OAB/SP, refletindo seu papel ativo na inovação jurídica.
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