Apesar do otimismo gerado pelo início do governo Trump e dos investimentos massivos de instituições como a Strategy, o preço do Bitcoin se manteve estável, oscilando entre US$90.000 e US$105.000 desde dezembro até a metade de fevereiro, quando ele caiu até os US$84.000.
A explicação para essa lateralização, seguida de queda, reside no equilíbrio entre oferta e demanda, que define o preço de qualquer ativo.
Embora haja uma crença popular de que “bitcoiners nunca vendem”, a realidade é mais complexa: mineradores cobrem custos operacionais, investidores de longo prazo realizam lucros parciais após anos de espera, e até instituições fazem rebalanceamentos táticos de portfólio. Esse equilíbrio entre forças compradoras e vendedoras desafia a narrativa simplista de que “mais compradores = preço maior”.
Além disso, eventos como o hack da Bybit, o maior da história do ecossistema cripto, que resultou em perdas de US$1,4 bilhão, e a confirmação de que o governo Trump manterá tarifas contra México e Canadá, também impactaram o mercado.
O Trump não ia fazer o Bitcoin ir para a lua?
As recentes declarações da equipe de Trump sobre políticas favoráveis ao Bitcoin, incluindo potenciais estruturas regulatórias mais claras e incentivos para mineração, representam avanços significativos para o desenvolvimento do ecossistema no longo prazo. Estas medidas prometem estabelecer uma base mais sólida para a indústria, oferecendo maior segurança jurídica para investidores institucionais e empresas que desejam participar do mercado. No entanto, é importante notar que estes anúncios, por si só, não geram uma demanda compradora imediata significativa.
O impacto real destas políticas se manifestará gradualmente, à medida que novos pools de capital – sejam fundos de pensão, empresas de seguros ou outras instituições tradicionalmente mais conservadoras – começarem a se sentir seguros para alocar recursos em Bitcoin. O preço do Bitcoin continua sendo determinado pelo equilíbrio imediato entre compradores e vendedores ativos no mercado, e embora notícias positivas possam influenciar o sentimento de curto prazo, a verdadeira transformação virá da construção progressiva de um ambiente regulatório mais maduro que permita uma participação mais ampla e diversificada no mercado.
Como um preço é formado?
O preço de qualquer ativo, como um carro, uma casa ou um Bitcoin, é determinado pelo equilíbrio entre o que os compradores estão dispostos a pagar e o que os vendedores estão dispostos a aceitar. Esse equilíbrio é dinâmico e muda constantemente conforme as expectativas e necessidades dos participantes do mercado se alteram. Por exemplo, se há mais compradores do que vendedores, os preços tendem a subir até que um novo ponto de equilíbrio seja alcançado. No entanto, nem todos os detentores estão dispostos a vender no preço atual, e nem todos os compradores estão dispostos a pagar o preço pedido. O preço de mercado reflete apenas o ponto onde compradores e vendedores ativos concordam em negociar naquele momento.
A formação de preços ocorre “na margem”, ou seja, é definida pelas transações que efetivamente acontecem, mesmo que a maioria dos detentores não esteja negociando ativamente. Por exemplo, em um mercado com 100.000 bitcoins, onde apenas 1.000 estão sendo negociados, o preço de todos os 100.000 bitcoins é influenciado por essas transações marginais. Isso significa que, mesmo que a maior parte dos detentores não participe ativamente do mercado, o valor de suas reservas é precificado com base nessas negociações. Mudanças relativamente pequenas na oferta ou demanda ativa podem ter impactos desproporcionais nos preços, pois a escassez ou o excesso de oferta em relação à demanda influencia diretamente o valor do ativo.
Em mercados globais e altamente conectados, como o do Bitcoin, o processo de descoberta de preço ocorre 24 horas por dia, com milhões de participantes tomando decisões baseadas em análises, necessidades e objetivos individuais. Grandes investidores frequentemente movimentam recursos nos bastidores, sem revelar suas intenções ao mercado, enquanto decisões de compra e venda são influenciadas por uma complexa rede de fatores, como condições macroeconômicas, regulamentações, sentimento do mercado e eventos globais. Esse mecanismo contínuo de oferta e demanda é o que define o preço do Bitcoin e outros ativos em tempo real.
Como a oferta de Bitcoin está distribuída?
A distribuição da oferta total de Bitcoin, que atualmente se aproxima de 19,6 milhões de unidades, é essencial para entender a dinâmica do mercado. A maior parte dos Bitcoins já emitidos (69,4%) está nas mãos de indivíduos, enquanto 7,5% foram perdidos, 6,1% estão em fundos e ETFs, 5,7% ainda não foram minerados, 4,6% pertencem a Satoshi (e nunca foram movimentados), 4,4% estão com empresas e 1,4% com governos. Essa distribuição revela que uma parcela significativa da oferta está “travada”, seja por grandes investidores de longo prazo, moedas perdidas ou indivíduos com alta convicção que não pretendem vender, mesmo em cenários de alta.
Uma tendência clara para o futuro é o aumento da participação de instituições (fundos, ETFs e empresas) e governos no mercado de Bitcoin. Atualmente, essas entidades detêm uma fatia relativamente pequena da oferta total, mas, à medida que buscarem aumentar suas alocações, os indivíduos serão pressionados a vender parte de suas moedas. Com apenas 5,7% do total de 21 milhões de Bitcoins restantes para serem minerados, a competição por essas moedas tende a se intensificar, especialmente entre os grandes players institucionais.
O preço futuro do Bitcoin será determinado, em grande parte, pelos patamares em que os indivíduos estarão dispostos a vender suas moedas. Essas vendas podem ser motivadas por objetivos pessoais, como a compra de uma casa ou a diversificação de patrimônio. Portanto, o equilíbrio entre a demanda crescente das instituições e a disposição dos indivíduos em abrir mão de suas moedas será um fator crucial para a formação do preço do Bitcoin nos próximos anos.
Quem está comprando?
Atualmente, a dinâmica do mercado de Bitcoin é impulsionada principalmente por dois grupos de compradores institucionais: os ETFs, que precisam adquirir Bitcoin constantemente para atender à demanda de seus investidores, e empresas que seguem o modelo da Strategy, alocando parte de seu caixa no ativo. Essa mudança na composição da demanda reflete uma maturação do mercado, com fluxos institucionais previsíveis e de longo prazo substituindo a volatilidade histórica causada pela especulação de varejo. A consistência e o volume dessa demanda têm sido fundamentais para estabelecer um novo patamar de preços, embora ainda haja oscilações dentro dessa faixa de negociação.
Um exemplo claro do apetite das empresas por Bitcoin é visto nos dados publicados por Bradley Duke, líder da Bitwise na Europa, que mostram que, até 29 de janeiro de 2025, foram emitidas 12.528 moedas de BTC, enquanto as empresas adicionaram 27.966 moedas em seus balanços. Esse desequilíbrio entre a emissão de novas moedas e a demanda corporativa reforça o papel central das instituições na atual dinâmica do mercado. Além disso, a aprovação dos ETFs de Bitcoin à vista nos Estados Unidos em 2024 marcou um ponto de inflexão histórico, permitindo que investidores institucionais e de varejo acessassem o Bitcoin por meio de veículos regulados, consolidando o ativo como uma classe de investimento legítima.
A Strategy (anteriormente MicroStrategy) tem sido uma peça-chave nessa transformação, liderando o movimento de empresas que mantêm Bitcoin em seus balanços. Com uma estratégia agressiva de acumulação, a empresa detém mais de 478.740 moedas de Bitcoin, representando 75,7% do total mantido por empresas públicas. Além disso, o “Plano 21/21”, que visa captar até US$ 42 bilhões para expandir suas compras de Bitcoin, já garantiu cerca de US$ 20 bilhões em poucos meses, demonstrando o forte apetite do mercado por exposição ao ativo. Em resumo, a demanda de empresas e ETFs por Bitcoin continua robusta, consolidando um novo paradigma de adoção institucional.
Quem está vendendo?
Os dados on-chain mostram que investidores de longo prazo, conhecidos como long term holders, estão realizando vendas significativas de Bitcoin. Esse grupo inclui tanto grandes detentores (“baleias”) quanto pequenos investidores que acumularam Bitcoin há anos, muitos com retornos expressivos, como 50x ou 100x sobre o investimento inicial. A aprovação dos ETFs americanos e a superação de máximas históricas em 2024 aceleraram essa tendência, com baleias antigas vendendo US$142 bilhões desde 2023 e pequenos investidores também exercendo pressão vendedora. Essa realização de lucros explica, em parte, a consolidação lateral do preço do Bitcoin, mesmo com a forte demanda institucional.
Apesar do volume significativo de vendas, o mercado atual é mais maduro e líquido do que em ciclos anteriores. Enquanto no ciclo de 2020-2021 as vendas de 30 dias não ultrapassaram US$25 bilhões, no ciclo atual esse valor chegou a US$83 bilhões, sem causar quedas bruscas no preço. Isso ocorre porque a demanda institucional, via ETFs e empresas como a Strategy, tem absorvido grande parte dessas vendas. A consolidação lateral próxima aos US$95.000 sugere uma fase de acumulação, mas com uma diferença crucial: o mercado agora é impulsionado por capital institucional, não apenas por especulação de varejo. Indicadores on-chain, como o MVRV (Market Value to Realized Value), mostram que o mercado está fortalecendo seus níveis de suporte, preparando-se para o próximo movimento de alta quando as vendas dos long term holders se esgotarem.
E quando será o fim do ciclo de alta então?
O atual ciclo de alta do Bitcoin apresenta características fundamentalmente diferentes dos ciclos anteriores, principalmente devido à natureza de seus principais compradores. Diferentemente de 2021, quando o mercado era majoritariamente impulsionado por especulação de varejo e pelo produto GBTC da Grayscale, hoje temos um fluxo constante e previsível de compras através dos ETFs americanos, que continuam atraindo bilhões de dólares em novos investimentos.
A experiência histórica nos mostra que o fim dos ciclos de alta geralmente coincide com a diminuição significativa dos fluxos de entrada de capital. Em 2021, por exemplo, o mercado começou sua tendência de baixa aproximadamente dois meses após os fluxos para o GBTC secarem. No cenário atual, não apenas os ETFs mantêm um ritmo sólido de captação, como também observamos compradores institucionais consistentes, com destaque para a Strategy, que continua expandindo sua posição em Bitcoin.
Esta dinâmica sugere que ainda é prematuro declarar o fim do ciclo de alta atual. Os motores fundamentais que impulsionam a valorização do Bitcoin – principalmente a demanda institucional através de ETFs e compras corporativas – continuam operando a pleno vapor. Diferentemente dos ciclos anteriores, caracterizados por explosões especulativas seguidas de correções dramáticas, o atual momento do mercado apresenta uma estrutura mais robusta e sustentável de demanda, sugerindo que ainda há espaço para continuidade do movimento de alta.