MP 1.303: Brasil quer tributar como europeu enquanto entrega instabilidade e vácuo regulatório

Estudando o regime de tributação para o mercado de ativos virtuais em diferentes jurisdições, não encontrei uma divisão clara que permita agrupar os países por critérios convencionais como nível de desenvolvimento, modelo de estado, grau de liberdade econômica, população ou tamanho da economia. Na verdade, o que chama atenção é a heterogeneidade de estratégias mesmo entre nações de perfil parecido.

As nações desenvolvidas apresentam políticas diametralmente distintas quando se trata de tributação de ativos virtuais. Entre as que tributam muito, a Bélgica trata ganhos como renda especulativa e aplica alíquota que pode chegar a 50%. A Alemanha, embora isente completamente o ganho de capital quando o ativo é mantido por mais de doze meses, tributa as operações de curto prazo na faixa progressiva que alcança 45%. Japão e Dinamarca, ambos com sistemas de bem-estar robustos, enquadram o lucro em qualquer modalidade de ativo virtual como renda ordinária, chegando a cobrar, respectivamente, até 55% e 52% dos contribuintes de maior renda. A França aplica uma taxa fixa de 30% sobre ganho de capital, mas, se a atividade for considerada profissional, a tributação pode escalar a 45%. Nos Estados Unidos, os ganhos de curto prazo são tratados como renda comum, alcançando 37% no plano federal e, em estados como Califórnia ou Nova York, a incidência total pode superar 45% quando se somam os tributos estaduais.

Singapura não possui imposto sobre ganho de capital, mantendo alíquota zero para investimentos pessoais. A Suíça também não tributa ganhos de pessoa física em nível federal e ainda oferece regimes cantonais competitivos, embora cobre imposto de renda de quem opere como trader profissional. Hong Kong segue a mesma lógica: não há imposto sobre ganhos de capital, de modo que investimentos próprios em cripto permanecem totalmente isentos. Os Emirados Árabes Unidos mantêm 0% de imposto para indivíduos nas zonas francas, aplicando apenas a nova taxa corporativa de 9% a empresas, e consolidaram-se como hub global de blockchain e ativos virtuais. Portugal, até 2022 um dos destinos preferidos dos investidores, mantinha isenção total para pessoas físicas e, mesmo após a reforma, continua a tributar a 0% os ganhos de longo prazo. Malta adota política semelhante: trata cripto mantido como reserva de valor de forma análoga a títulos e não cobra imposto se a alienação ocorrer após seis meses de posse.

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Já as nações em desenvolvimento que tributam pouco ou nada utilizam a política fiscal como ferramenta de atração de capital. A Malásia, por enquanto, não impõe tributo sobre ganho de capital para pessoa física, embora discuta alterações para 2026, o que refletiu em um crescente número de exchanges globais se instalando no país. El Salvador, por sua vez, isenta totalmente investidores estrangeiros que operam em Bitcoin. O Bahrein combina ausência de imposto de renda com licenciamento específico para atividades de ativos virtuais, as Ilhas Cayman mantêm política de isenção total sobre ganhos de capital e oferecem um arcabouço jurídico pensado para fundos e custodiantes e Bermudas, por fim, criou legislação própria para negócios de ativos virtuais e mantém tributação simbólica, tornando-se um destino recorrente para empresas do setor que buscam estabilidade regulatória com baixa carga fiscal.

Entre as nações em desenvolvimento que tributam muito, a Índia aplica uma taxa fixa de 30% sobre qualquer ganho, independentemente do período de posse ou da faixa de renda. A Argentina, em meio a forte instabilidade cambial, tributa ganhos de capital em percentuais que chegam a 15% para pessoas físicas e ultrapassam 30% para empresas. O Brasil, caso a Medida Provisória n.º 1.303 seja aprovada pelo Congresso Nacional, passará a integrar esse grupo: a MP institui alíquota única de 17,5% sobre ganhos com ativos virtuais, elimina a isenção de R$ 35 mil, criando uma das cargas tributárias mais elevadas da região.

Esse fenômeno não é estranho. Segundo o FMI[1], há um padrão recorrente na adoção de ativos virtuais: países que enfrentam inflação elevada, desvalorização cambial e controles de capital tendem a registrar uso significativamente maior desses ativos, em especial stablecoins, como forma de proteger o poder de compra e escapar de restrições cambiais. O FMI destaca que, quando a população perde confiança na moeda nacional e nas instituições financeiras, os ativos virtuais passam a cumprir funções de reserva de valor, meio de pagamento internacional e canal de remessas, fenômeno que o relatório denomina “cryptoization”.

O Global Crypto Adoption Index 2025 da Chainalysis[2], que mede a adoção real de ativos virtuais ponderando volume on-chain de varejo, operações em serviços centralizados, uso de plataformas DeFi e transações institucionais, confirma essa tendência: entre os dez países de maior adoção de ativos virtuais estão Índia, Paquistão, Vietnã, Brasil, Nigéria e Indonésia, todos com histórico de inflação elevada, volatilidade cambial ou controles de capital.

Mesmo ocupando o 5º lugar no ranking de adoção da Chainalysis e contando com mais de 200 milhões de habitantes, o Brasil oferece ao investidor de ativos virtuais menos opções de plataformas licenciadas e um ecossistema menos dinâmico do que jurisdições de população bem menor, como Portugal, Malta, Singapura, Suíça, Hong Kong ou Emirados Árabes Unidos. Nessas economias, a combinação de marcos regulatórios claros e carga tributária competitiva não apenas atraiu uma variedade de operadores globais, mas também capital estrangeiro, investimentos de longo prazo e profissionais altamente qualificados.

O Brasil, mesmo sendo uma economia de renda média-alta, marcada por instabilidade regulatória e pela ausência de um marco legal completo para ativos virtuais, pretende adotar uma carga tributária típica de jurisdições europeias de alta renda como França, Itália ou Espanha, mas sem oferecer as condições institucionais, a previsibilidade e a segurança jurídica que tornaram esses mercados atrativos.

Deixando de lado indicadores como IDH, PIB per capita ou níveis de segurança, enquanto França, Itália e Espanha possuem marcos legais completos para ativos virtuais, alinhados ao regulamento europeu MiCA, o Brasil, por outro lado, ainda não regulamentou integralmente o setor: a Lei 14.478/22 tem eficácia limitada, erros conceituais e diversas lacunas, enquanto o Banco Central e a CVM seguem realizando consultas públicas sem cronograma definido para a implementação de regras específicas de autorização, fiscalização e proteção ao investidor.

Ao insistir na Medida Provisória n.º 1.303, o governo brasileiro adota um atalho legislativo que ignora os requisitos constitucionais de relevância e urgência e expõe o caráter meramente arrecadatório da proposta. Não há crise de arrecadação nem risco sistêmico que justifique atropelar o debate parlamentar para criar um novo regime de tributação para um setor que sequer foi regulamentado. Ainda assim, o texto impõe uma alíquota que soa como a de países desenvolvidos com recolhimento trimestral e sem qualquer faixa de isenção, em contraste gritante com a ausência de um marco legal completo e com o caminho seguido por hubs globais de inovação em ativos virtuais que atraem capital e tecnologia com regras claras e carga mínima.

Sem embargo de se tratar de uma iniciativa flagrantemente inadequada ao processo legislativo, carente de relevância e urgência e destituída de base regulatória sólida, bem como deixando de lado o evidente risco de fuga de capital, a insistência na aprovação da Medida Provisória n.º 1.303 escancara uma contradição: o Brasil propõe uma tributação elevada e de incidência frequente sobre ativos virtuais como se dispusesse da estabilidade institucional e da clareza normativa presentes em jurisdições como França, Itália e Espanha, instaurando um regime que não apenas desestimula investimento e inovação, mas expõe o Brasil como uma referência negativa no cenário internacional.

[1]Fintech Note 2023/012 – Macrofinancial Implications of Foreign Crypto Assets for Small Developing Economies: https://www.imf.org/en/Publications/fintech-notes/Issues/2023/12/05/Macro-Financial-Implications-of-Foreign-Crypto-Assets-for-Small-Developing-Economies-541440

[2] https://www.chainalysis.com/blog/2025-global-crypto-adoption-index/

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Pedro Torres
Pedro Torreshttps://sydowtorres.adv.br/
Pedro Torres é advogado especializado em Blockchain e Criptoativos. Mestre em Blockchain e Moedas Digitais pela Universidade de Nicósia (Chipre), ele atua como Investigador Forense de Criptoativos, certificado pelo McAfee Institute (EUA) e pela Chainalysis (EUA). Sua expertise abrange o Direito dos Criptoativos e Blockchain, com especialização pela Escola da Magistratura Federal do Paraná (ESMAFE) e pela Escola da Magistratura Estadual do Paraná (EMAP). Além disso, é Conselheiro do Conselho de Ativos Digitais e Blockchain da Associação Comercial do Paraná e membro de organizações de destaque como a Crypto Valley Association (Suíça) e o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Pedro também integra a Comissão Especial de Inovação e Tecnologia da OAB/SP, refletindo seu papel ativo na inovação jurídica.
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