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Aumento de tributação para o setor de ativos virtuais pode ter o efeito reverso na lógica de arrecadação e proteção ao consumidor

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A audiência com o Ministro Fernando Haddad e a deliberação do Plano de Trabalho da Comissão Mista da MP 1.303/2025, previstas para hoje, foram canceladas — sem justificativa oficial. O adiamento ocorre em meio à obstrução parlamentar intensificada após a decisão judicial que concedeu prisão domiciliar ao ex-presidente Bolsonaro.

Embora o cenário político brasileiro esteja em ebulição, é importante destacar que a indefinição regulatória no setor de ativos virtuais se agrava. A Medida Provisória 1.303, que deveria trazer segurança jurídica, vem produzindo o efeito inverso: amplia incertezas, eleva custos de conformidade e aprofunda a assimetria entre VASPs que operam no Brasil, sob supervisão e regras claras, e plataformas estrangeiras que continuam acessando o mercado nacional sem os mesmos encargos.

Já me manifestei anteriormente que, em vez de estimular a formalização e a competitividade leal, a MP empurra operadores para zonas de menor visibilidade tributária — onde o compliance vira desvantagem competitiva[1]. O setor precisa de regras estáveis, isonômicas e construídas com ampla participação democrática. E precisa disso agora.

Nesse contexto, discutir o aumento da carga tributária sobre criptoativos, como proposto pela MP 1303, é não apenas prematuro, mas contraproducente. A ausência de um ambiente regulatório plenamente definido torna inviável a aplicação eficiente e justa de qualquer regime tributário — o que se vê, na prática, é uma tentativa de tributar antes mesmo de compreender ou estruturar adequadamente o setor.

Mais grave que isso, contudo, é o risco de que o aumento de impostos produza o efeito oposto ao pretendido tanto do ponto de vista arrecadatório quanto da proteção ao consumidor. Ao tornar o ambiente doméstico excessivamente oneroso, o Estado incentiva a migração de usuários e empresas para jurisdições mais competitivas, inclusive no plano fiscal, ou para soluções descentralizadas que escapam do alcance regulatório tradicional. O resultado é perda de arrecadação, evasão de talentos, desincentivo à formalização e maior exposição do consumidor a riscos, já que parte relevante do mercado passa a operar em zonas cinzentas ou completamente fora do radar regulatório.

Não é coincidência que as jurisdições que mais evoluíram na atração de capital e no desenvolvimento tecnológico do ecossistema de ativos virtuais sejam justamente aquelas que combinaram segurança jurídica com estruturas tributárias enxutas. Dubai, por exemplo, assumiu papel de liderança global ao criar, em 2022, a Virtual Assets Regulatory Authority (VARA) — primeira autoridade autônoma dedicada exclusivamente à regulação de ativos virtuais em uma jurisdição relevante. Com mandato claro, autonomia funcional e atuação próxima ao setor privado, a VARA proporcionou um ambiente de previsibilidade regulatória que, somado à ausência de impostos diretos sobre renda e ganho de capital em criptoativos, transformou o emirado em um hub estratégico para exchanges, projetos de infraestrutura blockchain, family offices e fundos internacionais.

Na mesma linha, o cantão de Zug, na Suíça — conhecido como Crypto Valley — consolidou-se como um polo de referência ao adotar abordagem regulatória sofisticada, baseada no diálogo constante com o setor, e políticas tributárias agressivamente competitivas. Empresas que se instalam no cantão se beneficiam de alíquotas efetivas reduzidas, isenções locais e um ecossistema institucional favorável, que inclui desde bancos dispostos a atender entes cripto até diretrizes federais claras sobre a natureza jurídica dos ativos. Não por acaso, Zug abriga centenas de startups e entidades envolvidas em blockchain, além de fundações responsáveis por alguns dos principais protocolos do setor.

Além de comprometer a competitividade e afastar operadores sérios do mercado nacional, a ausência de um marco regulatório funcional, combinada à antecipação tributária, enfraquece a própria proteção do consumidor. Um exemplo claro é a dificuldade enfrentada por usuários que tentam acionar o Judiciário contra plataformas de ativos virtuais sem qualquer presença jurídica no Brasil. Sem sede, representação ou domicílio fiscal no país, muitas dessas empresas sequer podem ser validamente citadas, tornando inviável o acesso à jurisdição brasileira e esvaziando, na prática, o direito de defesa do consumidor.

Esse é apenas um dos diversos efeitos colaterais de um ambiente mal calibrado, onde a ausência de regras claras convive com a tributação excessiva. Sem garantias mínimas — como transparência operacional, deveres de informação, segregação de ativos ou canais de supervisão —, o consumidor é empurrado justamente para os ambientes de maior risco. Nessas condições, não há proteção real, tampouco justiça tributária ou equilíbrio competitivo.

Se o Brasil deseja integrar o mapa global da inovação em ativos virtuais, precisa parar de tratar o setor como um nicho a ser onerado e começar a reconhecê-lo como um vetor estratégico de desenvolvimento econômico, tecnológico e institucional.

[1] https://livecoins.com.br/nova-mp-pune-empresas-brasileiras-de-cripto-e-favorece-concorrencia-estrangeira/

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Pedro Torres

Pedro Torres é advogado especializado em Blockchain e Criptoativos. Mestre em Blockchain e Moedas Digitais pela Universidade de Nicósia (Chipre), ele atua como Investigador Forense de Criptoativos, certificado pelo McAfee Institute (EUA) e pela Chainalysis (EUA). Sua expertise abrange o Direito dos Criptoativos e Blockchain, com especialização pela Escola da Magistratura Federal do Paraná (ESMAFE) e pela Escola da Magistratura Estadual do Paraná (EMAP). Além disso, é Conselheiro do Conselho de Ativos Digitais e Blockchain da Associação Comercial do Paraná e membro de organizações de destaque como a Crypto Valley Association (Suíça) e o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Pedro também integra a Comissão Especial de Inovação e Tecnologia da OAB/SP, refletindo seu papel ativo na inovação jurídica.

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Pedro Torres