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Bitcoin como validação do teorema da regressão: Uma síntese Austríaca com Szabo e Ammous 

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Na interseção entre a economia austríaca e as inovações digitais, o Bitcoin representa um fenômeno que desafia e ao mesmo tempo corrobora teorias centenárias sobre a origem do dinheiro.

A tradição austríaca, encarnada por pensadores como Carl Menger, Ludwig von Mises, Murray Rothbard e Friedrich A. Hayek, descreve o dinheiro não como uma invenção estatal, mas como um produto espontâneo da ação humana em mercados livres.

Menger enfatiza a subjetividade do valor e a emergência do dinheiro a partir de bens com alta vendabilidade; Mises resolve o paradoxo circular do valor monetário por meio do teorema da regressão, ancorando-o a uma utilidade inicial não monetária; Rothbard defende a soberania individual contra intervenções coercitivas; e Hayek celebra a ordem espontânea gerada pela concorrência monetária, onde moedas privadas agregam conhecimento disperso dos indivíduos para otimizar a alocação de recursos.

Complementando esses pilares, Nick Szabo (2002) revela as raízes antropológicas do dinheiro em collectibles ancestrais valorizados por sua utilidade não monetária simbólica, social e ideológica — qualidades que transcendem mera escassez e durabilidade para fomentar laços comunitários e status rituais. Saifedean Ammous (2018) endossa essa visão ao analisar exemplos como as pedras Rai de Yap, posicionando o Bitcoin como moeda sólida com base em utilidade inicial similar, resistente a inflação e confisco.

Minha análise funde esses princípios austríacos com as perspectivas de Nick Szabo e Saifedean Ammous, incorporando elementos de teoria dos jogos, criptografia econômica e desenvolvimento open-source.

O objetivo é aprofundar o debate sobre monetização digital, refutar críticas materialistas e ilustrar como o Bitcoin exemplifica uma ordem espontânea no ciberespaço. Distingo claramente sua fase inicial não monetária da transição para funções econômicas.

  1. A Origem do Dinheiro: Fundamentos Austríacos 

Carl Menger, em Princípios de Economia Política (1871), estabelece os alicerces ao afirmar que o valor de um bem é subjetivo, derivado da utilidade percebida pelos indivíduos, e que o dinheiro emerge organicamente quando um bem adquire vendabilidade superior devido à sua escassez, durabilidade e aceitação ampla.

Ludwig von Mises, em A Teoria do Dinheiro e do Crédito (1912), avança essa ideia com o teorema da regressão, que resolve o aparente círculo vicioso do valor monetário: o poder de compra atual do dinheiro remonta regressivamente a um ponto histórico em que ele possuía utilidade não monetária, como bem de consumo, produção ou simbólico-social.

Murray Rothbard, em O que o Governo Fez com o Nosso Dinheiro? (1963), reforça que o dinheiro surge espontaneamente no mercado livre, refletindo a soberania individual e rejeitando qualquer monopólio estatal como uma violação da liberdade econômica.

Finalmente, Friedrich A. Hayek, em Denationalisation of Money (1976), advoga pela desestatização da moeda, propondo que a concorrência entre moedas privadas — cada uma emitida por entidades responsáveis — geraria uma ordem espontânea mais eficiente, incorporando o conhecimento disperso dos participantes do mercado e minimizando distorções inflacionárias.

Esses princípios formam o arcabouço teórico para entender fenômenos monetários emergentes, como o Bitcoin, que, ao invés de ser imposto top-down, evolui bottom-up a partir de interações voluntárias em uma rede global, começando com uma utilidade estritamente não monetária.

  1. Paralelos Históricos: Collectibles e a Origem do Dinheiro 

Szabo (2002; 2016) examina collectibles ancestrais, como as contas de Sungir (datadas de cerca de 30.000 a.C.), valorizadas por seu papel social em rituais, dotes e tributos, e wampum usado por nativos americanos como símbolo de tratados intertribais.

As pedras Rai de Yap, como destacado por Szabo e Ammous (2018), exemplificam isso: imensas e imóveis, seu valor derivava de escassez (dificuldade de extração e transporte) e utilidade simbólica em transações sociais rituais, sem necessidade de movimento físico — um paralelo direto com a escassez digital e o papel comunitário do Bitcoin como collectible.

Esses bens ganharam vendabilidade por escassez e utilidade simbólica, evoluindo para proto-moedas. Evidências arqueológicas, como as de ferramentas de osso acumuladas em Swartkrans (d’Errico & Backwell, 2003), indicam comportamentos de hoarding pré-históricos, refletindo poupança e valorização subjetiva que antecedem o comércio estruturado.

Paralelamente, o ouro foi entesourado por milênios principalmente por seu valor estético e simbólico em civilizações antigas, como egípcios e sumérios desde ~3000 a.C., demorando milênios para se tornar moeda cunhada na Lídia por volta de 640 a.C., ilustrando como bens com utilidade inicial não monetária pavimentam o caminho para funções econômicas, embora sujeitos a riscos de custódia física – um problema que o Bitcoin supera via auto-custódia criptográfica, reforçando sua utilidade simbólica de soberania inconfiscável.

Minha análise conecta esses paralelos ao Bitcoin: assim como contas ornamentais de Sungir sinalizavam status social em sociedades hunter-gatherer, o Bitcoin foi inicialmente “acumulado” por sua inovação tecnológica — resolvendo problemas de confiança digital — e apelo ideológico entre comunidades online, servindo como símbolo de resistência e identidade.

Esses exemplos históricos corroboram a tese de Menger de que bens com valor subjetivo, independentemente de forma física, pavimentam o caminho para funções monetárias, fornecendo uma base antropológica para a emergência do Bitcoin em uma era digital. Esses paralelos históricos ilustram como o Bitcoin, similarmente, inicia sua jornada como collectible digital.

Collectible Utilidade Não Monetária Paralelo com Bitcoin 

Pedras Rai de Yap

Simbólica em rituais e dotes, escassa por dificuldade de transporte

Escassez digital programada, papel comunitário em ideais libertários

Ouro antigo Estético e simbólico, status social Raridade matemática, soberania individual via auto-custódia

Contas de Sungir

Ritual e status em sociedades caçadoras-coletoras

Símbolo de resistência contra centralização, “hodling” como ritual

  1. O Bitcoin como Collectible Tecnológico com Utilidade Não Monetária 

Building on these historical parallels, o Bitcoin emergiu em 2009 em meio a uma economia global já precificada em moedas fiduciárias. Inicialmente atraiu atenção nos seus primeiros 18 meses como um collectible tecnológico entre cypherpunks e austrolibertários, valorizado por sua utilidade não monetária simbólica, social e ideológica.

Sua inovação reside na resolução de problemas digitais: escassez absoluta (evitando duplicação infinita), unicidade imutável via blockchain (registro distribuído que preserva integridade de dados), resistência à censura (posse soberana sem interferência) e privacidade no registro de dados (pseudonimato criptográfico contra vigilância — uso de chaves públicas/privadas para anonimato parcial).

Szabo (2002) descreve collectibles históricos — como conchas, contas de vidro e pedras Rai de Yap — valorizados por escassez, durabilidade e custo elevado sinalizando status social, servindo funções simbólicas e rituais em cerimônias, dotes e tributos para fomentar laços coletivos sem implicar troca econômica. As pedras Rai, imensas e imobilizadas, derivavam valor de rituais e prestígio comunitário.

O Bitcoin espelha esses atributos digitalmente: escassez programada (21 milhões de unidades com halvings — reduções periódicas na emissão), registros imutáveis distribuídos e antifalsificação criptográfica, criando um artefato único de raridade simbólica.

Ammous (2018) paraleliza o Bitcoin com esses ancestrais, onde o valor surge de papéis sociais — sinalizando ideais libertários ou protesto contra centralização. A privacidade cypherpunk amplifica seu apelo, alinhando-se à soberania de Rothbard via chaves privadas que protegem dados sensíveis, permitindo auto-custódia inconfiscável (Szabo, 2018), onde ativos permanecem inacessíveis sem a chave, mesmo pós-morte — uma inovação reforçando soberania simbólica.

O Proof of Work (PoW — mecanismo que exige esforço computacional para validar transações) cria equilíbrio de Nash (situação em que nenhum participante beneficia mudando estratégia unilateralmente), incentivando honestidade via custos energéticos.

Enquanto o modelo open-source fomenta contribuições globais e resiliência, legitimando-o como collectible libertário valorizado por rituais como “hodling” para compromisso ideológico.

  1. A Transição para Meio de Troca e Sound Money 

Conforme o teorema da regressão de Mises, um bem com utilidade inicial não monetária — simbólica, social e tecnológica, no caso do Bitcoin — pode ascender a meio de troca à medida que ganha aceitação ampla.

Embora transações nichadas anteriores existissem — como a venda de 5.050 BTC por US$5,02 em outubro de 2009 pelo desenvolvedor Martti Malmi (Sirius) para NewLibertyStandard, baseada no custo de mineração e registrada na blockchain (Malmi, 2014) —, a icônica transação de 10.000 BTC por duas pizzas em 22 de maio de 2010 (aproximadamente US$41, ou ~US$0.0041 por BTC) marcou sua primeira precificação real amplamente divulgada no mercado, ancorando seu valor a uma troca tangível e validando o teorema empiricamente após 18 meses de existência (Davidson & Block, 2015).

Szabo (2011) explica que o Bitcoin superou barreiras técnicas históricas — como a necessidade de confiança em emissores centrais, presente em tentativas anteriores como Bit Gold —, permitindo sua adoção gradual como meio de troca. Ele destaca que o delay na invenção do Bitcoin decorreu de mal-entendidos sobre a natureza do dinheiro e desafios criptográficos, resolvidos por Satoshi Nakamoto ao integrar proof-of-work em um sistema peer-to-peer bizantino-resiliente.

Ammous (2018) conceitua sound money como uma moeda com escassez inerente, imune à depreciação arbitrária imposta por bancos centrais, promovendo poupança de longo prazo e alocação eficiente de capital. O Bitcoin exemplifica isso com seu suprimento fixo, protegido pelo PoW, ecoando a crítica de Rothbard ao intervencionismo estatal e posicionando-o como um “ouro digital” — descentralizado, resistente à censura e globalmente acessível.

  1. Refutando Críticas: Utilidade Digital versus Física 

Críticos proeminentes, como Peter Schiff, contestam que o Bitcoin falha em satisfazer o teorema da regressão por carecer de “utilidade intrínseca” física, argumentando que o dinheiro deve derivar de bens tangíveis com valor inerente, como o ouro, cujo brilho ornamental precedeu sua monetização.

Schiff frequentemente destaca a escassez do Bitcoin como ilusória, comparando-a a ativos digitais replicáveis, e prevendo seu colapso para zero valor.

No entanto, Szabo (2002) contrapõe que a utilidade dos collectibles reside na vendabilidade e na percepção social, não em usos industriais; o ouro, por milênios, foi entesourado principalmente por valor estético e simbólico por civilizações antigas (como egípcios e sumérios, desde ~3000 a.C.), demorando milênios para se tornar moeda cunhada na Lídia por volta de 640 a.C. — um processo que Schiff subestima ao criticar o Bitcoin.

Davidson & Block (2015) reforçam essa refutação, demonstrando que a utilidade tecnológica do Bitcoin — sua capacidade de registrar dados únicos e privados em ambientes digitais hostis, resolvendo o problema bizantino via blockchain — constitui uma base não monetária simbólica e ideológica suficiente para o teorema de Mises.

Rothbard, por sua vez, enfatiza que o dinheiro emerge de escolhas de mercado livres, independentemente da materialidade. Szabo (2018) enquadra o Bitcoin como uma tradição revivida de moedas privadas, superando problemas de custódia histórica por meio de criptografia descentralizada, permitindo auto-custódia que torna o ativo inconfiscável sem a chave privada, uma vantagem ideológica sobre bens físicos como o ouro.

Minha síntese integra essas visões, validando o Bitcoin como um collectible digital robusto, cujo apelo austrolibertário transcende críticas materialistas e reforça a flexibilidade da teoria austríaca em contextos digitais.

  1. Hipermonetização Paradigmática 

Konrad S. Graf (2013, atualizado em 2015) cunha “hipermonetization” para descrever a adoção acelerada de um novo meio de troca em mercados hiperconectados, contrastando com processos históricos lentos.

O Bitcoin, como a primeira commodity escassa digitalmente nativa, exemplifica essa hipermonetização: sua portabilidade global e divisibilidade infinita permitem fluxos rápidos de valor, impulsionados pela internet. Szabo (2011) argumenta que o Bitcoin resolveu entraves seculares, como validação centralizada e vulnerabilidades de confiança, permitindo uma monetização mais veloz que a do ouro, que levou milênios.

O PoW e o ecossistema open-source asseguram segurança adaptável, alinhando harmonia de incentivos e alinhando-se à ordem espontânea de Hayek, onde moedas privadas podem eclipsar estatais. No entanto, como o ouro lidio, o Bitcoin pode demandar décadas para maturidade como unidade de conta plena, enfrentando volatilidade e barreiras regulatórias.

Minha análise propõe que o Bitcoin, ancorado nos princípios austríacos de escassez e ação humana, redefine a monetização, pavimentando para uma era de finanças descentralizadas.

Conclusão 

O Bitcoin valida o teorema da regressão de Mises ao emergir como um collectible tecnológico com profundo apelo austrolibertário. Ele se ancora em utilidade não monetária simbólica, social e ideológica, como demonstrado nos paralelos históricos. Assim, transita para sound money (Ammous, 2018) e torna-se emblema de hipermonetização (Graf, 2015) em uma economia digital.

Esta análise, elaborada por mim, funde a subjetividade valorativa de Menger, a regressão lógica de Mises, a soberania individual de Rothbard e a ordem espontânea de Hayek com as perspectivas de Szabo. Em “Shelling Out” (2002), ele descreve collectibles históricos valorizados por escassez, durabilidade e custo elevado. Eles sinalizam status social e servem funções simbólicas e rituais em cerimônias, dotes e tributos. Isso fomenta laços sociais sem implicar troca econômica.

Em “The Many Traditions of Non-Governmental Money” (2018), Szabo enquadra o Bitcoin como tradição revivida de moedas privadas. Ele supera problemas de custódia histórica por meio de criptografia descentralizada. Isso permite auto-custódia resistente a confisco.

Refutando objeções como as de Schiff, que negligenciam paralelos históricos com tais collectibles — incluindo o ouro, entesourado por milênios por seu valor estético e simbólico antes de funções monetárias — um processo que Schiff subestima ao criticar o Bitcoin e evidências empíricas (Davidson & Block, 2015), este ensaio entrelaça economia, antropologia e tecnologia.

Ele demonstra que o Bitcoin redefine a evolução monetária. Como commodity digital pioneira, ele encarna os ideais austríacos de liberdade, escassez e ação humana voluntária. Assim, sinaliza um paradigma transformador na era digital. Este ensaio é um convite para reavaliar o dinheiro não como instrumento de controle, mas como expressão da criatividade humana em mercados livres.

Bibliografia 

Ammous, S. (2018). The Bitcoin Standard: The Decentralized Alternative to Central Banking. Wiley.

Davidson, S., & Block, W. E. (2015). Bitcoin, the regression theorem, and the emergence of a new medium of exchange. Quarterly Journal of Austrian Economics, 18(3), 311-338.

d’Errico, F., & Backwell, L. (2003). Possible evidence of bone tool shaping by Swartkrans early hominids. Journal of Archaeological Science, 30(11), 1381-1394.

Graf, K. S. (2013, atualizado em 2015). On the origins of Bitcoin: Stages of monetary evolution. https://konradsgraf.com/blog1/2013/10/23/on-the-origins-of-money-carl-menger-on-bitcoin

Hayek, F. A. (1976). Denationalisation of Money: The Argument Refined. Institute of Economic Affairs.

Malmi, M. (2014). [Tweet about Bitcoin transaction]. Retrieved from

https://x.com/marttimalmi/status/423455561703624704

Menger, C. (1871). Grundsätze der Volkswirtschaftslehre [Principles of Economics]. Braumüller.

Mises, L. von. (1912). Theorie des Geldes und der Umlaufsmittel [The Theory of Money and Credit]. Gustav Fischer.

Rothbard, M. N. (1963). What Has Government Done to Our Money?. Pine Tree Press.

Szabo, N. (2002). Shelling Out: The Origins of Money. Nakamoto Institute. https://nakamotoinstitute.org/shelling-out/

Szabo, N. (2011). Bitcoin, what took ye so long? Unenumerated Blog.

https://unenumerated.blogspot.com/2011/05/bitcoin-what-took-ye-so-long.html

Szabo, N. (2016). Artifacts of Wealth. Unenumerated Blog.

https://unenumerated.blogspot.com/2016/12/artifacts-of-wealth.html

Szabo, N. (2018). The Many Traditions of Non-Governmental Money. Unenumerated Blog. https://unenumerated.blogspot.com/2018/12/the-many-traditions-of-non-governmental.html

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João Paulo Mayall

Como executivo C-level e empreendedor serial, ele cofundou a QR Capital, uma das principais gestoras de ativos digitais, onde lançou produtos pioneiros e totalmente regulamentados: QBTC11 (o primeiro ETF de Bitcoin da América Latina), QETH11 (o primeiro ETF de Ethereum das Américas), QDFI11 (o primeiro ETF de DeFi do mundo, lançado com capital semente e impulsionado por uma estratégia de Crypto Go-To-Market) e QSOL11 (o primeiro ETF de Solana do mundo). Ele inovou junto à CVM para criar o primeiro fundo 100% em criptoativos do Brasil sob a Instrução 555, liderou um sandbox que tokenizou mais de BRL 300 milhões em debêntures com a Vortx e desenvolveu a certificação CCA® em parceria com a ANCORD e a FGV. Além disso, prestou consultoria em Web3 para a ANBIMA e a FGV e liderou o maior curso de criptomoedas da B3 (Bolsa de Valores Brasileira) em 2021, com 27.000 participantes. Com mais de 18 anos de experiência em liderança, ele alcançou saídas bem-sucedidas com a QR Capital, PP3, Orlando City SC, Foxbit e SingularityNET. Com um MBA em Economia Comportamental pela ESPM, ele liderou projetos de branding para marcas globais como Banco do Brasil, Coca-Cola, Nestlé e Petrobras. Atualmente, está aberto a novas oportunidades para liderar iniciativas transformadoras e criar valor.

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Autor:
João Paulo Mayall