
Advogados indicam que as corretoras menores não devem conseguir atender exigências regulatórias (Reprodução)
A regulamentação do mercado de ativos virtuais, publicada pelo Banco Central nesta semana, promete mudar radicalmente o cenário das criptomoedas no Brasil. As Resoluções 519, 520 e 521, divulgadas em 10 de novembro, criam um marco regulatório para as Sociedades Prestadoras de Serviços de Ativos Virtuais (SPSAVs) — que incluem intermediárias, custodiantes e corretoras — e impõem regras relacionadas à segurança, governança e prevenção à lavagem de dinheiro.
De acordo com Thiago Amaral, sócio da área de Meios de Pagamento, Fintechs e Criptoativos do Barcellos Tucunduva Advogados (BTLAW), o conjunto de normas marca o início de uma fase de consolidação no mercado de criptoativos.
“A tendência é que vejamos um movimento de concentração, com a saída de empresas menores que não conseguirão atender às exigências regulatórias. Por outro lado, é um momento de grande oportunidade para quem souber se estruturar. O Banco Central está exigindo padrões muito mais altos de segurança cibernética, rastreabilidade e segregação de recursos“, afirma Amaral.
As novas regras tratam desde a estrutura de capital e governança das SPSAVs até a obrigatoriedade de testes de vulnerabilidade, segregação dos recursos dos clientes, e adoção de políticas internas robustas contra fraudes e lavagem de dinheiro.
A norma também exige autorização prévia do Banco Central para início de operação daquelas que começarem a operar a partir de fevereiro de 2026 e concede 270 dias de prazo para que empresas já atuantes se adequem e ingressem com o pedido de forma faseada.
“O Banco Central deixou claro que quer fiscalizar as PSAVs como fiscaliza outras instituições autorizadas. Elas passam agora a ter de seguir regras equivalentes às do sistema financeiro tradicional, adaptadas à realidade dos criptoativos“, explica Amaral.
“Quem ainda não começou a se organizar ainda está em tempo, mas o relógio já começou a correr. O BC foi criterioso, mas o processo de autorização é conhecido, seguindo um rito muito semelhante ao das instituições de pagamento. É possível se adequar, com planejamento e suporte jurídico adequado.”
Para Verônica Marins, advogada da área de Meios de Pagamento, Fintechs e Criptoativos do BTLAW, o objetivo da norma é claro: trazer estabilidade e transparência para um mercado que cresceu rapidamente e ainda operava em ambiente de incerteza.
“O regulador busca aumentar a confiança dos usuários e mitigar riscos. As novas exigências de capital mínimo, governança e controle operacional seguem o mesmo rigor aplicado às instituições de pagamento“, explica.
Ela destaca que as regras estabelecem que as SPSAVs devem atender aos requisitos mínimos de capital e de patrimônio previstos na regulamentação, ter no mínimo três diretores estatutários, sede física obrigatória (coworkings são vedados salvo para conglomerado) e segregação dos recursos dos clientes. “Essas exigências vão elevar o padrão do mercado, mas inevitavelmente também vão limitar a atuação de players menores“, complementa Marins.
Um dos efeitos imediatos da regulação será a expansão da demanda por soluções tecnológicas especializadas, principalmente nas áreas de segurança cibernética, prevenção à lavagem de dinheiro, governança digital e armazenamento em nuvem.
“O BC quer garantir que eventos de invasão e perdas de criptoativos não voltem a ocorrer. As SPSAVs terão de realizar testes periódicos de vulnerabilidade e adotar ferramentas de rastreabilidade mais sofisticadas — muitas delas ainda não disponíveis no mercado brasileiro“, afirma Amaral.
Segundo ele, essa iniciativa abre um enorme campo de atuação para empresas de tecnologia que prestam serviços de infraestrutura, cibersegurança, auditoria e compliance regulatório.
Outro ponto relevante é o tratamento das stablecoins, ativos digitais com paridade em moeda fiduciária, como dólar ou euro. A nova norma equipara o pagamento em stablecoin ao envio de remessa cambial, sujeitando-o às regras do mercado de câmbio.
“O Banco Central foi claro ao vedar a emissão de stablecoins lastreadas em commodities, como ouro, o que já é prática comum em outras jurisdições. Essa é uma escolha regulatória que busca reduzir o risco, mas que pode restringir parte do mercado“, explica Amaral.
Apesar das novas barreiras, os advogados do BTLAW avaliam que o faseamento das normas foi um sinal positivo do regulador.
Além disso, de acordo com o especialista, esse modelo traz mais segurança para o mercado, porque quem está comprando passa a ter acesso a informações detalhadas sobre o tipo de ativo virtual. “O modelo garante transparência e rastreabilidade, ou seja, o comprador sabe de onde veio o ativo, qual é o seu lastro e tem mais confiança na transação“, explica Thiago Amaral.
“O Banco Central deu tempo para adaptação e manteve a previsibilidade do processo. Quem se antecipar e buscar adequação técnica e jurídica agora, sairá na frente quando o mercado consolidar“, conclui.
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