CPI das pirâmides e os impactos no mercado de criptomoedas

Além das três novas proposituras, a CPI das “Pirâmides Financeiras” trouxe, em seu relatório de 509 páginas, recomendações aos reguladores. A questão é saber quais medidas de fato são necessárias para melhorar o campo regulatório.

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O Projeto de Lei nº 4.932/2023 trouxe mudanças pontuais como a segregação patrimonial entre os bens das empresas que negociam Ativos Digitais Criptografados e os bens de seus clientes. Por outro lado, a proibição de negociar derivativos sem autorização da CVM parece desnecessária.

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar fraudes com Ativos Digitais Criptografados e milhas aéreas rendeu quatro novos projetos de lei. Com exceção de um destes que trata diretamente de milhagem aérea, os demais são voltados para o mercado cripto.

Além das três novas proposituras, a CPI das “Pirâmides Financeiras” trouxe, em seu relatório de 509 páginas, recomendações aos reguladores. A questão é saber quais medidas de fato são necessárias para melhorar o campo regulatório.

Para tanto, foi preparada uma série de quatro artigos. Nesse primeiro texto serão abordados os principais pontos do Projeto de Lei nº 4.932/2023.

A Lei nº 14.478/2022, conhecida como “Marco Regulatório dos Criptoativos”, mal começou a vigorar. Sequer o Banco Central do Brasil (Bacen) estabeleceu a regulamentação da matéria e a previsão para isso está só para o final de 2024. No entanto, já há propostas de modificação sobre essa lei.

Proposta de mudança pós CPI

O PL nº 4.932/2023, fruto da CPI, visa estabelecer os requisitos para a autorização do funcionamento de “prestadores de serviços de ativos virtuais”. Dentre as mudanças trazidas por essa proposta, uma que já vem sendo requisitada pelo mercado: a segregação patrimonial.

Essa propositura sugere a inclusão de um novo artigo à Lei nº 14.478/2022. Nele consta que “os ativos virtuais e demais bens e direitos mantidos por cada usuário junto a prestador de serviços de ativos virtuais constituem patrimônio separado, que não se confunde com o do prestador de serviços de ativos virtuais”.

Como se não bastasse apenas isso, o dispositivo vai além e traz de forma quase que pormenorizada o porquê de haver essa necessidade.

Proteção aos Ativos Digitais Criptografados de clientes

Ao estabelecer que os Ativos Digitais Criptografados de clientes não se confundem com os pertencentes da empresa, nem precisaria explicitar as consequências da segregação patrimonial. Ainda assim, o projeto esclareceu que tais bens não respondem direta ou indiretamente por nenhuma obrigação do prestador de serviço de ativos virtuais.

Sendo assim, prossegue a redação elucidando que “não podem ser objeto de arresto, sequestro, busca e apreensão ou qualquer outro ato de constrição judicial em função de débitos de responsabilidade do prestador de serviço de ativos virtuais”.

O projeto menciona ainda que os ativos “não podem ser dados em garantia de débitos assumidos pelo prestador de serviço de ativos virtuais”.

O legislador teve a devida preocupação com os impactos que essa separação patrimonial pode acarretar de proteção aos usuários do serviço de determinada empresa em caso de recuperação judicial ou falência.

Sem a segregação patrimonial não haveria como o juízo saber o que é da empresa e o que pertence aos seus clientes. E em matéria de decretação de falência ou de deferimento do processamento da recuperação judicial, a situação fica mais séria.

O art. 6º, Inciso III, da Lei de Falências (Lei nº 11.101/2015) determina que é proibida qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência.

O pior de tudo é que o credor de Ativos Digitais Criptografados custodiados por empresas, sem a regra da separação patrimonial não teria garantia alguma sobre seus bens em caso de falência. Desta forma, eles se tornam credores quirografários e ficam no final da fila para receber, passando à frente apenas dos sócios da massa falida.

Antiga solução

É certo que o tema da segregação patrimonial já não é novidade alguma. Ele já constava no PL nº 4.401/2021 (substitutivo do PL nº 2.303/2015), mas foi retirado quando o projeto se converteu na Lei nº 14.478/2022.

No dia 03 de outubro desse ano, a senadora Soraya Thronicke (Podemos — MS) sugeriu um novo inciso no art. 4º da Lei 14.478/2022. A proposta é para que dele conste a “segregação patrimonial dos ativos virtuais de titularidade própria daqueles detidos por conta e ordem de terceiros”, como uma das diretrizes que as empresas que negociam/custodiam Ativos Digitais Criptografados devam seguir.

Essa propositura adveio de uma emenda feita no PL nº 3.706/2021 de autoria do senador Eduardo Braga (MDB — AM). Ela é muito mais sucinta do que aquela que adveio da CPI e também passa a impressão de ser mais branda.

O fato é que essa proposta do Senado dá uma margem maior de liberdade ao Bacen regulamentar acerca do tema. O art. 4º traz de forma clara que a “prestação de serviço de ativos virtuais deve observar as seguintes diretrizes, segundo parâmetros a serem estabelecidos pelo órgão ou pela entidade da Administração Pública federal definida em ato do Poder Executivo”. Em outros termos, o Banco Central do Brasil.

Já o outro projeto, contudo, preferiu trazer a regra da segregação patrimonial mais bem amarrada para o Bacen regulamentar.

Desnecessário

Apesar disso, o PL nº 4.932/2023 parece pecar pelo excesso. Apesar do esforço legislativo após a CPI das “Pirâmides Financeiras” e a busca para se evitar problemas, há pontos desnecessários. Esse é o caso da sugestão do Art. 7º- D a fim de constar que “é proibida a oferta ou a negociação de derivativos por prestadores de serviços de ativos virtuais sem a autorização da Comissão de Valores Mobiliários”.

Não há lógica alguma, portanto, para trazer essa regra pelo fato de isso estar estabelecido na Lei de Valores Mobiliários. O art. 2º, VIII, da Lei nº 6.385/1976 estabelece como valor mobiliário quaisquer derivativos independente dos ativos subjacentes e que para fazer a oferta pública de tais é necessário ter autorização da Comissão de Valores Mobiliários, nos termos do art. 19 da mesma lei.

O outro ponto é que a Lei 14.478/2022 deixou claro no parágrafo único do artigo 1º que não cabe à ela tratar de ativos representativos de valores mobiliários sujeitos ao regime da Lei nº 6.385/1976 (Lei de Valores Mobiliários).

Regulamentando pelo Bacen

A inflação legislativa pode mais atrapalhar do que auxiliar no desenvolvimento seguro do mercado. Sem contar que a regulação não deve se confundir com regulamentação.

No primeiro tem a regra geral que é pormenorizada e melhor trabalhada pelo órgão ou entidade da Administração Pública responsável por estabelecer as diretrizes para que a regulação possa de fato ter efeito em sua inteireza.

Quanto a esse ponto, o art. 7º-A do projeto de lei que adveio da CPI trava qualquer atuação do Banco Central do Brasil para estabelecer, por exemplo, a regulamentação que entenda mais pertinente. Isso porque somente as pessoas jurídicas constituídas no Brasil estarão entre as autorizadas para funcionar na prestação de serviços com Ativos Digitais Criptografados.

E, aqui já vem o primeiro problema. Tal condição não ocorre com bancos. A única limitação para as instituições financeiras brasileiras atuarem no Brasil é a autorização do presidente da República, nos termos do art. 18 da Lei 4.595/1964.

Assim, caso o projeto passe com essa redação, haverá mais empecilhos para uma instituição ofertar serviços em Ativos Digitais Criptografados do que para outros serviços como custódia de moeda fiduciária, por exemplo.

O dispositivo do art. 8º da Lei nº 14.478/2022, o qual afirma que as “instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil poderão prestar exclusivamente o serviço de ativos virtuais ou cumulá-lo com outras atividades, na forma da regulamentação a ser editada por órgão ou entidade da Administração Pública federal indicada em ato do Poder Executivo federal”, deverá ser lido com a seguinte ressalva “desde que as instituições sejam nacionais.

O excesso de rigor, portanto, pode trazer problemas para o mercado como um todo e um deles é o aumento do custo de compliance para empresas do setor cripto. Resta saber se isso é, de fato, necessário.

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Alexandre Antunes
Alexandre Antunes
Advogado e jornalista. Mestre em Direito Constitucional pelo PPGDC UFF. Pesquisador e professor visitante do Grupo de Pesquisa, Ensino e Extensão em Direito Administrativo Contemporâneo (GDAC).

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