CVM intima Unick Forex e dá 45 dias para empresa se defender por atuação irregular no Brasil

A Unick deverá apresentar sua defesa por escrito e o colegiado da CVM deverá julgar o mérito do processo. Em caso de condenação, serão aplicadas as penalidades previstas no art. 11 da Lei 6.385/76.

A Unick Forex, empresa investigada pela Polícia Civil e pelo Ministério Público por possível atuação como pirâmide financeira, foi intimada a apresentar defesa à CVM, a Comissão de Valores Mobiliários.

A empresa é acusada de emitir e distribuir valores mobiliários sem autorização da CVM, o que é obrigatório, segundo a Lei 6.385/76.

A intimação saiu no Diário Oficial da União no último dia 23 de maio e estabelece um prazo de 45 dias a partir da data de publicação para a apresentação da defesa. O processo administrativo sancionador aberto contra a Unick Forex é uma espécie de processo administrativo que deve ser instaurado previamente à aplicação de uma sanção.

“Apurar as responsabilidades de UNICK SOCIEDADE DE INVESTIMENTOS LTDA, LEIDIMAR BERNARDO LOPES, ALBERI PINHEIRO LOPES e FERNANDO MARQUES LUSVARGHI por infração ao que dispõem os arts. 16, I, e 19, caput, da Lei 6.385.”

PROCESSO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR CVM Nº RJ2019/03052
PROCESSO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR CVM Nº RJ2019/03052

Processo Administrativo Sancionador

Como explica o site da CVM, “o Processo Administrativo Sancionador (PAS) é derivado de uma investigação realizada por meio de processo administrativo de caráter investigatório. É elaborado em uma das áreas técnicas da CVM, para o qual tenham sido encontrados indícios de autoria e materialidade, relativa a alguma irregularidade ocorrida no âmbito do mercado de capitais resultando em acusação.

O processo que culminou em acusação passa, então, pelo rito processual de intimação, recebimento das defesas e sorteio do relator para julgamento pelo Colegiado da CVM, quando, em caso de condenação, serão aplicadas as penalidades previstas no art. 11 da Lei 6.385/76.”

Primeiro aviso da CVM foi em 2018

Como já divulgado pelo Livecoins, a CVM já havia emitido um Ato Declaratório, de número 16.169, proibindo a Unick de continuar trabalhando e alertando a sociedade sobre a atuação irregular da empresa.

O ato também estabeleceu multa diária de R$ 1.000,00 em caso de descumprimento. Como não cumpriu, em tese, em 29 de maio de 2019, data de publicação desta reportagem, a multa acumulada já seria de R$ 439 mil, sem contar os juros.

Já em 2019, a Comissão fez um novo alerta, no dia 25 de abril, sobre a atuação irregular da empresa. No comunicado, informou ainda que instaurou o Processo Administrativo Sancionador 19957.000238/2019-82, contra a Unick e seus sócios. É para responder a esse processo que a empresa foi intimada.

No Ato Declaratório, de 16 de março de 2018, a CVM é categórica na descrição das atividades da empresa:

  1. a) efetua a captação irregular de clientes para a realização de operações no denominado mercado Forex (Foreign Exchange);
    b) as operações realizadas no mercado Forex envolvem negociações com pares de moedas estrangeiras, revelando a existência de instrumentos financeiros por meio dos quais são transacionadas taxas de câmbio;
    c) as características acima referidas amoldam-se à definição de contrato derivativo e, por conseguinte, ao conceito legal de valor mobiliário, conforme disposto no inciso VIII do art. 2º da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976.

“Outro lado” da Unick Forex

Ainda em 2018, após o Ato Declaratório ser emitido, a Unick apresentou um pedido à CVM para que a Comissão se “retratasse” publicamente por ter publicado informações contra a empresa. O pedido foi rejeitado pelo colegiado da CVM em 27 de novembro passado.

No memorando que trata da decisão, disponível em PDF no site da CVM, consta documento divulgado pela Unick em que a empresa descreve seus serviços:

Atuamos no mercado de marketing de rede e operações financeiras desde outubro de 2013. […] Atuando on mercado de Forex, Trader e Moeda Digital, a Unick tem como prioridade efetuar operações com lucros reais para serem distribuídos entre seus parceiros colaboradores.

Os grifos no texto da empresa foram feitos pela própria CVM, de forma a mostrar que a Unick Forex atua, sim, com “operações financeiras” e oferece uma divisão de lucros com as pessoas que apostam na empresa.

Vídeo de defesa

Em um vídeo divulgado para responder aos comunicados da CVM, Marcos Prata, do jurídico da Unick Forex, afirmou que a empresa não é afetada pelo Ato Declaratório da CVM que, segundo ele, possui somente a função de “alertar”. Nas suas palavras, “se trata de um parecer, está entendendo? Que, por exemplo ‘empresa tal está proibida de fazer isso’”.

Ou seja, ele afirma que se trata de um parecer indicando que a Unick estaria proibida de fazer determinada ação. No caso, a ação de distribuir valores mobiliários.

E explica porque a decisão não faria sentido para a empresa: “[a Comissão] está alertando porque é atribuição da CVM, mas, como a Unick não atua no mercado mobiliário, no mercado cambial brasileiro…”. Ele não completa a frase no vídeo, mas faz com as mãos um sinal de que nada deve acontecer. O representante ainda afirma que, para fecharem a Unick, “só se fecharem a internet”.

Pagamento controverso

Como vimos, a Unick afirma que não atua como uma empresa de investimentos. Na verdade, pelo menos na capa do seu site unick.forex, ela se apresenta mais como uma consultoria. Confira no print abaixo:

Capa do site da Unick Forex

Agora, não é no mínimo curioso que uma empresa que afirma investir em ativos digitais use na capa de seu site a expressão “blockchain chamada criptomoeda”? Erro um tanto grosseiro para uma empresa que busca se posicionar de maneira séria no mercado.

Mas é no site unick-forex.tk que a empresa explica como os seus clientes ganham dinheiro. Já que a empresa se posiciona como um tipo de consultoria, os clientes não fazem um “investimento”, não guardam dinheiro nem nada disso. Na verdade, eles compram “pacotes de conhecimento”, termos que criamos pela falta de algo melhor. Tais pacotes podem custar de R$ 100 (o Start) a R$ 50 mil (o Embaixador).

O que cada pacote desses traz de tão especial para custar até R$ 50 mil, isso eles não explicam. Na verdade, ao fazer o cadastro na plataforma, o cliente descobre que há pacotes ainda maiores. Há um que se chama “Imperial”, pela bagatela de R$ 1 milhão.

É interessante notar, entretanto, que não se trata de um “pacote de conhecimento” que custa R$ 1 milhão. A plataforma mostra que, na verdade, comprar o “Imperial” é comprar 10.000 unidades do pacote “Start”, que custa R$ 100. Ou seja, 100 vezes 10.000 é igual a um milhão!

Uma pergunta que podemos fazer é: por que alguém compraria 10.000 unidades de um mesmo “pacote de conhecimento”, se se trata de 10.000 vezes o mesmo conteúdo?

Imagino que essa seja uma das perguntas que a CVM vá fazer à Unick Forex. Se não fizer, posso ficar decepcionado.

Sucesso garantido E seu dinheiro de volta

O real motivo de alguém comprar um pacote da empresa é o que eles chamam de “cashback”, ou seja, “dinheiro de volta”. Esse é o nome usado (atualmente) pela Unick Forex para os repasses mensais que faz para seus clientes.

Em resumo, eles dizem que o cliente compra um “pacote de conteúdo” e recebe, mês a mês, de brinde, uma porcentagem do valor que pagou.

Vale dizer que o cashback é um procedimento real no mundo do marketing. Ele se caracteriza pela ação de algumas empresas retornarem para o cliente parte do dinheiro que foi gasto na compra de algum produto.

Pode ser 5%, 10%, 20% ou até mais. Existem também plataformas que agregam várias empresas que oferecem cashback e, dessa forma, o consumidor é fidelizado e volta a comprar naquele conjunto de lojas. É algo bacana, com muitos casos interessantes no mercado.

Mas na Unick Forex não é bem assim.

O que a Unick oferece para seus clientes, embora ela chame de cashback, é algo um pouco diferente. Como você pode checar na imagem abaixo, extraída em 29 de maio de 2019 do site unick-forex.tk, ela oferece um “cashback” de 1,5% ao dia. Ou 33% ao mês. E afirma ainda que, em média, o capital do cliente dobrará “em seis meses”.

Vale observar que não se trata de juros compostos. Ou seja, você não recebe 1,5% ao dia em cima de 1,5% do sai de ontem. Trata-se de uma porcentagem simples que te dá direito a receber, em média, 33% de “cashback” ao mês.

Ou seja, parece que a Unick inventou um “cashback” com características bem peculiares. Vamos a elas:

  • Não devolve na hora a porcentagem do cliente. Ao contrário, devolve em porcentagens mensais, no caso, de 33% do investido.
  • Não devolve só uma parte do valor do produto comprado, mas um valor maior do que o do produto comprado!
  • Parece que se você continuar com o seu “pacote de conteúdo” comprado, você recebe cashback para sempre. Não encontrei no site nada que dissesse o contrário.

Como podemos perceber, o “cashback” da Unick Forex funciona de maneira muito semelhante a qualquer investimento. Com a diferença de oferecer retornos percentuais tão altos que quase nenhum outro investimento oferece.

Por exemplo, as mais famosas plataformas de trading ou arbitragem em funcionamento no Brasil têm entregado para seus clientes algo como 4% e 5% ao mês. E isso já é dezenas de vezes mais do que qualquer CDB ou título do Tesouro Direto, por exemplo, que têm rendido em torno de 7% e 8% ao ano.

Por tudo isso, a tendência é que a CVM encontre material para demonstrar que a Unick Forex pratica, sim, emissão e distribuição de valores mobiliários sem autorização.

Próximos rounds

Intimada, nas próximas semanas a Unick deverá apresentar sua defesa por escrito e o colegiado da CVM deverá julgar o mérito do processo, ou seja, determinar se a empresa está ou não “distribuindo valores mobiliários”.

Como vimos, a Unick responderá que só dá um “cashback” básico para seus clientes. Não seria participação em investimento, nem juros, nada disso.

A CVM tem poderes, depois do inquérito, de multar, suspender ou até cassar a autorização ou o registro de uma empresa. O caso é que, se Unick for mesmo enquadrada, ela não tem autorização para ser cassada, já que a falha dela é exatamente “não ter autorização”.

Por isso, a CVM deverá acionar o Ministério Público (MP), ação a que é obrigada quando a Comissão encontra indícios de crimes nos processos em que apura as irregularidades no mercado. Na verdade, a CVM já informou o MP sobre o processo instaurado, porém deve fazê-lo novamente, quando sair a decisão do colegiado.

O MP, por sua vez, pode investigar mais, por meio de um inquérito, ou rejeitar as informações da CVM como falhas, ou simplesmente avaliar as informações da CVM como suficientes e denunciar a Unick Forex à Justiça.

Neste caso, ainda que o jurídico da Unick tenha afirmado que a firma “fecha nunca”, a Justiça pode decidir o contrário. Não é possível precisar o tempo que todo esse processo deve levar.

Acusações de pirâmide

Como dito no começo da reportagem, a Unick Forex é alvo de investigação pelo MP de Novo Hamburgo pela suspeita de se tratar de uma pirâmide financeira.

Somente lembrando, uma pirâmide é uma empresa que oferece ganhos mirabolantes a seus clientes e usa de marketing multinível, ou seja, de um esquema de premiações para quem trouxer novos clientes, para ganhar mercado rapidamente. Casos famosos são os da Telex Free, das Fazendas Reunidas Boi Gordo e dos cupons de Ponzi.

Com sua oferta de rendimentos de 33% ao mês mais um esquema robusto de comissões para participantes, a Unick entrou na mira do MP. Para ser ter uma ideia, entre os prêmios dados para quem traz novos clientes, a empresa inclui relógios exclusivos, viagens para Porto de Galinhas, carros HB20x, bem como carros de luxo e até viagens para Dubai. A investigação ainda está em fase preliminar.

A Unick também teve um escritório seu fechado no interior do Rio Grande do Sul e, recentemente, seus representantes sofreram uma derrota na Justiça ao buscarem liberação para reabrir o local.

Como a Unick promete rendimentos em criptomoedas, o Livecoins está acompanhando o caso de perto em contato com as autoridades envolvidas.

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Sui Teixeira
Sui Teixeira
Sui Teixeira é jornalista desde 2001, formada pela USP. Trabalha ainda como produtora de jingles, é programadora amadora e entusiasta de ciência e tecnologia.

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