Desde o primeiro bloco do Bitcoin já era possível encontrar mensagens escondidas em sua Blockchain, com conteúdos que vão desde críticas ao modelo monetário tradicional até mensagens bíblicas, tributos e memes.
A inserção de dados pode ser feita através de algumas formas:
Coinbase
Coinbase se refere ao campo de entrada (input) das novas moedas geradas pela rede, as recompensas do minerador — apesar de ter uma corretora famosa no mercado que também leva esse nome.
Em uma transação comum, o campo de input é preenchido pelo endereço de quem envia as moedas. Neste campo, quem minerou o bloco pode introduzir uma mensagem de até 100 bytes. Geralmente, este espaço é usado pelas pools para deixar o nome de sua pool gravado.
Satoshi foi o primeiro a usar essa função no bloco gênesis ao citar a manchete do jornal britânico The Times sobre o ministro da fazenda britânico, do qual estava considerando um segundo resgate bilionário a bancos.
Tal mensagem gravada no primeiro bloco, de número 0 (zero) do Bitcoin, é uma crítica ao sistema monetário tradicional e também reforça os princípios da criptomoeda. Além disso, a manchete serve como prova de que tal bloco não foi minerado antes do dia 3 de janeiro daquele ano.
Onze anos mais tarde, a pool F2Pool reforçava a importância e os valores do Bitcoin ao gravar uma manchete do NYTimes, 9 de abril de 2020.
De modo geral, o registro noticiava a possível injeção de 2,3 trilhões de dólares pelo FED (banco central dos EUA).
Esta mensagem foi gravada no bloco 629.999, último bloco antes do 3º halving do Bitcoin, que, após o bloco 630.000, baixou a recompensa de mineração de 12,5 BTC para 6,25 BTC. Neste ponto, cerca de 87,5% de todos BTC já estavam minerados, restando apenas 12,5% para o futuro.
Enquanto isso o balanço patrimonial do FED subiu de 4,16 para 7,17 trilhões de dólares, quase dobrando suas reservas, em apenas 4 meses.
Como vemos, o Bitcoin foi na contramão dos EUA e outros países que, em 2020, imprimiram quantias exorbitantes de dinheiro para tentar salvar suas economias.
Mensagens bíblicas na rede Bitcoin
O Bitcoin também foi utilizado para armazenar mensagens bíblicas em inglês e latim por alguns mineradores em seus primeiros anos de existência.
Tal prática acabou gerando confusão tanto no IRC quanto no Bitcointalk, visto que alguns usuários reclamavam da pregação de determinada religião e outros também manifestaram chateação por precisar armazenar todas as transações em seus computadores.
O ponto de aborrecimento foi que, agora, também teriam que reservar espaço em seus HDs para assuntos não relacionados a moeda.
Endereços também já foram usados para criar enigmas
A prática de usar endereços falsos para inserir dados, como imagens ou textos, na Blockchain é uma prática bem comum. Um caso de uso bem famoso dessas inserções é o caso da Wikileaks.
Após rumores que Julian Assange estivesse capturado ou morto, a Wikileaks usou seu endereço para enviar BTC para 5 outros endereços falsos, escrevendo a mensagem “nós estamos bem, o post no 8chan é mentira“, em tradução livre.
O problema de gravar dados usando endereços falsos é que são custosos, já que cada endereço de saída tem um peso em bytes e o cálculo das taxas inclui este peso.
Cabe lembrar que os BTCs enviados para tais endereços são perdidos para sempre, a não ser que o usuário use um criador de endereços personalizados, chamado vanitygen, podendo ter acesso a essas moedas.
Imagens também podem ser gravadas no Bitcoin, mas não é nada barato
Outro método que utiliza endereços falsos é um pouco mais complexo e não é “visível” e fácil de ser feito.
Ele consiste em converter um texto em hexadecimal (hash160) e este em um endereço de Bitcoin, por exemplo, o texto KalashnikovLivecoins pode ser convertido em 4b616c6173686e696b6f764c697665636f696e73 e por fim no endereço 17saPUuZbx3yYkdPT4TgQe6hUY9khXTGnw que, apesar de ninguém possuir sua chave privada, é um endereço válido.
Através deste método, pessoas conseguiram inserir fotos na rede do Bitcoin.
Um exemplo famoso é a foto de Nelson Mandela (mostrada acima), ex-presidente da África do Sul e ganhador do Prêmio Nobel da Paz.
A imagem tem 14.400 bytes, sendo armazenada através de várias transações no bloco 273.536. Este bloco foi minerado em 7 de dezembro 2013, dois dias após a morte do Mandela.
De acordo com um estudo realizado por Andrew Sward, Ivy Vecna e Forrest Stonedahl, mais de 118 BTC foram queimados para armazenar 2,59 MB em dados — mais de 12 milhões de reais (na cotação atual) por cada 1 MB.
Métodos sofisticados
Visto que usar endereços falsos é custoso para armazenar arquivos grandes, outras soluções para guardar arquivos como fotos começaram a ser usadas.
Como exemplo temos o Data Drop que, mesmo precisando pagar taxas equivalentes ao peso dos dados escritos no script, não queima BTC.
A primeira imagem dessa solução é do Mr. Burns, da série Os Simpsons. Como vemos abaixo, ela contém um pouco de humor: no quadro na parede está escrito “Não esqueça: você está aqui para sempre“, em tradução livre, fazendo uma alusão a imutabilidade do Bitcoin.
A imagem pesa 34.600 bytes e foi paga uma taxa de 0.00790820 BTC (R$2.100 na conversão atual).
Outra imagem encontrada usando este método faz uma crítica às taxas e limitações da Western Union.
No quadrante da esquerda, há uma foto de marketing natalino da WU, mostrando que você poderia enviar dinheiro internacionalmente por uma taxa de 5 dólares, com um envio máximo de 50 dólares, para ser retirado dentro dos EUA.
Já no quadrante da direita, há uma comparação do modelo anterior com as transações do Bitcoin, que cobra $0,01 de taxa, é sem limite máximo, acontece 24h/7d e é global.
Nesta foto, por utilizar o método Data Hash, apenas 1 input foi utilizado, ao contrário da anterior que utilizou 25 com o método Data Drop.
OP_RETURN
Por fim, o método com melhor custo benefício e fácil de usar: o script OP_RETURN.
Ele foi criado em 2014 como alternativa ao uso de endereços falsos, permitindo que até 80 bytes sejam armazenados — inclusive a criação de colored coins, que podem ser usadas como tokens na blockchain do Bitcoin.
Foi usando este método que o USDT (Tether) surgiu; primeiramente, no Bitcoin. Depois, migrando para outras redes.
Além disso, outros usos podem ser feitos, como registrar documentos usando a Blockchain como prova de data, e até mesmo fazer um pedido de casamento:
Embora muitas pessoas acreditem que a Blockchain do Bitcoin deva ser usada única e exclusivamente para o registro de transações de BTC e que muitas dessas outras informações sejam irrelevantes, a inserção de dados não pode ser impedida.
Como a rede é descentralizada e, portanto, sem dono, o máximo a ser feito é melhorar as práticas para que ela continue saudável ao longo do tempo.