A Argentina mergulhou em uma crise política após o escândalo envolvendo a promoção da criptomoeda $LIBRA pelo presidente Javier Milei.
O caso começou com um simples tuíte presidencial incentivando uma memecoin suspeita, que rapidamente colapsou, perdendo 90% de valor e se transformou em um dos maiores escândalos de sua gestão, com acusações de fraude, pedidos de impeachment e investigações criminais sendo iniciadas.
Na noite de sexta-feira (14), Milei compartilhou nas redes sociais uma mensagem promocional sobre a criptomoeda $LIBRA, vinculando sua imagem à confiabilidade do ativo.
A publicação foi suficiente para provocar uma explosão no valor da criptomoeda, movimentando milhões de dólares em questão de minutos. No entanto, o entusiasmo logo deu lugar ao caos quando a $LIBRA colapsou abruptamente, deixando milhares de investidores em prejuízo.
O episódio rapidamente gerou desconfiança entre especialistas do setor financeiro e políticos da oposição, que começaram a questionar o envolvimento do presidente na promoção do ativo.
Com a repercussão negativa, Milei tentou se desvincular do caso, afirmando que sua publicação não deveria ser interpretada como um endosso oficial. No entanto, a essa altura, as acusações já haviam ganhado força.
Denúncia criminal e pedido de impeachment
Neste domingo (16), menos de 48 horas após a queda da $LIBRA, um grupo de advogados e economistas apresentou a primeira denúncia criminal contra Javier Milei.
O documento acusa o presidente de participação em um “megagolpe” financeiro e aponta sua possível ligação com uma associação criminosa que teria se beneficiado da valorização artificial da criptomoeda.
Entre os signatários da denúncia estão Jonatan Emanuel Baldiviezo, advogado fundador do Observatório do Direito à Cidade, Marcos Zelaya, advogado especializado em novas tecnologias, María Eva Koutsovitis, engenheira e ativista, e o economista Claudio Lozano, presidente da Unidade Popular.
Eles argumentam que Milei violou a Lei de Ética Pública ao utilizar sua posição para promover um ativo financeiro sem as devidas garantias, resultando em perdas estimadas em US$ 4 bilhões.
Além da denúncia criminal, o bloco oposicionista União pela Pátria, liderado por Germán Martínez, anunciou que entrará com um pedido de impeachment contra o presidente nos próximos dias.
Segundo Martínez, a situação representa um caso inédito na história do país, onde um chefe de Estado teria usado sua influência para impulsionar um esquema de pirâmide financeira.
Reações dentro e fora do governo
Aliados do presidente adotaram diferentes estratégias para lidar com a situação. O ministro da Economia, Luis Caputo, fez sua primeira aparição pública após o escândalo ao lado de Karina Milei, irmã do presidente, em um evento partidário de filiação à La Libertad Avanza.
Caputo evitou comentar diretamente o caso, mas sua presença foi interpretada como um gesto de apoio ao governo.
Já Florencia Arietto, senadora da base aliada, tentou minimizar o impacto da crise ao afirmar que Milei “é tão vítima quanto os investidores”, alegando que o presidente foi enganado por terceiros envolvidos na criação da $LIBRA.
Por outro lado, a Casa Rosada endureceu o discurso contra a oposição, acusando-a de usar o caso para tentar enfraquecer o governo.
O subsecretário de Imprensa, Javier Lanari, publicou uma mensagem nas redes sociais afirmando que “quanto mais tentam derrubar Milei, mais ele se fortalece”.
O escândalo também levou o próprio governo a acionar o Gabinete Anticorrupção para investigar possíveis responsabilidades dentro da administração pública.
Alejandro Melik, chefe do órgão, será o responsável por conduzir as apurações sobre a possível participação de Milei e de empresas envolvidas na iniciativa da $LIBRA.
O impacto na indústria cripto argentina também preocupa especialistas. Mariano Biocca, diretor executivo da Câmara Argentina de Fintech, afirmou que o episódio pode gerar desconfiança no setor e dificultar futuras iniciativas relacionadas à tecnologia blockchain no país.
Enquanto isso, o governo já busca formas de amenizar os danos. Entre as medidas cogitadas está a abertura de investigações contra as carteiras de criptomoedas que participaram da operação da $LIBRA, uma tentativa de transferir a responsabilidade para outros atores do mercado.
Criador da $LIBRA rompe o silêncio e diz ser assessor de Milei
Hayden Mark Davis, um dos criadores da $LIBRA, quebrou o silêncio neste domingo e afirmou ser assessor do presidente argentino.
Em um vídeo publicado nas redes sociais, Davis disse que “as coisas não saíram como planejado”, culpou o governo pela queda do ativo e anunciou que pretende injetar até US$ 100 milhões para tentar restaurar a liquidez da criptomoeda.
El seudoempresario y timador profesional, Hayden Mark Davis, niega las acusaciones de estafa relacionadas con el criptoactivo $LIBRA, que Javier Milei apoyó.pic.twitter.com/99p3TWMUOH https://t.co/la5SO71UjX
— Vloonk (@vloonk) February 16, 2025
Até poucas horas atrás, Hayden era um nome desconhecido do público argentino. O empresário norte-americano é o fundador da Kelsen Ventures e afirma ter se reunido com Milei em 30 de janeiro para discutir o desenvolvimento da tecnologia blockchain e inteligência artificial na Argentina.
Segundo Davis, ele tem atuado como assessor do governo na área de tokenização, um processo que transforma ativos digitais em unidades seguras para transações financeiras.
Em seu vídeo, Davis explicou que sua principal responsabilidade era garantir que a $LIBRA tivesse volume e liquidez suficientes para sustentar sua cotação, mas alegou que diversos fatores fugiram de seu controle.
Ele criticou duramente Milei e sua equipe por retirarem o apoio ao token após a repercussão negativa e afirmou que isso levou ao colapso da criptomoeda.
Segundo Davis, Milei inicialmente garantiu seu apoio público ao lançamento da $LIBRA, mas depois voltou atrás de forma inesperada, apagando publicações e se distanciando do projeto.
Ele também rejeitou a acusação de que o token teria sido um golpe, defendendo Julian Peh, fundador da KIP Network e principal patrocinador da criptomoeda.
Em uma tentativa de amenizar os danos, Davis anunciou que reinvestirá até US$ 100 milhões na $LIBRA para tentar restaurar a confiança dos investidores. Segundo ele, o dinheiro será usado para recomprar tokens e queimá-los, reduzindo a oferta e, potencialmente, elevando o preço.
No entanto, especialistas do setor cripto duvidam que essa ação será suficiente para recuperar o token, especialmente porque o mercado já demonstrou desconfiança sobre sua legitimidade.
Além disso, a maior parte dos prejuízos afetou investidores estrangeiros, principalmente dos Estados Unidos, China e Oriente Médio, e não há garantias de que o dinheiro será devolvido a eles.
A promessa de Davis levanta ainda mais dúvidas sobre o envolvimento de Milei no caso. Se o empresário realmente era assessor do presidente e organizou o lançamento da criptomoeda com a participação de membros do governo, a responsabilidade política do escândalo pode ser ainda maior do que se imaginava.
Maior crise do governo de Milei
O caso da $LIBRA chega em um momento delicado para a gestão Milei, que já enfrenta desafios econômicos e uma oposição cada vez mais agressiva.
Nos bastidores, políticos do PRO, partido fundado por Mauricio Macri, já se manifestaram contra o impeachment, argumentando que a oposição está usando o escândalo como pretexto para desestabilizar o governo.
Entretanto, a pressão política continua aumentando. O ex-prefeito de Buenos Aires, Aníbal Ibarra, criticou duramente Milei, afirmando que “se ele engana seus próprios seguidores, imagine o que faz com o resto da população”.
Dijo que prefería a la mafia antes que al Estado. Dijo que los que evadían y llevaban el dinero afuera eran héroes. No es para sorprenderse que engañe a sus seguidores promocionando una estafa.
— Aníbal Ibarra (@anibarra) February 16, 2025
O desdobramento da crise dependerá, em grande parte, das investigações em andamento e da reação da opinião pública.
Se as acusações contra Milei se fortalecerem, seu governo pode enfrentar um dos momentos mais críticos desde sua posse.