A Petro é uma criptomoeda que surge para garantir uma maior estabilidade à economia hoje em crise da Venezuela. Isso porque auxilia consideravelmente na diminuição da dependência financeira interna do país em relação ao dólar e aos constantes embargos norteamericanos às commodities venezuelanas, especialmente o petróleo. Agora, o que sustenta a manutenção da crise desse país? Quais as principais bases dessa criptomoeda que tem gerado tanta polêmica?
VENEZUELA EM DESENVOLVIMENTO
Desde metade do século XX, a Venezuela focou sua economia quase que inteiramente no seu grande volume de petróleo. Entre as décadas de 50 e 80, os salários e a renda per capita dos venezuelanos eram os mais altos da América Latina. Muito desse passado próspero teve relação com a restrição da oferta da matéria-prima em 1970, o que elevou consideravelmente o seu preço no mercado internacional.
Por conta do grande volume de petrodólares (dólares obtidos com a exportação do petróleo) negociados naquela época, a Venezuela se mantinha com fortes promessas de crescimento e desenvolvimento econômico. Essa riqueza levou o país a ser batizado de “Venezuela Saudita”: “Em contraste com o Brasil, a Argentina, o Uruguai e o Chile, que viviam ditaduras militares, a Venezuela era governada por presidentes eleitos pelo voto popular. O país já havia passado por golpes de Estado e ditaduras”[1].
Na presidência de Hugo Chaves, a Venezuela presenciou um aumento na qualidade de vida principalmente da população mais pobre, quando, desde o início dos anos 2000 até a primeira metade da década de 2010, houve uma grande melhora nos índices de analfabetismo, de saúde, de pobreza, e do avanço econômico e social do país.
OS ESTADOS UNIDOS E A VENEZUELA EM QUEDA
Chaves, por outro lado, era um forte crítico dos Estados Unidos, inclusive partindo para o ataque pessoal contra membros do governo americano. Os Governos norteamericanos e seus aliados começaram a impor sanções internacionais e embargos econômicos contra a Venezuela. Nicolás Maduro, eleito em 2013, além de enfrentar alta taxa de inflação e grande escassez de bens, herdados do governo anterior – fruto da queda dos preços do petróleo – de USD 110,53, em 2013, para USD 57,49, em 2016, e do boicote externo –, se deparou também com o então Presidente dos Estados Unidos Barack Obama, em 2015, assinando um decreto presidencial pelo qual declara a Venezuela “ameaça à segurança nacional”, além de impor sanções contra representantes venezuelanos.
Mais recentemente, em agosto de 2017, Donald Trump impôs novas sanções à Venezuela com a intenção de “reestabelecer a democracia” no país sul-americano. Disse um comunicado da Casa Branca que “a nova medida do presidente proíbe realizar transações com títulos da dívida venezuelana e comprar bônus de sua empresa estatal petroleira (PDVSA)”[2]. Vale dizer que, com a exportação de petróleo, a Venezuela arrecada US$ 96 de cada US$ 100 em divisas, sendo que a necessidade de importar alimentos, medicamentos e bens de primeira necessidade, depende muito do desempenho do petróleo no exterior[3]. Além disso, novamente em 2018 mais uma série de medidas de embargo e restrição foram impostas à Venezuela pelos Estados Unidos, acusando o país de violações de direitos humanos e de não respeito à democracia.
O PETRO E A BUSCA VENEZUELANA POR AUTONOMIA
No início de 2018, o Governo venezuelano emitiu, em fase de pré-venda, a criptomoeda Petro, que, ao contrário das outras criptomoedas existentes, é baseada num controle estatal. Em 1º de outubro, começou a funcionar oficialmente como moeda de câmbio. Afinal, um plano de recuperação para uma Venezuela em crise. Antes mesmo de sua pré-venda, Donald Trump emitiu um decreto contra a Petro, proibindo a sua compra por qualquer empresa ou pessoa no seu país.
Em janeiro de 2019, o governo da Venezuela anunciou a criação de um programa habitacional através do uso da Petro, buscando meios de encorajar seus cidadãos a comprarem propriedades com essa criptomoeda. Segundo Ildemaro Villarroel, ministro de Habitação da Venezuela, “já existem imóveis atualmente disponíveis no esquema da Grande Missão Habitacional do país. Para estimular sua aquisição via Petro, o governo dará desconto de 10% em todas as propriedades que forem compradas usando a criptomoeda”[4].
No Whitepaper[5], o país divulgou como lastro da Petro na primeira venda o preço do barril de petróleo, do ouro, do ferro e do diamante, segundo estabelecido no Decreto 3.196, publicado na Gaceta Oficial 6.346/2017[6]. O petróleo, ademais, continua a ser o principal recurso de respaldo do valor da moeda, representando 50% do valor total. No restante das vendas, o valor da Petro deve estar definido somente conforme o valor do barril de petróleo. `
Além disso, como diz o site CanalTech, a Petro se torna a unidade contábil obrigatória para a PDVSA (Petróleos da Venezuela), a maior empresa estatal do país[7], e também deve ser usada para facilitar negociações internacionais e burlar sanções impostas por outros países, apontadas por Maduro como umas das principais causas da atual crise econômica.
A SUNACRIP (Superintendencia Nacional de Criptoactivos y Actividades Conexas) e a TCV (Tesorería de Criptoactivos de Venezuela) conservam 51% das emissões, sem transação e comercialização, com 49% disponíveis ao público para compra através do site da TCV ou das Casas de Câmbio autorizadas pelo Governo venezuelano.
Conforme exposta no Whitepaper, a proposta da Petro é ambiciosa. Na parte em que se discorre sobre sua utilização, afirma-se que a Petro promoverá o intercâmbio comercial entre pessoas naturais em nível mundial, permitindo suprir o intercâmbio através da moeda física[8].
PETRO E SEUS USOS
Em resumo, o Whitepaper informa que essa moeda pode ser usada das seguintes maneiras:
(a) é a moeda digital para compra de commodities venezuelanos, assim como de todos seus processados (produto final);
(b) compra de bens e serviços de uso particular em todo o território nacional e internacional;
(c) pagamento de impostos e serviços públicos;
(d) é proposto como um novo sistema de envio de remessas por meio da plataforma;
(e) busca chegar a toda população sem banco, oferecendo novas soluções, impossíveis dentro do sistema financeiro tradicional;
(f) a Petro conta com um sistema integral e robusto que garante sua livre transação e liquidez, deste modo permite gerar confiança nos usuários e investidores.
Para impulsionar a utilização da Petro, e também para reduzir o trânsito de bolívares (moeda física corrente oficial), em dezembro de 2019, Nicolás Maduro assinou o Decreto 3.719, obrigando, àqueles que realizem operações em moeda estrangeira ou em qualquer criptomoeda, no território venezuelano, que paguem os tributos devidos nas respectivas moedas operadas.
Conforme diz o documento oficial, tal Decreto é assinado considerando “que o povo venezuelano enfrenta atualmente uma feroz guerra travada por fatores internos e externos que perseguem a deterioração da economia, por isso é necessário adotar medidas suficientes para assegurar o fortalecimento do atual regime fiscal”.
PETRO: FUTURO INDETERMINADO
Difícil prever o futuro da Petro. O Governo venezuelano tem demonstrado grande instabilidade nesse momento de crise, constantemente surgindo na mídia novidades em relação à criptomoeda estatal. Sua recepção pelo mercado internacional, conforme já era esperado, não foi das melhores, ainda mais diante do reconhecimento, em Davos (23/01/2019), pelo Brasil, Estados Unidos e mais 10 países, de Juan Guaidó, opositor declarado de Maduro, como presidente interino da Venezuela.
Só nos resta aguardar e torcer que a crise humanitária da Venezuela chegue a um fim, com a Petro ou sem ela.
[1] ROCHA, Luciano. Governo da Venezuela estimula cidadãos a comprarem propriedades usando o Petro. CriptomoedasFácil. 18 jan. 2019. Disponível em https://www.criptomoedasfacil.com/governo-da-venezuela-estimula-cidadaos-a-comprarem-propriedades-usando-o-petro/ Acesso em 18 fev. 2019.
[2] O Whitepaper contem regras da blockchain que está sendo criada, detalhamento de sua tecnologia, regulamentos e etc,
[3] SUNACRIP. Petro. Hacia la Revolución Digital Económica. Disponível em: https://www.petro.gob.ve/descargas/Petro_whitepaper.pdf Acesso em 18 fev. 2019.
[4] DEMARTINI, Felipe. Criptomoeda venezuelana valerá como segundo câmbio oficial do país. Canaltech. 14 ago. 2018. Disponível em https://canaltech.com.br/criptomoedas/criptomoeda-venezuelana-valera-como-segundo-cambio-oficial-do-pais-120188/ Acesso em 18 fev. 2019.
[5] SUNACRIP. Petro. Hacia la Revolución Digital Económica. Disponível em: https://www.petro.gob.ve/descargas/Petro_whitepaper.pdf Acesso em 18 fev. 2019.
[6] MARCO, Daniel G. Quais as consequências das sanções dos EUA para a economia da Venezuela? BBC. 26 ago. 2017. Disponível em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-41060655 Acesso em 18 fev. 2019.
[7] Cf. MARCO, Daniel G. Quais as consequências das sanções dos EUA para a economia da Venezuela? BBC. 26 ago. 2017. Disponível em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-41060655 Acesso em 18 fev. 2019.
[8] CARMO, Marcia. Crise na Venezuela: como gastança de petrodólares ajudou a afundar o país que já teve ‘sucursal do céu’. BBC. 20 dez. 2018. Disponível em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-46630891 Acesso em 18 fev. 2019.