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Stablecoins: riscos, fragilidades e desafios regulatórios

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As stablecoins, projetadas para oferecer estabilidade em um mercado notoriamente volátil, emergiram como pilares centrais do ecossistema de ativos virtuais e, progressivamente, consolidam seu espaço no sistema financeiro tradicional.

Longe de serem apenas instrumentos auxiliares, as stablecoins tornaram-se amplamente utilizadas em transações cotidianas, estratégias de preservação de valor e operações internacionais.

No Brasil, esse movimento é especialmente relevante: a crescente adoção de stablecoins vinculadas ao dólar norte-americano tem sido impulsionada pela busca por acesso facilitado à moeda, pela necessidade de proteção cambial e pela tentativa de mitigar os efeitos da inflação sobre o poder de compra local.

Ocorre que, o crescimento das stablecoins e sua importância crescente no ecossistema financeiro digital também ampliam os riscos associados a esses ativos.

À medida que se tornam elementos estruturais para a provisão de liquidez e movimentação de valores, aumentam proporcionalmente os pontos de fragilidade que exigem atenção e gerenciamento adequados, sob pena de desencadear riscos sistêmicos e facilitar a exploração de vulnerabilidades inerentes ao seu funcionamento.

Todo o ecossistema de ativos virtuais, seja o ambiente DeFi, seja o setor centralizado, é atualmente profundamente dependente das stablecoins para a provisão de liquidez.

Protocolos que movimentam valores vultuosos diariamente mantêm consideráveis volumes destes ativos em seus cofres, o que os torna particularmente sensíveis a eventos de desindexação ou falhas operacionais. A história recente ilustra tais riscos: o colapso da stablecoin algorítmica UST, do ecossistema Terra Luna, provocou liquidações em cascata e gerou um choque de confiança em todo o setor, com efeitos colaterais sentidos até mesmo em plataformas consideradas robustas.

Stablecoins centralizadas estão expostas a riscos de custódia e dependência extrema dos emissores, que podem, por decisões unilaterais, congelar fundos, impor restrições ao resgate ou mesmo enfrentar desafios de liquidez em situações extraordinárias. Ademais, tais emissores frequentemente necessitam se readequar a mudanças legislativas e tributárias em diferentes jurisdições, o que pode acarretar bloqueios, limitações operacionais regionais, imposição de novas obrigações fiscais ou até mesmo a suspensão de serviços para determinados usuários.

Stablecoins descentralizadas, por outro lado, estão sujeitas a riscos estruturais ligados à própria tecnologia que as sustenta. Falhas no código, vulnerabilidades em mecanismos que conectam os contratos à realidade externa — como as cotações de preço — e estratégias sofisticadas que exploram brechas em operações automatizadas podem comprometer a estabilidade do ativo. Essas fragilidades podem levar a perdas financeiras abruptas, desvinculação do valor de referência e, em casos extremos, à perda total de funcionalidade da própria stablecoin.

Além dos riscos específicos de custódia, liquidez e falhas operacionais, as stablecoins também apresentam riscos sistêmicos que não podem ser negligenciados, especialmente diante da crescente interconexão entre o mercado de ativos virtuais e o sistema financeiro tradicional.

O risco de contágio se intensifica à medida que instituições financeiras convencionais — como bancos e fundos de investimento — passam a deter exposições relevantes a stablecoins, seja por meio de investimentos diretos, seja por participação em estruturas que dependem desses ativos para liquidação ou alavancagem. Nessas circunstâncias, eventos de desindexação ou perda de lastro podem forçar liquidações abruptas e gerar impactos imediatos sobre a capacidade dessas instituições de atender a seus clientes tradicionais, além de comprometer sua própria solvência operacional. Um incidente que, à primeira vista, pareceria restrito ao universo cripto pode, portanto, irradiar-se rapidamente para o sistema financeiro clássico, evidenciando a interdependência cada vez mais profunda entre esses dois ambientes.

Além dos riscos operacionais e sistêmicos, a maior adoção das stablecoins também passou a chamar a atenção de governos e reguladores ao redor do mundo.

Hoje, as stablecoins ocupam posição central no escrutínio regulatório internacional, não apenas em razão de seu impacto sobre os fluxos financeiros globais, mas sobretudo pelo papel que desempenham como facilitadoras de práticas de evasão de tributos, sanções econômicas e fuga de capitais. Sua natureza pseudônima, combinada à estabilidade e à facilidade de circulação transfronteiriça, confere a esses ativos particular atratividade para agentes que buscam movimentar recursos à margem do sistema bancário tradicional.

Esse fenômeno tem exacerbado tensões geopolíticas e motivado respostas legislativas cada vez mais incisivas por parte de diferentes jurisdições, que buscam limitar ou controlar o uso de stablecoins em determinados contextos sensíveis.

O uso de stablecoins por criminosos e organizações dedicadas à lavagem de dinheiro acentua tais preocupações. Segundo o Crypto Crime Report da Chainalysis de 2025, as stablecoins já representam 63% de todas as transações ilícitas no mercado de criptoativos, consolidando-se como ferramenta relevante para movimentações de origem criminosa.

Contudo, é importante destacar que os emissores têm se mostrado ativos no combate a esses abusos. A Tether, por exemplo, possui histórico relevante de congelamento de fundos em endereços vinculados a golpes, financiamento ao terrorismo e evasão de sanções. Apesar desses avanços, o volume absoluto de atividades criminosas envolvendo stablecoins ainda permanece expressivo, exigindo vigilância constante por parte de emissores, plataformas e órgãos de controle.

Outro aspecto fundamental reside no impacto das stablecoins sobre o mercado cambial e os fluxos internacionais de capitais. Ao permitirem transferências instantâneas de valor em escala global, as stablecoins oferecem um meio eficiente para facilitar o comércio internacional e transações financeiras transfronteiriças, mas também criam desafios para as autoridades monetárias na supervisão e controle do fluxo de divisas, especialmente em economias emergentes, onde a fuga de capitais pode adquirir dimensões significativas.

Importa salientar que as vulnerabilidades não devem ser interpretadas como uma condenação à utilização das stablecoins. Trata-se de riscos inerentes à própria natureza e arquitetura desses ativos, assim como se reconhece, por exemplo, que o Bitcoin apresenta volatilidade acentuada, tempos de confirmação mais lentos e restrições de escalabilidade sem que, por isso, se questione a legitimidade ou a relevância do protocolo. Da mesma forma, deve-se compreender que as stablecoins, sejam elas centralizadas ou descentralizadas, carregam consigo fragilidades estruturais que precisam ser conhecidas, monitoradas e geridas, e não simplesmente reprimidas ou descartadas.

Esses ativos cumprem papel relevante na promoção de liquidez, eficiência transacional e ampliação do acesso financeiro. O reconhecimento dos riscos operacionais e sistêmicos que lhes são inerentes deve servir como um convite à implementação de boas práticas e, ainda, como um importante ponto de observação para nortear a evolução e consolidação do marco regulatório brasileiro.

Neste contexto, as stablecoins assumem uma posição central no debate regulatório sobre o mercado de ativos virtuais, tanto no Brasil quanto no exterior. A sua relevância estratégica, somada aos riscos específicos que apresentam, tem motivado propostas legislativas e esforços regulatórios voltados à criação de parâmetros específicos para emissão, circulação e monitoramento desses ativos, destacando-as como prioridade absoluta nas agendas das autoridades globais.

Diante desse cenário, é imperativo que o debate regulatório avance para além das soluções simplistas ou excessivamente restritivas. As stablecoins impõem um desafio estrutural inédito, exigindo a construção de marcos normativos que, ao mesmo tempo, sejam capazes de mitigar seus riscos sistêmicos, combater usos ilícitos e, sobretudo, enfrentar as vulnerabilidades operacionais e tecnológicas que podem, silenciosamente, minar a segurança do ecossistema cripto sem que sequer sejam percebidas pelos reguladores brasileiros. O objetivo não é reprimir ou desincentivar as stablecoins, mas compreender suas complexidades e tratá-las com a sofisticação regulatória e técnica que seu impacto exige.

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Pedro Torres

Pedro Torres é advogado especializado em Blockchain e Criptoativos. Mestre em Blockchain e Moedas Digitais pela Universidade de Nicósia (Chipre), ele atua como Investigador Forense de Criptoativos, certificado pelo McAfee Institute (EUA) e pela Chainalysis (EUA). Sua expertise abrange o Direito dos Criptoativos e Blockchain, com especialização pela Escola da Magistratura Federal do Paraná (ESMAFE) e pela Escola da Magistratura Estadual do Paraná (EMAP). Além disso, é Conselheiro do Conselho de Ativos Digitais e Blockchain da Associação Comercial do Paraná e membro de organizações de destaque como a Crypto Valley Association (Suíça) e o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Pedro também integra a Comissão Especial de Inovação e Tecnologia da OAB/SP, refletindo seu papel ativo na inovação jurídica.

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