Desde que assumiu a Presidência da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) em 2022, Carlos Baigorri tem destacado a importância do papel da Agência no combate às fake news.
Em um projeto bastante inovador que envolve a Web 3.0, a Anatel estuda em parceria com a UFG sobre o uso da tecnologia blockchain para identificação de fake news.
Em entrevista exclusiva ao Livecoins, Carlos Baigorri explica sobre o papel do órgão regulador e dos benefícios do blockchain e da Web 3.0 para a sociedade brasileira.
O tema de fake news e censura da internet são bastante sensíveis, principalmente após as eleições presidenciais do ano passado. Você pode comentar sobre a importância desse projeto para a sociedade brasileira e o setor público? Como o blockchain vai ajudar na identificação de fake news e como a sociedade irá sair ganhando com isso?
Oi Marcello, obrigado pela pergunta. De fato a Anatel tem uma parceria com a Universidade Federal do Goiás para desenvolvimento de uma pesquisa acadêmica sobre web 3.0 sob liderança do Professor Eliomar Araújo de Lima. Como se sabe, o blockchain é um dos pilares da web 3.0 e no contexto da pesquisa foi identificada uma oportunidade para estudar o uso de algoritmos de geração de consenso descentralizado para identificação de conteúdos específicos nas redes sociais, como fake News, discurso de ódio e outros tipos indesejados de conteúdos.
Vejo como de suma importância essa pesquisa, pois depois dos atos de 8 de janeiro e dos atentados em escolas, ambos articulados no ambiente digital e em plataformas de redes sociais, a sociedade brasileira tem demandado uma resposta do poder público sobre a disseminação desse tipo de material lesivo ao tecido social do nosso país.
Entretanto, quando se discute regulação estatal de fake News e discurso de ódio, inevitavelmente nos deparamos com um dilema entre liberdade de expressão e disseminação de mentiras e violência. No nosso entendimento esse dilema existe, pois se pressupõe que essa definição do que é fake News ou discurso de ódio seria feito por uma autoridade central, que inevitavelmente se tornaria o censor oficial ou o dono da verdade. Esse tipo de estrutura decisória centralizada traz de fato um grande risco para nossa sociedade.
Por outro lado, entendemos que podemos sair desse dilema insolúvel por meio de uso da tecnologia de algoritmos de geração de consenso descentralizado, que é a base do blockchain e das criptomoedas. Dessa forma, a identificação de conteúdos lesivos não seria feita por uma autoridade central, mas por uma comunidade aberta e plural, que por meio do uso desses algoritmos, como Proof of Work (PoW) ou Proof of Stake (PoS), sinalizaria para as plataformas digitais e para o regulador.
No caso específico, usando como referências Sengupta et al (2021) e Torky et al (2019), a pesquisa sendo desenvolvida pela equipe do Professor Eliomar irá desenvolver nos próximos 12 meses uma prova de conceito dessa solução, muito provavelmente usando PoS e tendo uma rede inicial de fact checkers como os membros dessa comunidade de validadores. A nossa ideia é ter nosso produto mínimo viável operacional nas próximas eleições municipais, e para isso já iniciamos conversas com o TSE e estamos elaborando um acordo de cooperação técnica com o Tribunal.
Com essa solução nós entendemos que a sociedade brasileira vai se beneficiar com um ambiente digital menos poluído, ao mesmo tempo em que se afasta o risco de censura na internet. Com uma comunidade aberta a diversos validadores teremos uma solução multistakeholder de fato, sem igual no Brasil.
Já existe algum critério para definir como alguém pode se tornar um validador de notícias? Como impedir que esse os validadores sejam controlados por um terceiro de má-fé que deseja impedir certas notícias de circularem? Como garantir que um membro da comunidade não controle a comunidade toda?
Nesse momento ainda não foram definidos critérios para entrar na comunidade, mas certamente precisa ser uma comunidade ampla, aberta e plural, para garantir justamente a diversidade de visões e minimizar o controle dos stakes em poucos membros da comunidade.
O papel do regulador nesse contexto é justamente acompanhar o desenvolvimento da comunidade, definir critérios de entrada, de punição no caso de abusos e também evitar uma concentração dos stakes. Essa preocupação é equivalente ao ataque de 51% no algoritmo PoW. Se um único agente tiver mais de 50% dos stakes, esse se torna o “dono da verdade” e pode classificar individualmente todos conteúdos.
Nosso papel será justamente de garantir que esse tipo de abuso não aconteça. Ao mesmo tempo é preciso garantir os incentivos e punições, para que todos os membros da comunidade atuem de boa-fé.
Todo esse desenho de regras da comunidade e de incentivos para classificação de conteúdos ainda está em estudo pela UFG e serão amplamente debatidos com a sociedade em consultas e audiências públicas.
Mas o ponto fundamental aqui é perceber que esse tipo de solução, além de sair do dilema que mencionei no começo da entrevista, traz uma remuneração para o jornalismo de qualidade, tornando essa atividade mais atrativa e consequentemente aumentando a rede de fact checkers.
A parceria com a UFG pode ser ampliada para outros temas além deste? Há conversas com outras faculdades para elaboração de mais projetos na área?
A parceria com a UFG iniciou-se com pesquisa em web 3.0, que já é um tema bastante amplo, mas com certeza, se identificarmos outras ramificações do tema que seja pertinente o aprofundamento, podemos ampliar essa parceria.
Quais as redes avaliadas para criar soluções contra fake news? (Ethereum,Polygon, etc?)
Não tenho essa informação ainda, mas certamente o Ethereum é uma referência, especialmente após a entrada da versão 2.0, que se destaca pelo uso dos algoritmos PoS e não mais o PoW.
A Anatel pretende realizar mais pesquisas envolvendo blockchain no futuro?
Nesse momento nosso foco é nesse projeto de fake News, mas nosso DNA tecnológico nos faz sempre ficarmos atentos ao uso de novas tecnologias para resolver os problemas do setor e melhorar a prestação do serviço público para todos os cidadãos.
O Tribunal de Contas da União (TCU) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) lançaram em 2022 a Rede Blockchain Brasil. A rede pública, sem fins lucrativos, já funciona em caráter experimental. A Anatel já conversou com a Rede Blockchain Brasil sobre alguma aplicação especifica?
Boa ideia, Marcello. Não me recordava dessa importante iniciativa do TCU e do BNDES. Certamente vamos interagir com eles e vermos se há alguma sinergia entre ambas iniciativas.