Binance Brasil
O Banco Central do Brasil (Bacen) autorizou a Binance a operar no país, mediante licença, após a Exchange adquirir a Sim; Paul – uma corretora de Porto Alegre (RS).
Com isso, o maior balcão de Ativos Digitais Criptografados do mundo tornou-se apto a atuar, no mercado brasileiro, como uma entidade nacional. O fato aconteceu em 02 de janeiro deste ano, mas as repercussões regulatórias e tributárias devem suceder no decorrer deste ano.
Porém, ao tornar-se “brasileira”, a responsabilidade declaratória, constante na IN n° 1.888/2019, passa a ser da Binance. Assim, os usuários brasileiros ficam desobrigados de preencher a declaração mensal, pois a própria corretora reportará as operações.
Com a “nacionalização” da Binance, a obrigação acessória tributária de declarar informações à SRF trazida pela IN nº 1.888/2019, passa a ser da própria Exchange.
Isso dificultará sonegação de informações sobre todas as transações sucedidas por meio desta corretora transnacional, uma vez que a pessoa física ou jurídica que deixar de fazer a Declaração de imposto de Renda Anual passa a correr maior de cair na “malha fina” do fisco em um eventual cruzamento de dados.
Vale considerar que, caso a pessoa consiga auferir ganhos de capital (lucros) em transações com Bitcoin, Ether, BNB e outros, encontrará dificuldades para esconder tais ganhos.
O fato é que, nas informações prestadas pela Exchange, constam os valores de cada transação. Todo esse acervo informacional de operações é, consequentemente, ligado aos respectivos CPFs e/ou CNPJs, nos termos do art.7º, inciso I e parágrafo 1º, incisos I e IV, da IN nº1.888/2019 da Receita Federal.
Caso o valor mensal total de alienações (vendas) com Ativos Digitais Criptografados ultrapasse o teto de R$ 35 mil, haverá incidência tributária de Imposto de Renda sobre o “lucro” (ganho de capital).
No caso em que as informações já foram prestadas pela Exchange, a Receita Federal tem maior facilidade em cruzar os dados. Se a pessoa, portanto, lucrou qualquer centavo em alienações totais mensais superiores ao valor de R$ 35 mil, não haverá escapatória. A Receita Federal chegou até mesmo a se manifestar sobre essa obrigação:
“Os ganhos de criptoativos, cujo total alienado no mês seja superior a R$ 35.000,00, são tributados, a título de ganho de capital, de acordo com alíquotas progressivas estabelecidas em função do lucro. O recolhimento do imposto sobre a renda deve ser feito até o último dia útil do mês seguinte ao da transação, no código de receita 4600”.
A Receita Federal usou o termo “recolhimento do imposto sobre a renda”. As palavras escolhidas, contudo, não foram as melhores, causando confusão aos contribuintes.
Cabe esclarecer que o termo “recolhimento”, neste contexto, não deve se confundir com a Declaração do Ajuste Anual (DAA) de Imposto de Renda. O recolhimento que a Receita menciona é relativo aos Ganhos de Capital auferidos nos meses em que houver lucro com a alienação de bitcoins e outros ativos semelhantes.
Atualmente a Binance é, na ótica da Receita Federal, uma ‘entidade estrangeira. Por esta razão, a corretora é enquadrada nos termos da ‘Lei das Offshores’ (Lei n° 14.754/2023), ou seja, suas operações são consideradas ‘operações no exterior’.
Enquanto essa condição perdurar, a negociação de ativos pela plataforma por pessoas físicas estará sempre sujeita a tributação de 15% sobre os lucros. Além disso, as transações na Binance não terão o benefício da faixa de isenção de R$ 35 mil mensais de que dispõem as corretoras nacionais. Isso é o que se extrai da Instrução Normativa nº 2.180/2024 da Receita Federal em conjunto à Lei 14.754/2023.
Essas normativas colocam os Ativos Digitais Criptografados, e os arranjos financeiros com estes ativos, como “aplicações financeiras no exterior” sempre que custodiados ou negociados através de instituições estrangeiras, conforme o artigo 9º, parágrafos 1º e 2º, da referida instrução.
Dessa forma, uma das maiores consequências que a “nacionalização” da Binance causará é a possibilidade de realizar operações pela corretora. Além disso, gozar do já mencionado benefício da isenção mensal de R$ 35 mil.
A pergunta é: essas mudanças terão efeito retroativo para usuários que já haviam adquirido ativos pela Binance e pretendem vender após o início das operações no Brasil?
Em um primeiro momento, o benefício da isenção parece juridicamente possível, na medida em que o fato gerador do Imposto de Renda (“ganho de capital” / “auferição de renda”) só ocorre com a efetiva venda. Além disso, segundo o Código Tributário Nacional (CTN), regras favoráveis ao contribuinte devem ter aplicação imediata (artigo 104, III, interpretado conjuntamente ao artigo 178).
No Direito Tributário, a “Regra-Matriz de Incidência Tributária” (RMIT) define a hipótese de incidência (fato gerador do tributo) e a correspondente obrigação tributária (base de cálculo e alíquota aplicável), descrevendo dois fenômenos fático-jurídicos: o Critério Antecedente e o Critério Consequente.
A nacionalização da Binance altera significativamente o chamado “Imposto de Renda incidente sobre o Ganho de Capital” (IR GCAP) m operações com criptoativos.
No caso, o aspecto mais impactado pela mudança da Binance é o Critério Antecedente no seu aspecto “Espacial” (local do fato gerador). Esse ponto da Regra-Matriz determina se a operação será considerada, pelo menos para fins jurídicos, como realizada “no Brasil” ou “no exterior”.
Para operações realizadas em exchanges domiciliadas no Brasil, o Critério Antecedente da RMIT do IR sobre ganho de capital possui os seguintes aspectos:
Essa configuração possibilita a aplicação da isenção de tributação para alienações de até R$ 35 mil mensais, conforme a legislação vigente para operações nacionais.
Já para operações por “Exchanges Estrangeiras”, o aspecto Espacialidade da RMIT é diferente, pois passa a seguir a Lei das Offshores (art. 3º, §1º, I e II da Lei 14.754/2023). Segundo a normativa, operações através de corretoras estrangeiras são consideradas como atos ocorridos “no exterior”. Vejamos a mudança:
Com a nacionalização da Binance, a exchange, embora ainda seja entidade ramificada pelo mundo inteiro, sendo plataforma de operações em ambiente virtual, passa a ser, pelo menos juridicamente, equiparada a uma corretora localizada no Brasil.
Essa mudança, por alterar o critério da espacialidade, faz com que se tribute as operações realizadas na Binance como “operações nacionais” – não mais como “operações no exterior”. Isso afasta, portanto, a tão polêmica Lei das Offshores.
A nacionalização de uma corretora impacta diretamente os investidores brasileiros. Caso a Binance realmente venha a ser tratada sob as mesmas regras das corretoras brasileiras, teremos o seguinte resultado:
Em suma, a “nacionalização” da Binance traz repercussões para os investidores de criptoativos no Brasil. Ao mudar o critério espacialidade na Regra-Matriz de Incidência Tributária, altera-se, também, a forma como se computará e trubutará os ganhos. Isso, consequentemente, aproxima a Binance da formatação aplicada às exchanges nacionais.
A nacionalização da Binance representa um marco de mudanças, tendo em vista que outras Exchanges internacionais podem, futuramente, seguir a mesma linha.
A questão envolve a transparência das negociações. Ao se nacionalizar, a exchange terá que informar à Receita Federal as movimentações dos usuários, algo que até então não ocorria. Isso exigirá maior atenção de investidores, bem como de suas contabilidades e assessorias jurídicas.
Essa cautela tem de ser redobrada para evitar divergências de informações e, consequentes, autuações pela Receita federal, caso caiam na famosa “malha fina”.
Por fim, a partir de tal nacionalização e divulgação de informações à Receita, será possível que, em caso de execuções por inadimplência de devedores, o Poder Judiciário possa bloquear Ativos Digitais Criptografados, à exemplo do Bitcoin, caso os ativos estejam custodiados na Binance, o que não era comum até agora, considerando a ausência de jurisdição brasileira sobre corretoras estrangeiras e as dificuldades para localizar e bloquear ativos no exterior.
Essas são apenas algumas das repercussões e debates que estão projetados não só para o decorrer do ano de 2025, mas também aos que ainda estão por vir.
Com a expansão fiscalizatória da Receita Federal, será necessário um acompanhamento jurídico e contábil cada vez mais qualificado para atender às necessidades de investidores e empresas diante das inovadoras realidades que o mercado cripto apresentará.
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