Muitos dos críticos do Bitcoin ou do algoritmo Proof of Work utilizado na mineração alertam para o fato de que a criptomoeda é insustentável para o meio ambiente, possui uma pegada de carbono muito alta e que utiliza mais energia do que muitos países do mundo ou até mesmo estimam o custo energético de uma transação de Bitcoin em comparação com transações do serviço de processamento de pagamentos Visa.
Veremos como estão incorretas ou ao menos imprecisas uma série de alegações feitas nessa análises.
Como estimar o consumo do bitcoin?
O cálculo para chegar a uma boa estimativa do consumo energético do Bitcoin não é nada complicado. Trata-se de uma multiplicação simples e um dos fatores dessa multiplicação (hashrate da rede) qualquer um pode encontrar no próprio blockchain.
A dificuldade está em encontrar o consumo médio por terahash, já que os mineradores não estão todos operando nas mesmas condições (variam as máquinas, as necessidades de arrefecimento, etc.).
Um dos cálculos mais famosos e ecoado pela mídia internacional é o realizado por Alex de Vries, criador do site Digiconomist. No entanto, sua metodologia apresenta uma série de falhas e não é, segundo especialistas ouvidos pela CNBC, confiável.
O analista Marc Beveland, em seu blog, aponta algumas das principais falhas metodológicas do estudo da Digiconomist e apresenta seus próprios cálculos. Mesmo assim, Beveland aponta o grau de incerteza de seus próprios números, já que para um cálculo preciso seriam necessários dados dos próprios mineradores.
Como o dado de Marc Beveland não é atualizado desde janeiro desse ano e o hashpower tem aumentado significativamente desde então, deixo para fins de comparação os dados de Jonathan Bertrand da D-Central Tech.
Comparando maçãs com laranjas
Outro problema muito comum dos que alardeiam o gasto energético do Bitcoin são as comparações utilizadas para sobrevalorizá-lo.
Não faz nem mesmo sentido falar em consumo energético por transação, pois o consumo aumenta com o ajuste da dificuldade e não quanto maior o número de transações.
Seja qual for a solução de escalabilidade preferida do freguês (large blocks ou lightning network), o Bitcoin passará a suportar diversas vezes mais transações com o mesmo hashpower. Mas vamos lá.
A comparação com o consumo de países inteiros, por exemplo, confunde o consumo de eletricidade com o de energia desses países.
Comparações com a Visa demonstram profundo desconhecimento sobre o que de fato é o Bitcoin, já que o Bitcoin não é simplesmente um processador de pagamentos, ele é ao mesmo tempo o próprio ativo utilizado no pagamento e a mineração é utilizada para assegurar sua confiabilidade e segurança.
Além disso, segundo bem mostra Carlos Domingo em seu artigo no Hackernoon, as transações com cartões Visa (Ou MasterCard, American Express…) envolvem toda uma rede que inclui também os adquirentes (como Cielo, Redecard, Stone, etc.) e os bancos emissores dos cartões (Santander, Banco do Brasil, Bradesco).
Em um cálculo conservador, tocando apenas a ponta do iceberg (já que considera apenas três dos vários custos que o sistema bancário gera), Domingo chega a um consumo energético de 100 Tw/h pelos bancos, maior até mesmo do que os cálculos sobrestimados da Digiconomist de 73 Tw/h do Bitcoin (contra 56 Tw/h de Bertrand).
Vamos lembrar que nenhum dos custos energéticos que nosso sistema monetário fiduciário gera seria necessário em um universo em que o Bitcoin se tornasse dominante.
A economia e sustentabilidade da mineração de criptomoedas
Não podemos esquecer que os mineradores também são agentes econômicos racionais buscando sempre a maior margem de lucro possível. Se seus custos passam a ficar muito altos, vão procurar algum lugar no planeta em que possam minerar com mais eficiência do ponto de vista econômico.
Além disso, as empresas produtoras de chips ASIC buscam cada vez mais entregar ao mercado processadores com maior dissipação de calor e mais eficiência energética.
Apesar das críticas de Alex de Vries aos modelos de Beveland ou Bertrand por não considerarem os custos de resfriamento, a realidade é que a utilização de air cooling e outras técnicas que não são usuais em data centers tradicionais torna o consumo energético das mineradoras bastante baixo.
E quanto a pegada de carbono e degradação ambiental? A busca por menores custos acaba levando os mineradores para regiões com fontes renováveis de energia, muitas vezes de origem hidroelétrica.
Inclusive, um estudo da Bitmex Research aponta inclusive para esse fato como explicação para grande concentração de hashpower em pools chinesas; a China aumentou sua capacidade de produção de energia hidroelétrica em um momento positivo do ciclo de preços do alumínio, que acabou ficando ociosa quando os preços caíram.
Papai Noel e suas luzes
A verdade é que o consumo de energia do Bitcoin pode parecer muito ou pouco, a depender da utilidade e importância que damos ao blockchain e da estratégia utilizada na comparação. Podemos dizer que existem mais de 100 países que utilizam menos energia do que o Bitcoin ou podemos dizer que uma única usina geotérmica dos EUA produz mais energia do que a requerida pelo Bitcoin.
Ou ainda, podemos dizer que apenas as luzes de natal nos Estados Unidos, ligadas durante apenas um mês no ano, consomem quase 12% do que o Bitcoin consome em um ano (6,63 Tw/h).
Essas luzes de natal definitivamente não proporcionam nenhuma garantia de imutabilidade de transações financeiras que ocorreram nos últimos 8 anos, garantindo a validade de todas as que virão e ainda permitindo transparência e previsibilidade quanto a emissão de novas unidades monetárias.
Tudo isso podendo ser auditado por qualquer um em qualquer lugar. Se o primeiro sistema de contabilidade perfeita da história tem menos valor para humanidade do que decoração de um evento sazonal, mais campanha de marketing do que festa religiosa, precisamos repensar nossas prioridades.