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MP 1303 reconhece o direito de autocustódia de ativos virtuais

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Publicada ontem, 11 de junho de 2025, a Medida provisória n.º 1303/2025 busca dispor sobre a tributação de ativos virtuais no Brasil. Tal movimento unilateral do Governo eleito representa um enorme retrocesso legislativo e econômico do Brasil.

Novamente recusando olhar para os problemas internos de inchaço institucional e gastos exagerados, o Governo prefere promover um esforço arrecadatório inconsequente que pune o contribuinte. O efeito dessa causa será altamente prejudicial ao país em curto, médio e longo prazo, como veremos em artigos futuros.

O objetivo deste artigo é mostrar que, para além disso, a MP 1303 é movimento aflito que atropela raciocinios regulatórios e a consulta pública 111 do Banco Central, visto que resolve temas ainda em franco debate pelas instituições adequadas.

Felizmente, para os defensores da constitucionalidade das normas, houve, na MP, o reconhecimento expresso do direito à autocustódia de ativos virtuais apresentado na redação do artigo 35:

Art. 35. O disposto neste Capítulo aplica-se também:

I – às operações em que os ativos virtuais estiverem sob custódia do próprio contribuinte residente no País, inclusive quando possuir chaves ou códigos que possibilitem, sem intermediário, acesso ao controle e à movimentação dos ativos virtuais e que permitam a realização de transferência entre endereços públicos, assim como a realização de operações com arranjos financeiros, centralizados ou não, com ativos virtuais.

É importante lembrarmos que a Lei Federal n.º 14.478/2022, em seu artigo 8º, determinou que temas relacionados à ativos virtuais são de competência regulatória do Banco Central. Aliás, tal instituição acenou para uma possível proibição da autocustódia de tais ativos, a partir de uma regra proibitiva (artigo 76-F da Resolução do BCB que foi objeto da Consulta Pública n.º 111/2024), vedando às prestadoras de serviços de ativos virtuais que realizem transferências para carteiras autocustodiadas de residentes no Brasil.

A resposta a tal teratologia foi o PL 311/2025 da Deputada Julia Zanatta (PL-SC) visando assegurar o direito de autocustódia aos cidadãos sob argumentos de ser (i) direito de propriedade (art 5º, XXII, CF), (ii)  tratar-se de tema de livre iniciativa e liberdade econômica (art. 1º, IV e art. 170, CF), (iii) tratar de tema sensível de proteção de dados pessoais (art. 5º, X e XII, CF e LGPD) e (iv) tratar de inviolabilidade patrimonial e registros digitais.

Assim, fica transparente que duas situações podem ter ocorrido: (i) ou o Poder Executivo legislou por Medida Provisória sobre assunto de competência exclusiva do Banco Central e, pois, houve um vício de iniciativa, tornando a MP ilegal em sua origem nesse tema ou (ii) foi indubitavelmente reconhecido pelo Poder Executivo o Direito à Autocustódia e o Banco Central não poderia/deveria, em tese, decidir em sentido contrário sem prejudicar a vontade arrecadatória do Estado. Em ambos os casos, nota-se um erro crasso da Administração.

Mas em meio ao celeuma, e mesmo havendo um debate democrático, o Governo Federal coloca um pá de cal no debate, ainda que provisoriamente, abrindo importante precedente e declarando expressamente que não só a autocustória é legal como também gera hipótese de incidência de tributo no caso de haver operações.

Ao que parece, a tributação estaria limitada às operações, não sendo possível a taxação da valorização do ativo virtual não realizada do ativo em autocustódia, por inexistência de previsão.

O texto legal, contudo, parece-nos atécnico ao extremo nesse artigo.

A iniciar, o artigo cita 3 vezes a expressão “ativos virtuais”. O texto fala em “operações em que os ativos virtuais estiverem sob custódia (…) com chaves que possibilitem acesso e controle aos ativos virtuais (…) que permitam realização de operações com ativos virtuais”. Isso demonstra a incongruência da construção da MP por desconhecimento da operatividade de tal realidade. E mais: um texto confuso, mal redigido e redundante.

Observemos também outra incoerência que aponta o texto legal. Identificamos que o artigo 35 aponta 3 (três) situações de autocustódia. A primeira situação:

  1. A existência de ativos virtuais sob custódia com CHAVES que possibilitem acesso ao controle e à movimentação destes e que permitam a realização de transferência entre endereços públicos assim como a realização de operações.

Aqui, nenhuma surpresa. A arquitetura da autocustódia de criptoativos é exatamente essa: o controle direto das chaves privadas pelo titular, sem depender de terceiros. É exatamente essa chave privada que permite a disposição dos ativos na arquitetura descentralizada. Mas observemos a segunda situação:

2. A existência de ativos virtuais sob custódia com CÓDIGOS que possibilitem acesso ao controle e à movimentação destes e que permitam a realização de transferência entre endereços públicos assim como a realização de operações;

Ocorre que as chaves privadas são exatamente os códigos responsáveis pela propriedade e disposição dos ativos. O Executivo, estranhamente desconhecendo tal definição, optou por uma situação redundante, sem lógica informacional, em nossa opinião. Ou existiriam outros códigos que entregam autocustódia de ativos que não sejam chaves privadas?

Finalmente, o texto legal fala sobre autocustódia INCLUSIVE QUANDO POSSUIR chaves ou código. Isso significa que há ainda uma terceira situação, teratológica:

3. A existência de ativos virtuais sob custódia SEM CHAVES E SEM CÓDIGOS e que mesmo assim possibilitem acesso ao controle e à movimentação destes e que permitam a realização de transferência entre endereços públicos assim como a realização de operações.

Isso vai contra a própria racionalidade das criptomoedas. Isso porque são os códigos, denominados CHAVES PRIVADAS, que possibilitam acesso e movimentação dos ativos virtuais. É impossível a autocustódia de ativos virtuais sem tais códigos porque a criptomoeda é um ativo LÓGICO, não FÍSICO e que, portanto, seja quem tiver a custódia deles terá necessariamente que se utilizar das chaves para dispor deles. Será que o Executivo entende sobre o objeto da Medida Provisória que editou? Suspeita-se que não.

Vale também destacar que a expressão “sem intermediário” (… inclusive quando possuir chaves ou códigos que possibilitem, sem intermediário…) é totalmente incoerente. Afinal, autocustodiar significa ter a si mesmo a custódia, sem intermediários.

Embora a Medida Provisória n.º 1.303/2025 represente um reconhecimento formal — e tardio — do direito à autocustódia de ativos virtuais, a sua redação evidencia flagrante despreparo técnico da Administração quanto à natureza lógica e operacional dos criptoativos. Em vez de consolidar avanços regulatórios, o texto acentua a insegurança jurídica, fragiliza o debate institucional e compromete a credibilidade do Estado perante um mercado cada vez mais sofisticado e globalizado.

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Spencer Sydow

Spencer Sydow é doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), onde desenvolveu sua tese sobre a Teoria da Cegueira Deliberada aplicada aos Delitos Informáticos. Também mestre em Direito pela USP, sua dissertação focou nos delitos informáticos próprios sob uma perspectiva vitimodogmática. Com uma carreira sólida no Direito Informático e Criminal, Spencer é professor e palestrante em diversas instituições de ensino e cursos preparatórios, além de ser autor de livros na área. Foi presidente do Conselho Estadual de Direito Digital da OAB/SP (2019-2021) e atua como Conselheiro do Comitê Gestor da Internet Brasileira, contribuindo para debates sobre o impacto do mundo digital no ordenamento jurídico.

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Spencer Sydow