Antes de qualquer coisa, deixo bem claro que este texto vai muito além da fofoca que envolve o nome da influenciadora famosa. O objetivo, portanto, passa bem longe de discutir detalhes da vida pessoal, do estilo, das inclinações ideológicas, das relações com políticos ou de qualquer outro aspecto normalmente explorado pela imprensa geral.
Embora não haja, até o momento, qualquer indício de utilização de criptomoedas por parte das acusadas em suas supostas ações de lavagem de dinheiro, existem ensinamentos que precisam ser devidamente compreendidos por quem lida com esse tipo de ativo. Lições estas relacionadas às ilusões às quais muitos investidores se apegam para não regularizarem seus ativos ou para, regularizando-os, fazê-lo de forma incorreta.
Nesse sentido, então, o “caso Deolane” permite que se jogue um pouco de luz, do ponto de vista jurídico e contábil, sobre algumas realidades inafastáveis, que muitas pessoas insistem em ignorar e que podemos resumir em quatro premissas básicas:
- Pagar imposto corretamente não afasta a ilegalidade de recursos obtidos incorretamente;
- O dinheiro sempre deixa rastros;
- A realidade sempre se sobrepõe à formalidade;
- Quando não há lógica nos atos, normalmente, não há verdade nos fatos.
Breve resumo sobre o caso
Deolane Bezerra, influenciadora e advogada criminalista que ficou famosa por ser viúva do MC que caiu de uma sacada de hotel, no ano de 2021, foi recentemente presa em uma operação da Polícia Civil de Pernambuco.
Isso ocorreu no âmbito de uma investigação que apura a atuação de quadrilha suspeita de lavagem de dinheiro e realização de jogos ilegais. Também foram presos, na mesma operação, Solange Bezerra, mãe da influenciadora, e Darwin Filho, dono da casa de apostas Esportes da Sorte, em um esquema que movimentou, segundo estimativas da própria Polícia, mais de 2 bilhões de reais.
Além das prisões, a polícia apreendeu dezenas de imóveis, veículos, embarcações, aeronaves, e diversos objetos de luxo. Entre os bens apreendidos está uma Lamborghini modelo Urus S, de 2023, que teria sido comprada por Deolane diretamente de Darwin Filho, pelo valor R$ 3,8 milhões, pagos em espécie.
Segundo o delegado que conduz a investigação, Renato Rocha, foram encontrados, apenas em um local, 11 relógios da marca de luxo “Rolex”. Além disso, até o momento, foram apreendidos no âmbito da mesma investigação:
- Duas aeronaves e dois helicópteros avaliados em R$ 127 milhões;
- Cinco automóveis de luxo avaliados em R$ 24.440.196,79;
- R$ 439.869 em espécie;
- U$ 2.153 dólares americanos em espécie (o equivalente a cerca de R$ 12.146,15);
- € 5.819 euros em espécie (o equivalente a cerca de R$ 36.372,34);
- £ 6.310 libras esterlinas em espécie (cerca de R$ 46.567,80);
- 37 bolsas femininas de luxo;
- 76 anéis e 17 joias de diversos modelos;
- 16 relógios de luxo;
- Garrafas de vinho avaliadas em torno de R$ 5 mil cada uma.
Após a prisão, Deolane divulgou mensagem feita de próprio punho, através da qual tranquilizou seguidores, alegando ser vítima de uma “grande injustiça” e dizendo que tudo será esclarecido:
“Hoje não teve boa tarde, Brasil. Mas estou passando aqui para tranquilizá-los, e afirmar mais uma vez que estou sofrendo uma grande injustiça. É notório o preconceito e a perseguição contra a minha pessoa e a minha família. Mas isso tudo servirá para provar mais uma vez para todos vocês que não pratico e nunca pratiquei ‘crimes’. Confesso a vocês que estou destruída ao ver minha mãe passando por tamanha humilhação. Eu passaria 1 ano, 10, 20 ou mais para provar a minha inocência, mas com ela não! Peço orações para todos vocês, obrigada pelo carinho…. Já, já tô aqui de novo… Exquece que a mãe tá enjaulada (Só para descontrair), e lembrando que todos os impostos estão PAGOS.”
Por sua vez, o escritório da advogada (e ex- BBB) Adélia Soares, que defende Deolane e Solange, publicou nota ressaltando que a investigação é sigilosa, que acredita na inocência de sua cliente e que a influenciadora está à disposição das autoridades. Reiterou, ainda, em entrevista ao gshow:
Ela paga imposto de tudo e tem contrato de tudo. Tudo vai ser esclarecido. A gente ainda não tem detalhes profundos do caso porque o processo segue em segredo de Justiça, mas nosso corpo jurídico está tratando de tudo”
Pagar imposto corretamente não afasta a ilegalidade de recursos obtidos incorretamente
Chama bastante a atenção o fato de que, tanto Deolane, quanto sua advogada, invocam o pagamento de impostos como um atestado de boa conduta. Trata-se de um mito relativamente comum, aliás, acreditar que o pagamento dos impostos é suficiente para que nenhum questionamento seja feito quanto à forma como o patrimônio foi constituído.
Bom, obviamente que pagar os impostos de forma correta, à primeira vista, induz, sim, uma noção geral de legalidade e de correção de procedimento. Mas pagar impostos está longe de ser uma medida que, por si só, vá solucionar os problemas de quem não consegue explicar as origens de seus recursos.
Fosse assim, bastaria aos traficantes de drogas ou assaltantes pagarem impostos sobre seus “ganhos”, que nada deveriam à Justiça Criminal. E não, não é assim que a coisa funciona.
Quando os “holofotes” recaem sobre determinado contribuinte, a Receita Federal não está interessada apenas no pagamento correto dos impostos. Ela quer saber a origem daqueles recursos. Ela quer, em suma, que a “historinha” seja contada desde o início.
Sem que essa “historinha” seja corretamente contada e sem que, mais do que isso, ela demonstre que aquele patrimônio foi adquirido com base em transações legais, o pagamento de impostos pouco ajuda em termos de impedir outros questionamentos de ordem tributária e penal.
No caso de Deolane, assim, será um grande desafio, primeiramente, comprovar que todo o patrimônio declarado provém de negócios lícitos. Além disso, será crucial explicar a razão pela qual parte de seu patrimônio acabou eventualmente registrado em nome de seus familiares, com valores transitando por contas de mãe e filhos, por exemplo.
Trazendo a lógica para uma situação comum no mundo cripto, é possível dizer que pagar todos os impostos que incidem sobre uma grande liquidação de ativos não é suficiente. É preciso demonstrar à Receita, de uma forma muito clara e devidamente acompanhada de documentos, quando, como, a qual valor e de quem aquelas criptomoedas foram adquiridas. E quem não souber contar essa “historinha” corretamente, certamente terá problemas com o Fisco.
O dinheiro sempre deixa rastros
Existe uma máxima que diz que o sucesso “deixa rastros”. Uma premissa que indica ser possível chegar ao sucesso seguindo as pistas deixadas por aqueles que comprovadamente trilharam esse caminho em algum momento.
Pois, de forma semelhante, é possível dizer que o dinheiro, como materialização mais concreta do sucesso no mundo atual, igualmente deixa rastros. É uma ilusão, portanto, acreditar na possibilidade de que recursos obtidos de forma ilícita, a partir do momento em que analisados com atenção, não venham a revelar o fato, ou a cadeia de fatos ilícitos que o originaram.
Vamos supor que alguém tenha um carro de luxo, cujo valor é incompatível com sua renda. A partir dessa suspeita, é possível, analisando-se a operação de aquisição, saber de quem foi comprado, qual o valor da operação e de que maneira o pagamento foi efetuado.
Se o pagamento foi feito em espécie (como no suposto caso da Lamborghini de Deolane), a situação, por si só, já dispararia vários alarmes. Porque não é verossímil que uma pessoa de boa fé disponha de milhões de reais em espécie para fazer uma operação dessa natureza. Isso simplesmente não faz o menor sentido, senão no contexto de ocultar a origem do recurso ou de simular uma operação fraudulenta;
Caso, por outro lado, a operação fosse feita através de alguma espécie de depósito bancário, seria possível, analisando-se os extratos, apurar a entrada dos recursos na conta, verificando-se se efetivamente existiria uma justificativa plausível para que isso tivesse ocorrido. Seja como for, essa análise só teria fim quando se encontrasse o primeiro negócio (espécie de paciente zero) ou quando, diante da inexistência de evidência, se concluísse pela natureza fraudulenta da operação.
O dinheiro, portanto, deixa rastros e é através desses rastros que as histórias mal contadas acabam inevitavelmente desmascaradas.
A realidade sempre se sobrepõe à formalidade
Muitas pessoas acreditam, de maneira equivocada, que registrar bens próprios em nome de outras pessoas é o suficiente para escondê-los do alcance do Fisco ou da Justiça. Como se a propriedade formal desses bens fosse uma barreira intransponível e como se os agentes públicos fossem suficientemente ingênuos para jamais questionar de que forma aqueles bens foram acabar em nome de pais, mães, filhos, irmãos ou amigos de pessoas investigadas.
No caso de Deolane, por exemplo, foram identificados, conforme divulgado, vários depósitos na casa das centenas de milhares de reais, realizados em favor da mãe e de seus filhos, de dezesseis e vinte anos de idade. Situação com relação à qual a Sra. Solange, interrogada pela Polícia, não foi capaz de explicar.
Sem uma explicação minimamente convincente, portanto, é evidente que a investigação não vai se deter à realidade formal. Vai cogitar, assim, que aquele dinheiro, apesar de estar em nome de terceiros, pertence, de fato, à única pessoa naquele círculo capaz de manter relações comerciais que gerem, legalmente ou não, aqueles recursos.
O descompasso entre vida real e vida formal tem duas faces. De um lado, pessoas que não possuem qualquer atividade rentável passam a ostentar, formalmente, patrimônio inexplicável. De outro, pessoas com vida absolutamente luxuosa, declaram patrimônio muito abaixo do que seria necessário para manter aquele padrão de consumo.
A ostentação, portanto, é uma das piores armadilhas para quem tenta esconder patrimônio. Fotos e vídeos de uma vida luxuosa postadas em redes sociais são, muito comumente, utilizadas como prova de incompatibilidade entre o que é declarado à Receita e o que acontece de fato. E observando os tipos de bens apreendidos no caso de Deolane, é inevitável cogitar que suas declarações formais de renda não contemplem a integralidade dos recursos movimentados por meio de suas relações pessoais e comerciais.
Nenhum fiscal da Receita, policial ou magistrado é ingênuo ao ponto de achar normal que alguém seja rico nas redes e pobre no IR. Em uma investigação tributária ou penal, a realidade sempre vai se sobrepor à formalidade. E alegar, quase de forma robótica, que “tudo está declarado” ou que “os impostos foram pagos” é justamente o que dizem as pessoas que normalmente não declaram tudo e que não pagam seus impostos.
Quando não há lógica nos atos, normalmente, não há verdade nos fatos
Um conhecido princípio lógico estabelece que, quando se busca uma explicação para situações complexas, normalmente a opção mais simples tende a ser a correta. Nesse sentido, explicações mirabolantes, que envolvam um grande número de variáveis e de atos sucessivos e improváveis, normalmente não convencem a Receita ou a Justiça.
Quer defender a tese de que o seu filho de dezesseis anos, sem qualquer atividade produtiva, movimentou centenas de milhares de reais porque o seu limite de pix estava estourado e você precisava pagar uma cirurgia de emergência? Fique à vontade.
Quer justificar a compra de um veículo de mais de três milhões de reais com dinheiro vivo, alegando que perdeu o telefone do gerente do banco? Tente a sorte.
O ponto é que, inegavelmente, a explicação mais simples para esses dois exemplos hipotéticos é a ocultação patrimonial e a lavagem de dinheiro. E os investigadores sabem disso.
Subestimar, então, a inteligência dos agentes públicos, acreditando que eles aceitarão qualquer explicação para a origem dos seus recursos costuma ser um erro com graves consequências. A verdade, via de regra, está no mais simples e no mais lógico.
Conclusão
Em tempos nos quais as apostas esportivas, cassinos online e jogos duvidosos, entre outras coisas do gênero, se multiplicam diariamente, cresce a importância de estar atento a premissas muito básicas, que podem evitar que você se coloque em uma grande cilada. A mais importante delas é tão simples e antiga, que chega a ser incompreensível como muitas pessoas a ignoram ao embarcar na aventura do lucro fácil: não existe almoço grátis!
Por trás das situações tentadoras que prometem lucro rápido e fácil, normalmente está um esquema muito bem organizado, cujo único objetivo é tirar dinheiro de gente desavisada e enriquecer gente má-intencionada.
O volume de recursos movimentado por esses “empreendimentos”, somado à natureza quase incontrolável da internet, resultam em um ambiente propício para que outros tipos de criminosos o utilizem como porta de entrada para lavagem de dinheiro. É por isso, portanto, que é tão comum associarmos, instintivamente, atividades dessa natureza ao mundo do crime, embora isso nem sempre seja verdade.
Mesmo que, em uma primeira análise, seja razoável pensar que a realidade das “bets” nada tenha a ver com o mundo cripto, é fato que, de alguma forma, muitos investidores (principalmente os grandes) acabam pensando e agindo de forma semelhante aos “cassineiros”. E assim, acreditam que a única coisa que importa é pagar os impostos sobre aquilo que declaram. Pagando os impostos, pensam, está tudo certo.
Não, está muito longe de estar tudo certo. Trazer patrimônio informal para a formalidade, pagando os impostos de forma correta e não deixando “pontas soltas” é atividade complexa, que demanda um meticuloso trabalho de apurar a origem daqueles recursos desde o “paciente zero”. Isso, lógico, tratando-se de recursos legais, pois para os ilegais não existe qualquer caminho viável.
Viver, então, sob a ilusão da informalidade é um caminho tentador. Fazer o certo dá trabalho e custa dinheiro. Mas quem já percorreu sabe o valor de uma noite bem dormida.
A escolha, assim, é de cada um. Existem vários caminhos que levam a diferentes cenários. Escolha o seu e viva bem com as consequências.
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Por Ana Paula Rabello.