Um caso que se desenrola na justiça brasileira desde 2022 ganhou novo episódio com uma análise pericial realizada nos últimos dias a pedido de um investidor que havia sido alvo de sequestro na cidade de Ribeirão Preto (SP). Na ocasião, os sequestradores pressionaram a vítima a revelar a chave privada de sua carteira Trezor com 15 bitcoins depositados nela, avaliados em pouco mais de R$ 2 milhões na época (R$ 8,5 mi hoje), e depois drenaram todo o valor para endereço sob o seu controle, em uma única transação.

E parte dos valores podem ter ido para a Binance e outro para a Bitso, de acordo com o investidor que processa a primeira corretora.
De acordo com a perícia, a Binance recebeu parte das transações das contas suspeitas, e depois disso não há mais rastros de valores sacados para os endereços conhecidos dos criminosos.
Para o advogado que defende a vítima do sequestro, isso indica que a Binance deixou os valores fluírem pela plataforma, mesmo com o dono dos valores alertando sobre o roubo, comprovando titularidade e mostrando os endereços. A corretora não quis comentar o caso específico (leia abaixo notas de ambas as partes).
Perito técnico percebeu várias técnicas de lavagem e ocultação de dinheiro para dificultar rastreio de bitcoins roubados
Ao iniciar a análise sobre o caso, o perito técnico apontado pela justiça declarou que os criminosos utilizaram vários endereços de transição, ou seja, utilizados temporariamente para lavagem de dinheiro. Depois disso, escalaram em várias transações de menores valores os 15 bitcoins roubados, utilizando as técnicas chamadas de layering e smurfing.
O perito ainda indicou que os sequestradores mostraram conhecimento na manipulação dos endereços de bitcoin, que não registram atividades prévia ou posterior ao roubo.
“Diante da análise técnica realizada, resta evidenciado que a movimentação de 15.08322957 BTC, extraídos da carteira da vítima, seguiu um fluxo que se encaixa perfeitamente nos padrões conhecidos de crimes cibernéticos envolvendo criptoativos.
O fracionamento rápido, uso de múltiplas carteiras, movimentações temporais sequenciais e a ausência de reutilização dos endereços após o recebimento apontam para técnicas deliberadas de ofuscação, caracterizando fortemente o uso de métodos como smurfing, layering e, possivelmente, utilização de mixers ou serviços de roteamento.
Além disso, os endereços indicados pelo autor como sendo da Binance e Bitso apresentam estrutura gráfica e comportamental compatível com carteiras institucionais de exchanges, corroborando a plausibilidade de que os ativos desviados possam ter chegado às mesmas“, concluiu a perícia.
Binance não comenta casos na justiça, mas diz que tem reforçado medidas de segurança
Procurada pelo Livecoins, a Binance se manifestou afirmando que não se manifesta sobre casos em andamento na justiça. Contudo, a corretora declarou que tem reforçado suas medidas de segurança.
“A Binance não comenta investigações em andamento, mas reforça que segurança é prioridade e que possui um dos programas de compliance e segurança mais
robustos do setor e faz investimentos contínuos para fortalecer a proteção da dos
usuários e seus recursos, com adoção de tecnologia de ponta e parcerias com as
empresas de segurança cibernética e fornecedores de tecnologia mais renomadas
do espaço blockchain. Somente em 2024, a Binance preveniu perdas potenciais de
US$ 4,2 bilhões para 2,8 milhões de usuários.
A Binance também dedica esforços constantes na educação dos usuários, em
todos os seus canais de comunicação, disseminando boas práticas e ferramentas
para proteção de contas. Entre elas:
- KYC (ou verificação de identidade), exigência para todos os usuários;
- Autenticação de dois fatores (biometria e chaves de segurança, aplicativo deautenticação, e-mail e número de telefone);
- Lista de dispositivos autorizados;
- Gerenciamento de endereços de saque (listando os endereços autorizados areceber transferências);
- Atualizações constantes do aplicativo com novos elementos de segurança.“
O que diz a defesa do investidor no caso?
Em conversa com a reportagem, o advogado especialista em criptomoedas Raphael Souza disse que a corretora não observou com atenção alerta do investidor, deixando criminosos operaram livremente na plataforma.
“A vítima avisou, comprovou a titularidade dos criptoativos e ainda assim a corretora ignorou o alerta. O resultado? Ativos furtados após um sequestro acabaram sendo movimentados dentro da própria plataforma. Receber dinheiro de crime e seguir operando como se nada tivesse acontecido é assumir risco jurídico — e a responsabilidade em indenizar a vítima vem com ele“, disse Souza.
Apesar da recente perícia técnica no caso favorável ao cliente, a disputa entre o investidor sequestrado e a Binance segue em aberto na justiça paulista.
Contudo, uma recente jurisprudência do STJ determinou em uma disputa envolvendo o Mercado Bitcoin que as corretoras brasileiras são responsáveis por danos a clientes.
Sequestro ganhou operação especial da Polícia Civil de São Paulo em vários estados
Apesar de tentar afastar o rastreio do bitcoin nas carteiras, os criminosos não demoraram muito a serem identificados pelas autoridades. Assim, a Polícia Civil de São Paulo deflagrou a Operação Kirvem em novembro de 2022, poucos meses após a ação criminosa.
A operação contou com a participação de 50 agentes, que atuaram no Ceará, Maranhão, Tocantins e São Paulo, de forma coordenada.
Por fim, o Livecoins chegou a noticiar que tudo começou com o sequestro da esposa do investidor que estava no supermercado com amigas. O caso é um dos mais emblemáticos já ocorridos no Brasil, visto que os criminosos já sabiam até o modelo da carteira do investidor antes da ação.