Por: Bruno Maia, head de ecosystem growth da Cartesi
A inteligência artificial tem estado presente nos círculos acadêmicos há mais de 30 anos. Redes neurais e temas semelhantes já eram comuns, nas universidades, desde os anos 1990. Em todos esses meios (e além deles), sempre ouvimos que a onda da IA chegaria um dia e mudaria absolutamente tudo.
Demorou mais de 30 anos para que todas as peças certas desse gigantesco quebra-cabeça se encaixassem — desde o avanço acentuado dos processadores matemáticos e do poder computacional, passando por máquinas mais eficientes em termos energéticos e linguagens de programação modernas. Combinado a isso, o progresso nos modelos de linguagem de grande escala e campos relacionados finalmente desbloqueou a revolução da IA.
Quando finalmente uma única empresa trouxe a interface ideal para que usuários comuns pudessem interagir de forma adequada com esses poderosos modelos, a última peça do quebra-cabeça foi colocada — e o mundo pôde, enfim, experimentar essa nova forma de interação.
É importante frisar que AI e Blockchain são ambas tecnologias disruptivas que foram desenvolvidas em paralelo. Blockchain, que também é fruto de desenvolvimentos tecnológicos em software e hardware nos últimos 40 anos, chegou trazendo novos paradigmas tecnológicos, em especial, a capacidade de troca de valores e execução de programas sem a necessidade de se confiar em nenhuma das partes interessadas (Trustless). Essa tecnologia, disruptiva, traz primitivas novas cujas implicações vão muito além apenas da transferência sem intermediários. Como veremos ao longo deste artigo, esses novos paradigmas estão se mostrando a ferramenta de inclusão perfeita no que alguns comentam ser nossa nova revolução industrial
Hoje, a IA é provavelmente uma das fronteiras tecnológicas mais exploradas, com impactos ainda não totalmente compreendidos. É, possivelmente, a principal responsável pelo crescimento do PIB dos EUA em 2025. Segundo o Financial Times, os investimentos em IA correspondem à maior parte do crescimento do PIB no primeiro semestre, sem sinais de desaceleração. À medida que mais verticais e casos de uso surgem, parece que os investimentos em IA vieram para ficar — e, com isso, estão transformando indústrias inteiras e a ordem mundial.
O aspecto mais discutido da IA é a chamada AGI (Artificial General Intelligence — Inteligência Artificial Geral), uma superinteligência com capacidades de raciocínio em nível humano, que mudará para sempre a forma como os humanos interagem com sistemas — e até desafiar o papel, o alcance e a “utilidade” dos próprios seres humanos. Diferentes grupos têm previsões diversas sobre quando atingiremos o marco da AGI, variando do final da década de 2020 até o início dos anos 2040.
Embora a indústria esteja avançando mais rápido do que até mesmo os mais otimistas poderiam prever — basta ver os anúncios mais recentes sobre IA em vídeo e imagem —, os especialistas convergem em que a verdadeira AGI ainda pode estar a anos de se tornar realidade. Enquanto não discutimos aqui as implicações completas da AGI, já vemos a indústria trabalhando rapidamente para superar as limitações atuais dos modelos de IA, tornando-se cada vez mais especializada verticalmente — nas áreas médica, jurídica, empresarial e de programação. Camadas intermediárias de IA (middleware) abordarão dores de negócios específicas e criarão empresas bilionárias. Acredita-se que inclusive AI tem potencial de criar mais milionários nos próximos 5 anos do que a revolução da internet.
Mas como esse ecossistema fragmentado se desenvolverá — e quais são as implicações?
Fragmentação da IA e suas implicações
Como mencionado, com a AGI ainda distante, o cenário de curto e médio prazo para as soluções e plataformas de IA aponta para uma realidade em que os participantes tentarão dominar segmentos de mercado específicos — expandindo-se gradualmente para outros à medida que sua influência crescer.
Isso será impulsionado por uma especialização cada vez mais profunda de soluções e modelos de IA para setores econômicos e casos de uso específicos, levando inevitavelmente a um cenário fragmentado. Usuários comuns já sentem essa realidade: lutam para entender qual ferramenta de IA utilizar, perdidos em um mar de possibilidades e assinaturas.
Mas o verdadeiro desafio e perigo dessa fragmentação vai muito além do excesso de opções: está nos riscos e desafios sobre os quais será construída a próxima geração de serviços da internet.
Recentemente, o Google anunciou sua nova iniciativa para sistemas de pagamento autônomos — o Agent Payments Protocol (protocolo AP2). É um exemplo claro de como os grandes players veem o futuro da IA. Não apenas ela será fragmentada, como também uma grande parte do tráfego e uso será autônoma, com agentes de IA interagindo entre si para realizar tarefas complexas.
O ponto de partida serão melhorias simples na experiência de compra online, mas logo esses agentes começarão a executar tarefas mais sofisticadas — e o nível de risco e impacto crescerá proporcionalmente. É aqui que a tecnologia enfrenta desafios cruciais. A internet tradicional foi feita para permitir a comunicação, mas não para executar ou verificar cálculos e comunicações de forma verificável.
Embora Ambientes de Execução Confiáveis (Trusted Execution Environments, TEEs) ofereçam alguma segurança, eles já demonstraram vulnerabilidades nos últimos anos. Além disso, não podemos confundir um ambiente de hardware seguro com software executando de forma verificável — como a blockchain faz.
O espaço fragmentado da IA, com agentes interagindo entre si, traz enormes riscos, pois não há uma camada nativa que permita interações confiáveis (trustless). Ao mesmo tempo em que isso representa um risco significativo para as operações dos agentes de IA, a tecnologia blockchain está em uma posição única e oportuna para resolver esse problema.
Blockchain e IA: trazendo uma camada de confiança para um ecossistema fragmentado
Está cada vez mais claro que caminhamos para um mundo em que tudo e todos estarão não apenas interconectados, mas interconectados de forma autônoma — com inteligências artificiais atuando como agentes em nosso nome e em nome de sistemas, operando de forma independente e interligada para alcançar metas pré-definidas em objetivos constantemente mutáveis.
É impossível imaginar esse futuro sem uma camada de confiança. É aí que a tecnologia blockchain pode contribuir de forma significativa para todo o ecossistema: servindo como o meio confiável (trustless) para interoperabilidade entre agentes e composição entre eles.
Vamos revisar as principais camadas funcionais que pavimentarão o caminho para esse novo mundo que se desenrola diante de nossos olhos:
Camada de Verificação
Essa é a base sobre a qual todo o resto funciona. Ela permite que lógicas executadas por terceiros sejam totalmente verificáveis e reconhecidas entre as partes envolvidas. A tecnologia blockchain é simplesmente a melhor ferramenta de coordenação já inventada — pois permite que essa verificação se torne realidade. Seja por consenso ou por provas matemáticas (ZK Proofs), o estado da rede é sempre verificável. Assim, não apenas o movimento de ativos (que viabiliza pagamentos), mas também a lógica — permitindo que programas e sistemas operem — pode ser confiável por todas as partes. A confiança é, então, transferida para a própria rede, tornando-a o ator neutro perfeito para garantir a segurança de todas as operações.
Camada de Pagamentos
Com a blockchain permitindo a movimentação livre e verificável de ativos, torna-se possível implementar um sistema de pagamentos autônomo e disponível 24/7, que pode ser operado tanto por humanos quanto por entidades autônomas com os privilégios adequados. A blockchain transforma a internet em um meio verificável — perfeito para a implementação de sistemas de pagamento sem a necessidade de intermediários.
Camada de Coordenação
Ao juntar todas as peças, fica claro que camadas de coordenação baseadas em blockchain surgirão para conduzir e mediar as informações e ações trocadas entre agentes autônomos — aplicando regras de negócio que surgirão dessas interações. Essas regras, programáveis, permitirão uma distribuição de valor mais justa e eficiente entre todos os participantes dos ecossistemas econômicos, incluindo aqueles cujos dados foram usados para treinar os sistemas de IA.
Por meio da marcação de dados (data tagging), será possível identificar contribuições individuais e promover uma distribuição de valor justa, transparente e automatizada (trustless), reforçada por camadas de coordenação autônomas na blockchain.
Provavelmente, essas camadas também serão uma forma de IA autônoma, especializada verticalmente, construída especificamente para coordenar relacionamentos complexos entre agentes que trocam dados e resultados de processamento.
Um exemplo típico de tal ambiente futuro seria o setor de seguros. Imagine um agente de IA de seguros interagindo com uma rede de agentes de IA especializados em previsões climáticas e medições de eventos extremos. O agente climático forneceria provas verificáveis de um evento meteorológico extremo, permitindo que o agente de seguros executasse automaticamente o pagamento — tudo em um processo transparente e sem necessidade de confiança, viabilizado pela blockchain. O resultado: menos fraudes e enormes economias operacionais (OPEX), que poderiam ser revertidas em uma divisão de receitas mais justa para todos os envolvidos.
O futuro da IA: o que está por vir?
Estamos à beira de avanços tecnológicos e mudanças de paradigma que criarão ondas de choque em toda a sociedade global. É inegável que há riscos e desafios pela frente, mas, ao mesmo tempo, temos a oportunidade única de combinar uma tecnologia de base — a blockchain, que traz confiança como propriedade nativa da rede — com a IA de ponta, garantindo que essa revolução tecnológica ocorra da melhor forma possível.
A maturidade da camada de coordenação da internet, por meio da tecnologia blockchain, embutida em nossos sistemas autônomos, desbloqueará novos e impensáveis casos de uso e aplicações de negócios. O mundo se tornará progressivamente mais eficiente, liberando os humanos e suas mentes para explorarem novos caminhos.
Aonde isso nos levará? Convido todos a refletirem sobre esse futuro. A tela está em branco — e cabe a nós decidir o que faremos com o extraordinário presente que a tecnologia nos oferece.