O projeto Cardano é conhecido por ter baseado seu desenvolvimento em pesquisas acadêmicas utilizando a revisão por pares. Tanto que o projeto não têm um único White Paper como outros projetos de Blockchain como Bitcoin. Entretanto, o que isto significa na prática? Preparamos um artigo simples e curto explicando a essência deste processo. Também convidamos um pesquisador para compartilhar suas experiências com o processo aqui no Brasil.
Introdução
No meio acadêmico, a revisão por pares é um mecanismo fundamental para publicação de artigos em revistas, periódicos ou apresentações em congressos. Este processo consiste em um fluxo em que o pesquisador basicamente:
1- Submete seu manuscrito para um periódico;
2- O manuscrito passa por uma avaliação de especialistas da sua área de pesquisa que emitem pareceres com feedbacks;
3-Editores arbitram sobre publicar, devolver ou recusar o manuscrito;
Geralmente este processo se dá de forma anônima (single-blind ou double-blind), onde editores cifram metadados que identifiquem autores e/ou revisores como: nome, instituição ou qualquer outra forma de identificação. Na revisão por pares, os revisores (especialistas do conhecimento na área em questão) exercem um papel fundamental no processo de publicação acadêmica. Fornecem feedback, balizam a qualidade e ajudam a desenvolver o manuscrito até a versão final.
Este processo já comprovou relativa eficiência, mesmo em épocas onde ainda não estava tão institucionalizado. Um exemplo deste sucesso é a descoberta da estrutura do DNA, hoje amplamente aceita. O vai e volta de conceitos, modelos, críticas e diálogo na comunidade acadêmica permitiu a evolução da ideia até o modelo de dupla-hélice que conhecemos hoje. O conceito se desenvolveu por meio de uma série de “diálogos” acadêmicos entre pesquisadores como Linus Pauling, Rosalind Franklin, James Watson, Francis Crick e Maurice Wilkins.
Sobre a história acerca do desenvolvimento do modelo de DNA, recomendamos o podcast a seguir: https://castbox.fm/episode/061-A-forma-do-DNA-id1392747-id148970454
Hoje, mesmo com a maior fluidez da informação proporcionada pela internet, o processo ainda ocorre em grandes editoras especializadas na publicação de artigos acadêmicos. As publicações na imagem abaixo são manuscritos, que após este processo de revisão, foram publicados como artigos em uma revista especializada.
Projeto Cardano – Revisão por Pares
A seguir criaremos um exemplo fictício sobre como se daria o fluxo de desenvolvimento de um manuscrito do projeto Cardano até que se torne um artigo cientificamente válido.
A equipe do projeto Cardano submete um manuscrito de pesquisa sobre o processo de “Especificação Formal” do projeto para um determinado periódico (Revista). Nesse caso, após a conclusão do artigo, a equipe da IOHK, por meio de uma plataforma de gerenciamento de artigos do periódico, submeterá seu manuscrito.
A partir do momento que o manuscrito está sobre posse da revista começa o processo de avaliação por pares, onde um conjunto de especialistas vão avaliar o artigo e podem sugerir ou não revisões para o trabalho, caso o artigo tenha revisões para ser realizadas ou autores têm que fazer essas revisões solicitadas. Isto ocorre para contribuir para a qualidade do trabalho a ser publicado.
Neste processo de avaliação por pares, o artigo pode ser aceito para publicação com correções a serem feitas, aceito para publicação sem correções ou recusado. Na maioria das vezes, os avaliadores solicitam alterações. Todo este processo de comunicação entre os autores e os avaliadores é arbitrado por um ou vários editores que compõem o comitê científico da revista. O “vai e volta” pode fomentar um grande desenvolvimento das proposições e hipóteses.
Revisão por Pares na Cardano
Portanto, a revisão por pares, pela qual o projeto Cardano revisou mais de 20 artigos, existe para garantir que periódicos, revistas e congressos das diversas áreas de pesquisas publiquem ou apresentem estudos de maior qualidade. Ou seja: pesquisas que tragam um maior benefício para toda a comunidade científica.
Este processo é importante para garantir que premissas, argumentos e conclusões sejam suficientemente válidos. A seguir imagens que ilustram este processo na revisão do paper do protocolo “Ouroboros” em um congresso:
Confira a palestra da Aggelos Kiayias na 37ª Conferência Internacional de Criptologia. O evento foi realizado na Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara (UCSB), de 20 a 24 de agosto de 2017. A conferência é patrocinada pela Associação Internacional para Pesquisa Criptológica (IACR), em cooperação com o Departamento de Ciência da Computação da UCSB.
Outro exemplo de paper revisado e aceito no Simpósio IEEE de Segurança e Privacidade 2019:
•ia.cr/2018/1132
Demais papers do projeto Cardano podem ser encontrados na página da IOHK:
•https://iohk.io/research/papers/
Comparativos
Cardano é um projeto baseado em pesquisas multidisciplinares revisadas por pares. É possível compará-lo a uma versão descentralizada e opensource (código aberto) de instituições de pesquisa não-universitárias (baseadas em revisão por pares acadêmicos). Um trabalho semelhante ao da “Sociedade Max Planck”, a qual trabalha pesquisas multidisciplinares em temas como ciência de base, ciências naturais e computação.
As filosofias são semelhantes, mas o projeto Cardano conta com um orçamento pelo menos 130 vezes menor levando-se em conta um prazo de 4 anos para o projeto e o valor arrecadado em seu ICO (anualizado). Outra diferença é que, no caso do Cardano, o trabalho é orientado a entrega de uma solução específica em Blockchain, e não pesquisas em ciências de base e naturais como na Sociedade Max Planck.
A Sociedade Max Planck conduz pesquisas de base nas ciências naturais, ciências da vida e humanidades. Desde a sua fundação em 1948, 18 vencedores do prêmio Nobel surgiram de suas fileiras. A Sociedade Max Planck, com seus 84 Institutos e instalações Max Planck, é o principal centro internacional da ciência alemã. Financiada pelos governos federal e estadual da Alemanha, a Sociedade Max Planck teve um orçamento anual de 1,8 bilhões de euros em 2018.
Prós e contras
O processo de revisão por pares tende a elevar a qualidade das publicações. No entanto o processo costuma a ser demorado. Existem algumas críticas recorrentes ao método tradicional de revisão. Envolvendo alguns pontos como:
• má arbitragem editorial;
• modelo econômico predatório adotado por revistas;
• defasagem do método de comunicação e distribuição de materiais de pesquisa;
• falta de tempestividade;
• falta de incentivos para revisores gerada pelo anonimato;
• falta de imputabilidade do revisor do manuscrito;
• sistema muito conservador com proposições muito novas;
• sobrecarga de manuscritos sobre os revisores;
• falta de transparência nas arbitragens;
Tais problemas estimularam um aumento no volume de projetos de artigos publicados sem o método de revisão tradicional. Como o aumento da produção e publicação de “textos para discussão (working papers)”. Além da proliferação de uma série de sistemas com outros fluxos editoriais e de revisão: como indexadores e servidores de preprints. Abaixo separamos uma imagem comparando 2 fluxos. Um fluxo tradicional de revisão por pares e outro alternativo utilizando servidores de preprint.
Reparem que no fluxo alternativo, em servidores de preprint ou em publicação de versões primárias como working papers, o manuscrito é disponibilizado à comunidade acadêmica muito mais rápido.
Exemplo de servidor de preprints brasileiro (IMPA):
•https://institucional.impa.br/preprint/index.action
Vídeos interessantes sobre o assunto:
Entrevista
Para exemplificar melhor o fluxo de revisão por pares trouxemos neste artigo a contribuição de um pesquisador brasileiro com experiência no processo de revisão por pares. Thiago Reis é formado em Sistemas de Informação, professor de Computação e pesquisador na área de Ciências da Computação.
Perguntas
- Ano passado um pesquisador brasileiro da IOHK (Mario Laranjeira) se reuniu com membros do CNPq na embaixada do Brasil em Tóquio. O que faz o CNPq? Qual sua diferença em relação ao CAPES? Já teve alguma experiência com essas instituições de pesquisa ou alguma outra?
- Como foi sua última experiência de publicação e revisão? Periódicos, conferências, palestras, orientador etc.
- Quais as vantagens e desvantagens que você vê no processo de publicação e revisão por pares? (single blind, double blind, open, etc)
Respostas de Thiago Reis
- A CAPES e CNPq são dois importantes órgãos financiadores de pesquisas brasileiras e concedem bolsa para alunos e professores de diferentes níveis, desde o ensino médio com bolsas de iniciação científica, passando por mestrado, doutorado e até pós-doutorado. Durante o período de mestrado e doutorado fui bolsista CAPES e hoje já consegui nos projetos de iniciação científica bolsa de iniciação científica para meus alunos.
- Anualmente venho sempre publicando e participando de congressos na minha área de pesquisa. Minha últimas publicações foram na área de jogos digitais para o ensino de computação e informática na educação no ano de 2018 e é sempre bom contribuir para a melhoria e evolução na minha área de pesquisa.
- A revisão por pares é um processo que têm como objetivo contribuir com a melhoria da pesquisa.
Mercado de publicações
O mercado de publicações pode ser visualizado em muitas métricas. Em grande parte delas o Brasil não figura muito bem. Segundo o Portal SCImago, que publica rankings quantitativos acerca do grau de produtividade acadêmica de países e revistas, o Brasil se encontraria em 15ª colocação em termos de produtividade acadêmica.
SCImago é um portal que utiliza uma base de metadados do banco de dados Scopus (Reed-Elsevier), que indexa o conteúdo de 24.600 títulos ativos e 5.000 editores que são controlados e selecionados por um conselho de revisão independente. Usando ferramentas e análises geram resultados de citações, perfis detalhados de pesquisadores e insights.
Ainda por meio deste ranking, podemos ter um overview quantitativo sobre áreas de estudo específicas. Por exemplo, o ranking de revistas com publicações sobre o tema “Teoria dos números e Álgebra”
Outra ferramenta de visualização de métricas é o Google Scholar. Nela conseguimos ranquear periódicos por métricas de publicação e citação:
Outro ponto diz respeito à concentração econômica no mercado de publicações. Uma análise recente sobre artigos científicos publicados no banco de dados da “Web of Science” entre 1973 e 2013, descobriu que cinco empresas publicaram mais da metade deles desde 2006: Reed-Elsevier, Taylor e Francis, Wiley-Blackwell, Springer e Sage.
Um indicador brasileiro sobre este tipo de métrica seria a estratificação indicativa de qualidade Qualis CAPES. Os estratos tem um viés qualitativo. A classificação de periódicos é realizada pelos Coordenadores indicados por seus pares por um período de três anos para as 49 Áreas de Avaliação que definem critérios próprios de classificação das revistas para cada área. A atualização da lista de Periódicos do Qualis ocorre anualmente e enquadra os títulos das revistas em estratos indicativos de qualidade:
A1, o mais elevado; A2; B1; B2; B3; B4; B5; C.
Pesquisadores brasileiros
A IOHK (engenharia e pesquisa) tem pelo menos dois brasileiros em postos importantes para o projeto Cardano.
No último ano, Mario Laranjeira se encontrou com representantes do CNPq na embaixada do Brasil em Tóquio, Japão.
Glossário
•Paper ou Artigo: um texto acadêmico publicado. O termo é usado para artigos de revistas ou artigos de periódicos.
•Preprints e Working papers: referem-se a um tipo de distribuição de material antes de sua publicação formal. O preprint pode diferir da publicação final em um periódico tradicional. Autores pretendem publicá-lo em um local mais formal (revista, livro, etc.), mas querem distribuir de antemão (os preprints costumavam ser distribuídos aos colegas como fotocópias, mas hoje circulam principalmente por e-mail ou repositórios).
•Manuscrito: é, nas palavras do New Oxford American Dictionary, “um texto de autor que ainda não foi publicado”. Qualquer texto que não tenha sido publicado de qualquer forma é um manuscrito.
•Rascunho: o mesmo que um manuscrito, exceto que ele insiste no estado inacabado do manuscrito.
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