CEO da Anubis Trade prevê futuro “pesado” para criptomoedas no Brasil caso regulamentação não seja mais branda

Em entrevista sincera e reflexiva sobre o mercado brasileiro de criptoativos, Matheus Grijó, CEO da Anubis Trade, afirma que empreendedores brasileiros têm alto potencial de inovação, mas que as recentes regras advindas para regulamentar o mercado correm o risco de sufocá-lo.

A solução, para ele, seria que os legisladores ouvissem mais a comunidade e que o Brasil se inspirasse no exemplo de países crypto-friendlys, como Malta e Suíça, abandonando assim a atual postura, de esperar uma decisão dos EUA para copiá-la.

Grijó acredita que o mercado brasileiro está amadurecendo, mas vê no momento atual uma exaustão parecida com a que o Bitcoin viveu no boom de 2017.

O CEO explica ainda que um dos motivos de ter migrado sua empresa para as Bahamas este ano foi para manter a privacidade dos clientes, que considera um dos pilares do Bitcoin e também da Anubis.

Matheus Grijó, CEO da Anubis
Para Grijó, legisladores precisam ouvir mais a comunidade antes de criarem regras

Para o entrevistado, “dar informação às pessoas” é o melhor caminho para combater golpistas e piramideiros, e ele fala também sobre como a Anubis recebeu os recentes posicionamentos da CVM.

Formado em ciências da computação, Grijó tem intenso histórico de atuação na área de TI, principalmente na área de inovação e segurança, incluindo trabalhos para empresas como Bradesco, Itaú, Xerox do Brasil, Johnnie Walker, banco Ibi, Santander Totta e banco Espírito Santo, ambos de Portugal, e bancos de outros países da Europa.

Confira, abaixo, a íntegra da entrevista.

[lwptoc]

Resumidamente, como é sua história no mercado de criptomoedas?

A minha história no mercado de cripto começou em 2013 quando eu conheci efetivamente o Bitcoin através o BitcoinTalk, que é o fórum do Satoshi Nakamoto. Após isso, fiz algumas experiências com Bitcoin quanto à própria tecnologia em si, um estudo da própria tecnologia de blockchain, mas não a usava como meio de pagamento.

Fiquei uns três meses estudando isso. Depois disso, comecei a me interessar financeiramente pelo Bitcoin em 2016. A partir daí, passei a trilhar um caminho mais ligado ao lado financeiro do Bitcoin, comecei a minerar Bitcoin, a ter bitcoins em carteiras, a começar a usá-lo como moeda mesmo. Também trafegava valores entre uma ponta e outra a fim de pagar serviços e produtos, a ter uma relação mais estreita e estou com essa relação até hoje.

Como você percebeu a evolução do mercado antes e depois das quedas de 2017/2018?

A evolução do mercado, como eu comecei em 2013, 2016 já foi um baque. Em 2011 e 2012 eu já fazia trades na Bolsa de Valores, eu já tinha um bom conhecimento do mercado financeiro tradicional e fazia um pouco de Forex. Então, de 2013 a 2016, já vi um baque muito forte no mercado e vi que aquilo tinha muito futuro.

No final de 2017, eu senti que o mercado estava realmente em exaustão, era uma hype muito grande. Apesar de ter comprado Bitcoin em um valor muito caro, ali próximo dos US$ 20 mil, dentro de mim eu já sabia que aquilo ali era uma euforia e estava entrando em exaustão o mercado, assim como eu acredito que hoje, 15 de agosto de 2019, acho que o mercado está entrando em exaustão também.

Apesar disso, acho que o mercado como um todo vem se amadurecendo cada vez mais. As pessoas não estão mais tão eufóricas como antes. Principalmente os novos entrantes não estão mais eufóricos, não estão mais gastando tudo para comprar moeda em si; os mais antigos eu vejo que estão cada vez mais cuidando, amparando os mais novos, até para não fazer besteira de comprarem tantas altcoins e tudo o mais. Então eu acho que está ficando cada vez mais maduro, como qualquer ativo financeiro deve ser.

Como você vê as instruções atuais da Receita Federal sobre criptoativos e o que elas causam ao mercado?

No Brasil, qualquer produto ou serviço que não é regulado é considerado ambulante. Eu não sou minimamente a favor das instruções normativas da Receita Federal, mas em contrapartida todo lado ruim da história tem um lado bom: regulando o mercado talvez isso chame mais a atenção da população em relação à adoção de criptomoedas, porque, quando o estado regula algo, isso traz um conforto para a população de maneira geral, e essa regulamentação previne um pouco a questão das fraudes financeiras envolvendo pirâmides ou até outros tipos de fraudes mais engenhosas.

Então toda a regulamentação tem o seu lado ruim, que é sempre superior ao seu lado bom, mas também a gente não pode crucificar como um todo. Eu acho que cada legislação, cada normativa, além de abocanhar um pedaço da coisa, também vem para proteger o cidadão. Eu acho que o Estado, meio que intrinsecamente, tem esse dever. Eu acho que é isso o que ele busca, além de regulamentar como parte de rentabilizar isso para ele.

Como é a história do Anubis e por que a decisão de levar a empresa para o exterior?

A história da Anubis é bem simples. Ela surgiu no finalzinho de 2017, começo de 2018, dezembro de 2017, no meio do boom. A Anubis, como todos os meus projetos, começou como open source, dentro do BitcoinTalk.

A Anubis era um robô que rodava dentro da Poloniex; cada usuário deveria ter o seu robô e rodar lá dentro. A gente teve bastante discussão lá dentro, construtivas na sua grande maioria, até um ponto em que peguei os robôs de todo mundo e coloquei todos eles online num servidor meu, até para facilitar para quem não tinha como ficar com o computador ligado e tudo mais.

O pessoal começou a gostar muito, mas surgiu um grande problema: o número de usuários para aquela época era relativamente alto para um produto open source, eu não ganhava absolutamente e, quando começou a ultrapassar 400, 500 usuários, o número de ordens que eram abertas, cada um com seu robô. Às vezes 60% dos usuários conseguiam completar as ordens, outros 40%, não.

Isso gerava uma discrepância entre saldo e rendimento para cada um. Foi aí que teve a história de juntar. No próprio BitcoinTalk, eu falei: “Está bem, pessoal. Está tendo essa discrepância, não está dando certo dessa maneira, então, a gente vai fazer o seguinte. Eu vou custodiar todo o saldo e passar o rendimento para vocês.” E foi assim que nasceu a Anubis, por essa deficiência de gerir as coisas e também nesse mérito de trazer esse robô para a frente. Depois, esse robô teve inúmeras modificações. Saiu da Poloniex, entrou na Binance, também na Bitmex, e chegou a como está atualmente.

E a decisão de ter a empresa no exterior foi, principalmente, para proteger o usuário de uma maneira geral, em relação à sua privacidade, que é um dos pilares das criptomoedas. Então a empresa no exterior, em Bahamas, ela está aberta, nossa matriz é lá, e hoje a gente tem usuários do mundo inteiro cadastrados, principalmente da América Central, da Colômbia, Equador.

Temos o pessoal da Europa também, Espanha, Portugal, então a decisão foi também uma junção de dois motivacionais. Um é que esses usuários internacionais estavam carentes de um site que tivesse a linguagem deles, que seja em espanhol e inglês, e sempre cobravam muito a gente. Então a gente aproveitou, como estava tendo essa rigidez da Receita e a gente queria manter a empresa sempre com as suas origens, com os seus pilares, assim como ela começou no BitcoinTalk, a gente resolveu colocar a matriz fora, empenhar um papel legal sobre esses clientes internacionais, e também preservar a identidades de todos os usuários, não só dos brasileiros.

As leis de Bahamas hoje são bem tranquilas com relação a criptos. Costumo dizer que elas são crypto-friendlys, igual outras ilhas ou outras nações. Então a gente está nesse patamar e vamos manter a Anubis em Bahamas, o nosso escritório, e começar a expandir, junto com Ángela Peña, que é a nossa economista-chefe da Anubis, ela á Colombiana, trabalhou na prefeitura de Bogotá, Colômbia, e tem muita experiência em criptoativos, então ela tem sido muito importante como um canal de ligação com a América Central e também para essa expansão.

Qual sua percepção sobre a questão das pirâmides que usam BTC como fachada?

Infelizmente, como o Bitcoin é um ativo que preza pela liberdade – você é seu próprio banco -, foge de regulamentação e porque, teoricamente, ele é anônimo, as pessoas realmente usam esse artifício para dar golpes. Isso é uma coisa muito triste. Muitas pessoas que conhecem o Bitcoin pela primeira vez conhecem através das pirâmides.

É algo que tento combater ao máximo. Como membro ativo da comunidade, a gente tenta combater isso ao máximo, explicando para as pessoas novas, entrantes no mercado, que, realmente, se tal empresa tiver determinados requisitos, a grande probabilidade é de que seja uma pirâmide. Não vejo uma solução ainda muito fácil para golpistas como esses.

Acho que realmente o preventivo, dar informação às pessoas, ainda é o melhor caminho, definir bem o que a gente pode dizer sobre golpes para essas pessoas e assim educá-las para não caírem nisso.

Acho que como o Bitcoin foi um ativo que valorizou muito, as pessoas realmente acham que as pirâmides são legítimas por isso, porque vão valorizar muito, assim como o Bitcoin valorizou muito. Então, normalmente eles seguem essa linha tênue e acabam ludibriando as pessoas nessas questões.

Qual sua percepção sobre o endurecimento da CVM, ameaçando aplicar multas altas ao Atlas Quantum?

Eu não gostaria de comentar nada sobre qualquer empresa específica. Inclusive como concorrente e participante do mesmo mercado, não acho muito ético responder algo assim.

Só acho que as empresas que são de criptomoedas brasileiras e são sérias, eu quero que elas continuem trabalhando sério e que continuem prestando bons serviços à comunidade.

Você acredita que essa decisão da CVM pode ter alguma influência sobre o mercado da Anubis?

Sobre a Anubis, hoje ela é uma empresa de Bahamas e não veicula qualquer publicidade ou oferta dentro de mídias brasileiras, sejam elas jornal, televisão, rádio, plataformas brasileiras de marketing, e-mails marketing ou qualquer outro tipo de coisa.

A gente não oferece ao público brasileiro qualquer publicidade desse tipo e nem contrata. A gente não tem vínculo com o Brasil com relação a empresas de marketing nem contrata empresas de marketing.

Então a gente é uma empresa de Bahamas que está na rede mundial de computadores e que pode ser acessada, assim como qualquer outra empresa, assim como uma empresa de Malta ou uma empresa europeia.

E também a gente não infringe nenhuma regra brasileira. Até nosso idioma é o português de Portugal, nosso espanhol é o da Espanha e nosso inglês é um inglês britânico, no nosso site. A gente tenta sempre trabalhar de acordo com os países que são crypto-friendlys, que têm um certo gosto por criptos.

Como a gente é uma empresa de Bahamas, nosso site está no ar, e a gente não tem vínculo com nenhum tipo de publicidade ou direciona alguma publicidade para um público específico de um país específico.

E como a gente é uma empresa que não foca nisso, a gente tenta sempre andar de acordo com as regras e, por exemplo, com o Brasil, a gente é uma empresa que não faz publicidade direta. Então, perante isso, a gente está muito, não vamos dizer “tranquilos”, porque eu acho que pode acontecer de tudo, mas estamos muito confortáveis com a nossa posição em relação ao mercado. A gente está bem tranquilo em Bahamas.

Como você vê o futuro do mercado de criptos no Brasil?

Eu estava vendo um futuro muito promissor, desde 2017 até o momento atual. Fiz grandes amigos nesse mercado, grandes pessoas, que são muito sérias. O próprio Guto (Luis Augusto Schiavon, sócio-fundador da Foxbit), que veio a falecer, pessoas que eu posso citar aqui que fizeram engrandecer o mercado de criptoativos no Brasil, e pessoas que prejudicaram muito o mercado.

Eu acho que o Brasil ainda está um mix de engatinhamento entre pessoas que realmente conhecem criptos e pessoas que estão sendo ludibriadas por pirâmides, e nesse meio tempo ainda tem a questão regulatória do Brasil, que está dificultando ainda mais para as pessoas que estão a fim de empreender no país.

Eu vejo por exemplo que a Anubis, por si só, por ter alguns usuários brasileiros, no próprio site vai ter uma opção para a pessoa emitir os depósitos ou saques para a normativa. Caso a pessoa queira informar – todo brasileiro é obrigado a informar para a Receita caso tenha movimentações mensais acima de R$ 30 mil – ela pode emitir lá e ela mesma mandar para a Receita.

A Anubis não vai comunicar nada a ninguém porque ela é uma empresa de Bahamas. E, voltando à resposta, por meio da regulamentação, entre pessoas do mercado e pessoas que fazem pirâmides, o empreendedor brasileiro encontra uma dificuldade muito grande, principalmente aqueles que têm exchanges. Eu tenho amigos que têm exchanges, amigos que fazem trade, amigos que fazem arbitragem entre exchanges, eu mesmo sempre procuro fazer robôs para a comunidade, como foi o caso da Braziliex com a BitRecife, eu converso bastante com o pessoal, então eu sinto muito as dificuldades das pessoas. A própria ProfitFy, eu sinto muito a dificuldade das pessoas expandirem seus negócios no Brasil por conta da regulamentação.

E isso é muito triste porque, além da exchange ser algo que está começando a engatinhar e já tem que pagar ali as suas taxas, e cobrar barato dos usuários para poder realmente expandir o seu negócio no Brasil, ainda tem que pagar os impostos de uma maneira que está um pouco confusa, quebrando um pouco a privacidade das pessoas, sendo o responsável por todos os dados daquele CPF e movimentações financeiras… Então, caso o Brasil não seja mais resiliente e flexível na regulamentação dos criptoativos, eu vejo um futuro um pouco pesado, um pouco menos fomentado. Caso a regulamentação venha a ser mais branda e passe a dar vantagens ao empreendedor, sem ter aquela regulamentação básica, aí eu acho que tem muito a andar para a frente. Pelo que eu vejo do mercado, em todas as conferências de que participo, fóruns e discussões que tenho com pessoas do Brasil e de fora, o mercado brasileiro, o brasileiro em si, ele é fantástico. O ser humano brasileiro tem muito aquela síndrome de vira-lata.

A inteligência, as empresas que a gente teve aqui no Brasil, como a OriginalMy e diversas outras, o brasileiro é muito entusiasta das criptomoedas, as pessoas que conhecem são muito entusiastas, são solícitas, ajudam, então a matéria-prima está bem legal, só falta a gente ter um pouquinho de ajuda aí sobre a regulamentação para a gente poder deslanchar e todo mundo aproveitar isso, tanto o estado como as pessoas que empreendem.

O que o Brasil poderia fazer em termos de regulamentação para ser um terreno realmente promissor para as criptos?

Primeiramente, o Brasil é um país muito rico. Então ele tem muitas maneiras de flexibilizar o setor de criptoativos e essa regulamentação. Eu acho que o Brasil e os deputados envolvidos não escutam muito a comunidade em si, as pessoas que realmente entendem de criptoativos no Brasil. Eu acho que alguns novos estão escutando melhor, um do partido verde e um até que estava falando do meu canal, esqueci o nome dele. Eles estão tentando adentrar na comunidade e falar com pessoas que realmente conhecem porque muitas pessoas que propõem as leis, às vezes, não conhecem.

Até a gente vê isso muito comumente em ministros que são de determinada categoria e que não a conhecem, como ministro da Saúde que não é médico, enfim. Eu acho que falta para o brasil escutar um pouquinho mais as pessoas da comunidade, escutar as pessoas. Temos grandes economistas.

A Ángela Peña, que eu citei anteriormente, que tem uma grande experiência em relação a criptoativos, teve sua experiência na Colômbia, na regulamentação da Colômbia, que estava seguindo o mesmo caminho do Brasil, mas deu uma freada nessa regulamentação. Eu acho que o Brasil se espelha muito na economia americana, nos EUA, e está meio que esperando o que os EUA vão decidir e isso é muito ruim. O Brasil deveria se espelhar em países crypto-friendlys, por exemplo, Malta, que está sendo um berço das criptomoedas e outros países que estão sendo bem abertos com a regulamentação.

Eu acho que a criptomoeda não é um ativo comum. Eu acho que ela não se enquadra em nenhum conceito pré-existente, então realmente tem de ser feito tudo novo pela regulamentação. E a minha dica é que escutem mais os especialistas, principalmente da comunidade e pessoas que têm notoriedade e que são reconhecidas perante a comunidade e que se espelhem em países desenvolvidos, que têm economias muito abertas e pouco regulatórias, caso de Suíça, Malta e diversos outros países.

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Sui Teixeira
Sui Teixeira
Sui Teixeira é jornalista desde 2001, formada pela USP. Trabalha ainda como produtora de jingles, é programadora amadora e entusiasta de ciência e tecnologia.

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