Nos últimos meses, tenho me aprofundado cada vez mais nas discussões sobre a regulação do mercado cripto no Brasil. Participei de reuniões com parlamentares, representantes do Banco Central e membros da comunidade cripto, e percebo um padrão muito claro: o foco do governo está quase todo na tributação, não na proteção ou no estímulo ao setor.
Sim, a Lei 14.478 de 2022, o chamado Marco Legal dos Criptoativos, foi um avanço. Mas como bem pontuou meu amigo e advogado especialista Pedro J. T. Torres, essa é uma lei de eficácia limitada. Ou seja, depende de regulamentações infralegais para funcionar na prática. E enquanto essas normas não vêm, o investidor brasileiro segue exposto.
Mais do que isso, temos um problema grave de sobreposição normativa. Vários projetos de lei tramitam sem diálogo entre si, com propostas conflitantes, inclusive invadindo competências de órgãos como Banco Central e CVM. O exemplo do PL das stablecoins, do deputado Áureo, mostra isso claramente.
Enquanto isso, o resto do mundo avança. E o que vemos lá fora? Países criando segurança jurídica, clareza regulatória, atraindo capital e inovação. Separei abaixo os principais modelos que o Brasil deveria observar.
MiCA – União Europeia
Um marco comum a todos os países do bloco.
Registro obrigatório de exchanges.
Whitepapers supervisionados.
Regras sólidas para stablecoins.
Aqui no Brasil, nada disso é exigido por lei. Só se fala em imposto. E como destacou Pedro, mesmo dentro da UE, cada país ainda mantém autonomia para legislar localmente, o que mostra que descentralização regulatória pode funcionar.
Estados Unidos – DCCPA e autonomia dos estados
Nos EUA, além de projetos como o DCCPA no Congresso, cada estado pode legislar sobre cripto, o que cria um ambiente fértil para inovação, como vimos no Texas, Wyoming e Flórida.
No Brasil, não temos esse grau de autonomia entre entes federativos. E a insegurança jurídica nacional só cresce com a falta de coordenação entre governo federal, agências e parlamento.
Japão – Lei de Serviços de Pagamento
Segregação obrigatória entre o capital das empresas e os ativos dos clientes.
Seguro obrigatório contra ataques hackers.
No Brasil, isso ainda é opcional. O investidor está desprotegido, e mesmo assim o governo prioriza a arrecadação em vez da segurança.
Suíça – Blockchain Act
Reconhecimento legal dos tokens como ativos jurídicos.
Sandbox regulatório para inovação, inclusive com DEXs e smart contracts.
Aqui, os contratos inteligentes ainda não têm respaldo legal formal. E não temos um sandbox específico para blockchain.
Dubai – VARA
Criação de uma autoridade reguladora exclusiva para ativos virtuais.
Licenciamento com regras claras, foco técnico e rapidez.
No Brasil, o que temos é competição entre BACEN, CVM e Receita Federal, sem clareza sobre quem lidera a regulação de cada ativo.
Singapura – Lei de Serviços de Pagamento
KYC e compliance exigentes.
Estímulo à inovação com forte proteção ao sistema.
No Brasil, o KYC é exigido por normativos, mas não há padronização nacional nem fiscalização sistemática.
Cada país tem uma visão distinta sobre moedas digitais emitidas por bancos centrais. Incluir essa análise comparativa pode ajudar o Brasil a se posicionar melhor.
Tributação baixa atrai inovação. Países como Portugal, Suíça e Hong Kong reduziram ou eliminaram tributos, o que resultou em atração de empresas e capital estrangeiro.
O Brasil precisa sair da lógica de taxar primeiro e organizar depois.
Tributar criptoativos sem oferecer segurança jurídica, proteção ao investidor ou estímulo à inovação é matar o potencial desse mercado.
Que o Congresso Nacional e o governo federal ouçam os especialistas, olhem para o mundo e atuem com responsabilidade.
Agradeço ao amigo e especialista Pedro J. T. Torres pelas excelentes contribuições. Seguimos juntos nessa construção aqui em Brasília.