Instrução da Receita Federal deve empurrar crimes para o “mercado paralelo”, diz especialista em direito digital

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A instrução normativa 1.888 da Receita Federal, que obriga exchanges e pessoas a prestarem contas de seus investimentos em criptomoedas, não deve ter sucesso contra crimes envolvendo criptomoedas, que devem continuar existindo no mercado paralelo.

Essa é a opinião do especialista em direito digital Spencer Toth Sydow, advogado, doutor e mestre em direito penal informático, professor de graduação e pós-graduação, além de presidente da Comissão Estadual de Direito Digital da OAB-SP.

Divulgada nesta terça (7/5), no Diário Oficial da União, a instrução emitida pela Receita Federal era esperada há meses pelo mercado. Seu objetivo é permitir que os órgãos do estado tenham condições de acompanhar e fiscalizar o mercado de criptomoedas, identificando condutas inadequadas ou criminosas.

Se você quer saber os detalhes da instrução, vale ler nosso texto “Receita obriga exchanges a prestar contas mensais sobre movimentações em criptomoedas”.

“Terceirização da produção de dados”

Como explica o advogado, a instrução da receita cria um tipo de regra de compliance, ou seja, cria um procedimento administrativo que a iniciativa privada é obrigada a seguir. Dessa forma, “a instrução entrega para o agente privado [leia-se exchange ou pessoa física] a obrigação de registro ou apuração de responsabilidade”, aponta.

Como essencialmente se trata de dados de movimentação financeira, esses registros podem ser usados para encontrar ações de lavagem de dinheiro ou ocultação de patrimônio, entre outros crimes. Neste caso, se a exchange não reportar os dados, ela teria responsabilidade criminal por deixar de registrar.

Parece funcional, certo? Pero no mucho.

Sydow explica que, para que essa responsabilidade seja apurada, a existência do registro é fundamental. Caso este deixe de ser feito, fica impossível apurar e responsabilizar seja a empresa, sejam as pessoas envolvidas. Por isso, o advogado afirma que a instrução “delega a identificação do ato ilícito para o particular”. Em resumo, se uma exchange deixar de registrar uma movimentação ligada a um crime, dificilmente alguém será punido.

Em tese, isso deveria ser resolvido pelas multas.

Multas inócuas

Uma multa serve, essencialmente, para desestimular uma conduta inadequada ou criminosa. No caso da instrução, deveria servir para que as exchanges e pessoas jamais deixassem de declarar suas movimentações.

Entretanto, na avaliação do especialista, as multas determinadas pela instrução são baixas demais (a maior é de 3%), não tendo o poder de evitar as condutas que querem combater.

“As multas são insignificantes. Aplicar multas nesses valores não necessariamente vai coagir os agentes a cumprirem as questões de registro”, analisa Sydow. “É tão baixinho que vale a pena pagar a multa”, completa.

Além disso, não há nenhuma garantia de que o estado vá descobrir que um registro deixou de ser feito. Dessa forma, não existe uma multa, mas sim o “risco de ser multado”. Isso num mercado que trabalha com riscos altíssimos como é o de criptomoedas.

“Dependendo do volume da operação, o agente não registra e arca com o risco de levar a multa. É mais compensador. Isso vai estimular o mercado paralelo”, analisa.

Sydow traz ainda o exemplo das porcentagens envolvidas em ações de lavagem de dinheiro: “Criminosos às vezes trabalham para obter 20%, 30%, 35% do valor lavado, então, uma multa de 3% não inibe esse tipo de conduta”.

Bye bye Brasil

O especialista diz ainda que a instrução deixa outro espaço para que as exchanges continuem a não declararem suas movimentações. Isso acontece porque só as pessoas jurídicas brasileiras são obrigadas a declarar. Ou seja, uma empresa poderia facilmente ter um CNPJ em outro país e realizar algum tipo de câmbio só na entrada e saída dos recursos.

Aumento da confiabilidade

A boa notícia é que a instrução tende, sim, a permitir que o governo e a sociedade em geral adquiram uma visão mais clara do mercado oficial de criptomoedas e que as empresas envolvidas passem a trabalhar de forma mais transparente, aumentando a confiança geral.

Na visão de Sydow, isso ajudará os operadores a saberem o volume real negociado pelas exchanges e que esse volume tende a ser proveniente de recursos lícitos. “Vai ajudar, pois as exchanges vão ter de respeitar a instrução”.

Com dados mais confiáveis sobre a movimentação financeira das criptomoedas, ganha a sociedade, ganha o fisco, ganha o país e ganha o mercado de ativos digitais no Brasil, que pode aumentar sua profissionalização e dar passos mais firmes ocupando espaços positivos no crescimento internacional.

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Sui Teixeira
Sui Teixeira
Sui Teixeira é jornalista desde 2001, formada pela USP. Trabalha ainda como produtora de jingles, é programadora amadora e entusiasta de ciência e tecnologia.

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