O que fazer com suas GPUs além de apostar na criptomoeda Grin

Este artigo inclui uma tradução adaptada do texto “The Video Miner – A Path to Scaling Video Transcoding“, de Doug Petkanics e Philipp Angele.

A hipercompetitividade na indústria da mineração de criptomoedas se revelou letal ao longo do bear market de 2018. O desaparecimento das margens de lucro deve continuar a surtir o efeito de centralizar atividade mineira em algumas operações de larga escala, tornando cada vez mais difícil ao indivíduo comum gerar lucro minerando criptomoedas – especialmente bitcoin. São raras as oportunidades de mineração que parecem lucrativas para operações menores – Monero, Grin, Livepeer e outras, aqui e acolá. 

mineradores, criptomoedas

Artigo recente da Bitcoin News mostrou que dois conglomerados de mineração de criptomoedas estão entre os maiores consumidores de energia elétrica da Geórgia – o país, não o estado americano. Curiosamente, a vizinha Armênia tem tentado aprovar lei tributárias e políticas de preço de energia sedutoras o suficiente para atrair investimento de operadoras de cripto-hardware.

Fazendas de mineração gigantes vão prosperar somente onde forem lucrativas. Mas vão continuar se proliferando. Mineração com GPU segue sendo não lucrativa na maioria das moedas (salvo exceções, abaixo) e geografias, o que deve fazer com que o vácuo deixado pelos titãs caídos ano sim, ano não, seja preenchido por operações de ASICs de larga escala em estados pós-Soviéticos e nações subdesenvolvidas que manejem arbitragem regulatória para atrair o dinheiro de pools de mineração.

Minerar em hardware comercial, hoje, é menos como “coletar pepitas de ouro” e mais como “juntar poeira de ouro”. Mesmo gente que monta rigs caseiros com 4 GPUs e vive em zona de energia barata batalha pra passar de U$10 de lucro por dia. Isso que comprar 4 AMD RX 580 é um investimento considerável, que a maior parte das pessoas simplesmente jamais faria.

Mas a mineração com GPUs têm sobrevivido ao longo dos anos, em parte pelo ímpeto hobbyista de se participar de redes de criptomoedas, em parte por direcionamento explícito de algumas das maiores moedas do mercado (que buscam ser “amigáveis a GPUs” através de algoritmos que dão vantagem às placas em relação a ASICs). Também há de se considerar o caráter especulativo que a atividade pode adquirir.

Spec mining é um termo que denota o investimento em mineração de moedas incipientes, antes que ganhem escala, e que podem adquirir valor com o tempo. A prática se popularizou durante a primeira grande onda de altcoins, entre 2011 e 2012, e sobreviveu ao advento dos ASICs em larga escala abraçada a lendas de moedas outrora pequenas que catapultaram seus primeiros mineradores para fortunas impensadas.

GPUs hoje só são competitivas em algumas moedas de proof-of-work recém-lançadas (para as quais ainda não há ASICs) ou naquelas cujo algoritmo incorpora uma decisão de design que favorece placas gráficas. Independentemente do prospecto de lucro, tem gente que pratica, de novo, por puro hobby, ou para colher frutos no futuro (motivação equivalente à de se levantar um nó na Lightning Network e acumular canais abertos, hoje).

Exemplos de algoritmos de mineração amigáveis a GPUs funcionando em moedas relativamente grandes, hoje, são o CryptoNight (Monero) e X16R (Raven). Em 2019, um que entra sob os holofotes é o Cuckaroo, algoritmo resistente a ASICs da Grin. Você já ouviu falar dela.

Na verdade, a Grin depende de 2 algoritmos-chave em seu proof-of-work – o Cuckatoo, que é propenso a ASICs, e o Cuckaroo, anti-ASIC, que pode ser minerado por CPUs e GPUs. Ao menos incialmente, 90% da emissão é direcionada para mineradores do Cuckaroo. Essa proporção deve desacelerar o desenvolvimento de ASICs e encorajar um mercado com oferta de hashrate distribuída. Espera-se que o Cuckaroo, inclusive, forke a cada 6 meses – em modelo similar ao adotado pela Monero.

A boa notícia é que tem um tipo de cripto-mineração novo (2018), que faz uso de uma parte subutilizada da maioria das placas gráficas do mercado, e que pode gerar receita adicional a mineradores que já usam GPUs em suas operações.


Minerando vídeo

A Livepeer é um mercado de serviços de processamento de vídeo, daqueles que são necessários a quaisquer desenvolvedores integrando imagens em movimento a suas aplicações – e cujas maiores ofertas vêm dos próprios Youtube e Facebook. Startups que integram vídeo a seus produtos sofrem com preços altos (mesmo que subsidiados até certa escala) e a necessidade de se pagar pelo serviço provido na infraestrutura de um competidor.

Conectando-se à rede da Livepeer, mineradores de criptomoedas podem “alugar” partes ociosas de suas GPUs para quem demanda serviços de processamento de vídeo.


Uma vez que em placas gráficas os chips usados para encoding de vídeo (NVDEC+NVENC) ficam separados dos chips usados para computação de propósito genérico e hashing de criptomoedas (unidades CUDA), pode-se operar ambas as atividades concorrentemente –
transcoding de vídeo e mineração de Ether, por exemplo – com um aumento aproximado de 10% no gasto de energia elétrica.


Mais margem para mineradores

Uma única placa Nvidia GTX 1080 consegue, hoje, minerar criptomoedas (usando suas unidades programáveis) a um retorno aproximado de U$0,70 por dia. Nas mesmas 24 horas, ela pode transcodificar com bitrate adaptativo 48 horas de vídeo (usando suas ASICs internas dedicadas à encodificação/decodificação – NVDEC+NVENC).

A razão pela qual a maioria das GPUs tem ASICs dedicados a funções específicas de vídeo é a demanda ubíqua por qualidade de streaming e renderização de games, por parte do mercado.

Para efeito de comparação, o Elemental MediaLive da Amazon AWS cobra U$3,00 pelo mesmo serviço (48 horas de vídeo transcodadas). Sendo assim, uma única placa gráfica pode render streams de vídeo a um valor de mercado de U$144,00 todo dia (48 x 3), com a incorrência de somente 10% adicionais em custos operacionais (energia) para o dono da placa.

$0,70 em criptomoedas mineradas
+$144,00 em vídeos transcodados

O gap entre o preço comercial e o que é possível cobrar por essa atividade + a subutilização de recursos gráficos esparsos é o que inspira a Livepeer a criar um mercado aberto de serviços de transcoding. Há bastante espaço entre os U$144,00 precificados por uma solução tradicional e o custo elétrico incremental que um “minerador de vídeo” absorve ao fornecer o serviço. Sobra margem tanto para que se estabeleça receita adicional para esse minerador (o lado da oferta) quanto para que se ofereça descontos substanciais para desenvolvedores buscando soluções de vídeo (o lado da demanda).

Entram também na equação os requerimentos de banda larga impostos pelas características de um job de transcoding médio. Estima-se entre 4-8mbps de download e 4-8mbps de upload por job. Um setup de mineração com 8 placas gráficas pode lidar com 16 streams simultâneos, o que requer algo como 64 mbps de download e mais o mesmo de upload (mais overhead no processo de transcoding e congestão de rede).

O preço da banda larga varia dependendo do lugar do mundo em que se fala. Um minerador em Dubai, com uma conexão de fibra do Google, pode chegar a pagar uma ordem de magnitude a menos por banda que um par seu em Dubai. Se essa modalidade de mineração escalar, é provável que a competição se acirre na busca por fontes de banda mais baratas, assim como acontece com a concentração atual de mineradores em núcleos de eletricidade a custo baixo.

Levando-se em conta os fatores acima, e a existência de galpões de mineração de criptomoedas com 10,000, 100,000 e até 500,000 GPUs mundo afora, é plausível projetar que a oferta dormente atual pode, em teoria, absorver boa parte da demanda somada de Youtube, Facebook e Twitch.


As GPUs que mineram criptomoedas hoje poderiam suportar todo o processamento de vídeo do mundo?

A pergunta soa desvairada, mas a resposta é positiva – sim, é factível.

A hashrate na rede da Ethereum, de cerca de 170,000 GH/s, aponta para o equivalente a aproximadamente 4,250,000 placas Nvidia GTX 1080 minerando concorrentemente, com uma hashrate média de 40 MH/s. A 100% de dedicação, esse volume de GPUs consegue fazer transcoding de bitrate adaptativo para algo perto de 10,000,000 transmissões ao vivo simultâneas. Mesmo que se leve em conta uma quantidade considerável de placas AMD 480 no montante (20 MH/s e capazes de transcodar, em qualidade um pouco pior, um transmissão ao vivo por vez), a oferta excede significativamente a demanda representada pelos maiores sites de vídeo do mundo.

Youtube

O Youtube frequentemente menciona em press releases receber 300 horas de vídeos novos por minuto. Soa como um monte de conteúdo, mas para uma fazenda de GPUs, onde chips especializados em codificar/decodificar vídeos estão ociosos, não é tanta coisa assim.

Transcodar esse montante, assumindo que trata-se de material em 1080p30 H264/AAC, em tempo real, levaria:

300h * 60m = 18,000 minutos
/ 2 minutos de conteúdo processado por minuto em cada placa
= 9000 placas gráficas para transcodar o conteúdo em tempo real

Na prática, os transcoders do Youtube processam vídeo ainda mais rápido do que em tempo real, mas o cálculo nos dá uma ideia da quantidade de GPUs necessárias para absorver a carga. Dedicar o dobro de GPUs à tarefa cortaria o tempo pela metade – e assim por diante.

Twitch

O Twitch tem estatísticas públicas que mostram até 55.000 transmissões ao vivo simultâneas, em horários de pico.

Transcodar todo esse conteúdo em tempo real requer 22.500 GPUs. Mas o Twitch só transcoda para bitrae adaptiva transmissões de usuários parceiros de seus programas premium ou que têm no mínimo 50 pessoas na audiência (valor estimado). O resto dos streams é transmitido normalmente em uma única qualidade, muitas vezes travando, tendo qualidade subótima ou até caindo recorrentemente por falta de banda larga no recipiente.

Transcoding de alta qualidade (multi-bitrate) para a cauda longa (poucos espectadores por transmissão) é caro demais. Mas uma queda dramática nos preços de serviços de processamento de vídeo pode mudar isso, e permitir a muitos broadcasters alcançarem audiências maiores, com velocidades de conexão distintas.


Como funciona na prática?

Apesar de a main net da Livepeer ter sido lançada somente em maio de 2018, já há um leque de recursos para quem quer começar a minerar.

Pode-se interagir com a rede de diversas maneiras. Nós da Livepeer hospedam uma espécie de servidor de mídia; é possível se conectar com eles pelo OBS ou aplicações web para processar seus livestreams. Um player hospedado em https://media.livepeer.org pode ser replicado ou embedado em qualquer site. O token LPT pode ser transferido pela MetaMask ou outras carteiras compatíveis com ERC20s. Estatísticas de transcoders na rede podem ser vistas em https://explorer.livepeer.org. As bibliotecas de código são abertas, inclusive a contribuições.

Nos bastidores, a Livepeer emprega um processo passivo de validação que aspira se adaptar à natureza não-determinística de transcoding feito por chips especializados. Este é um foco de P&D inesgotável, e problema aberto de pesquisa. O approach atual se baseia em 3 vias.

Checa-se aspectos elementares dos streams processados como codec, framesize, framerate, GOP, samplerate, etc, com ffprobe, que é parte da família ffmpeg, e basicamente se determina se o job foi executado corretamente.

A qualidade do encoding pode ser verificada com VMAF, que é uma ferramenta estatística lançada pela Netflix em código aberto, capaz de prover pistas sobre se o provedor de serviço tentou simplificar o processo de codificação.

Hashes da entropia do vídeo (como em fingerprinting) podem ser criadas para validar se o conteúdo foi danificado/falsificado durante o processo para minimizar o risco de fraude.

Os mecanismos não são compulsórios, mas sim ativados em caso de disputa (as computações ordenadas em um contrato que usa o serviço da TrueBit) – situação que coloca depósitos prévios (stake) de transcoders em risco, e, em essência, incentiva o comportamento saudável entre participantes da rede.

A Livepeer depende de um sistema de delegação de stakes (qualquer um pode delegar seus tokens) para garantir sua segurança e aumentar o custo de eventuais ataques. Uma curva inlacionária emite novos tokens todos os dias para transcoders (proporcionalmente a seu trabalho performado no período e stakes) e usuários que delegaram seus tokens (proporcionalmente à quantidade delegada e trabalho performado pelo delegado). A política desincentiva a não-participação na rede, e a inflação cai conforme a participação aumenta.

A taxa atual de participação no sistema é de pouco mais de 25%.

Dados públicos indicam que, no fim de janeiro de 2019, a rede emite cerca de U$ 25.272 por dia (o que equivale às emissões diárias de Dogecoin). São ~11.579.500 LPT circulantes, 0,097% de inflação por dia (caindo conforme sobe a taxa de participação no sistema) e um preço de U$2,25 por LPT. LPT já são negociados na Poloniex, na Radar Relay e em outras DEXs de menor liquidez, além de mercados de balcão (OTC).

Aos poucos, a rede está abrindo portas para casos de uso outrora inviáveis de se sustentar em escala, sem que seja preciso montar infraestrutura própria ou pagar pela infraestrutura de um concorrente. Diversas startups de vídeo passaram pela trajetória de sucesso parabólico que, em poucos meses, acabou gerando contas multimilionárias de processamento e streaming, ferindo a capacidade de se manter operacional.


E a demanda?

Todo mercado de n>2 lados passa por um período em que pesa o dilema do “ovo-ou-da-galinha”. Quanto mais mineradores de vídeo a Livepeer tiver, mais confiável e de bom custo-benefício vai ser o serviço provido. Quanto mais usuários demandando o serviço, mais mineradores de vídeo se prontificarão a competir pelo trabalho. O mecanismo que o protocolo emprega para acelerar crescimento no lado da oferta é a política inflacionária, que recompensa mineradores já operantes, em detrimento daqueles que vierem a operar no futuro.

Em 2018, a rede foi usada para a transmissão ao vivo dos eventos da série ETH Global (ETH Denver, ETH Buenos Aires, ETH India, ETH Berlin, ETH San Francisco e ETH Singapore, com múltiplos palcos); da DevCon; de todos os calls entre core developers da Ethereum; de alguns meetups pelo mundo; e de shows ou sessões de bandas independentes na Europa e América Latina. Durante o período inicial de distribuição do token (MerkleMining, uma espécie de aidrop que requeria participação ativa para se adquirir moedas), transações envolvidas no mecanismo chegaram a representar 30% das transações totais na Ethereum.

Em 2019, a Livepeer passará pelo eu primeiro grande upgrade em produção – nomeado Streamflow. Entre as melhorias previstas, um aumento na capacidade de transcoders ativamente competindo por trabalho em um determinado momento (atualmente limitado a 15) e facilitação das operações / aumento de confiabilidade por parte do transmissor.

É importante lembrar que a rede está em versão alpha (ainda que 100% funcional), e longe do estado maduro em que um mercado de taxas alimentará transcoders competidores com subsídio inflacionário substancialmente menor – as taxas foram irrisórias nos primeiros 6 meses do protocolo em comparação com o incentivo inflacionário dirigido a mineradores e usuários participando do processo delegatório.


Estado atual

10 milhões de LPT foram gerados no bloco gênese da Livepeer. Já já mais de 11 milhões de tokens em circulação. Dados em tempo real da rede podem ser vistos em https://scout.cool/livepeer/mainnet.

Dados em tempo real da rede Livepeer. Fonte: Scout.cool.

Tokens continuam a ser minerados a cada dia, de acordo com a inflação corrente, definida pelo protocolo. Os dados detalhados sobre a alocação do bloco gênese são públicos.

Fonte: https://github.com/livepeer/wiki/wiki/Livepeer-FAQ

 

Supõe-se que alguns dos fundos de maior renome na indústria tem posições compradas no ativo, a julgar por cartas públicas e apresentações – Multicoin, DCG e CoinFund, por exemplo.


Conclusão

A Livepeer desvela oportunidades na interseccão das indústrias de mineração de criptomoedas e serviços de processamento de vídeo. Sua proposta começa por dar novo uso a recursos ociosos nas ditas “fazendas de GPUs”.

Se bem sucedida, pode criar um mercado competitivo em custo-benefício, e dar origem a uma solução mais barata para desenvolvedores de aplicativos que integram vídeo, aparelhos de IoT, e criadores conteúdo de cauda longa.

Mais sobre a Livepeer pode ser encontrado no GitHub do projeto. A equipe, usuários e mineradores discutem e debatem aspectos do design do protocolo numa sala de bate-papo aberta.

Para entender mais, você também pode assistir a esse vídeo, de uma apresentação da equipe na Streaming Tech Sweden.

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Marilyn Monero
Marilyn Monero
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