As stablecoins passaram a ocupar lugar de destaque na agenda de organismos internacionais, como o Conselho de Estabilidade Financeira (FSB), responsável por monitorar e recomendar ações sobre riscos sistêmicos no mercado global, e o Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI), que define padrões voltados à prevenção da lavagem de dinheiro e ao combate ao financiamento do terrorismo.
Ao mesmo tempo, reguladores nacionais avançam na formulação de regimes próprios, cujas normas impactarão profundamente os modelos de negócio dos prestadores de serviços e emissores de ativos virtuais, ao mesmo tempo em que influenciarão a forma como os usuários armazenam, utilizam e transacionam esses ativos no dia a dia.
Até julho de 2025, a regulamentação específica de stablecoins está total ou parcialmente em vigor em 11 das 25 principais jurisdições em adoção de ativos virtuais, segundo levantamento da Chainalysis.
Esses regimes abrangem aspectos como requisitos para emissão, distribuição, composição de reservas, liquidação e conversão em moeda fiduciária, pagamento de rendimentos aos detentores e obrigações de conformidade regulatória.
França, Alemanha, Hong Kong, Japão, Países Baixos, Polônia, Espanha e Emirados Árabes Unidos já contam com regimes regulatórios completos aplicáveis a stablecoins, incluindo requisitos para emissão, composição de reservas, obrigações de conformidade e supervisão governamental.
Canadá, Singapura e Reino Unido avançaram na implementação de estruturas regulatórias, embora ainda estejam em fase de transição ou adaptação normativa.
Estados Unidos, Coreia do Sul, Ucrânia e Austrália apresentaram projetos legislativos ou regulamentares que tratam do tema, mas que ainda não foram integralmente aprovados ou implementados.
No caso norte-americano, embora o GENIUS Act tenha sido sancionado em julho de 2025, seu regime ainda depende da edição de normas complementares por órgãos reguladores para entrar plenamente em vigor.
Rússia, Indonésia, Índia, Turquia, Vietnã, Argentina, Brasil, México, Nigéria e África do Sul ainda não possuem marcos regulatórios específicos voltados às stablecoins, embora em muitos desses casos haja debates públicos ou propostas em elaboração, como é o caso do Brasil com o PL 4.308/2024, apresentado pelo Deputado Federal Áureo Ribeiro.
O interesse regulatório também decorre da percepção de riscos sistêmicos associados à crescente adoção das stablecoins, bem como sua progressiva interconexão com o mercado “tradicional”.
À medida que tais ativos passam a exercer papel estrutural em novos arranjos de pagamento, mercados de liquidação e instrumentos financeiros, aumentam as preocupações com estabilidade de valor, integridade financeira, soberania monetária e estabilidade do sistema financeiro.
Nota-se, ainda, o interesse do regulador em lidar com mecanismos de proteção ao consumidor.
Nesse sentido, a legislação usualmente impõe exigências quanto à composição das reservas, que devem ser integralmente lastreadas em ativos de alta liquidez, estabelecimento de segregação patrimonial, de prazos para conversão paritária em moeda fiduciária, bem como de proibição do pagamento de rendimentos aos detentores de tokens para desincentivar que os usuários substituam depósitos tradicionais em bancos por stablecoins remuneradas, o que poderia enfraquecer o sistema bancário e comprometer a função dos bancos como provedores de crédito à economia real.
O crescente interesse regulatório também reflete preocupações relacionadas ao uso indevido de stablecoins por agentes sancionados ou em contextos ilícitos.
Relatórios internacionais têm apontado a adoção desse tipo de ativo virtual por indivíduos e entidades vinculadas a regimes autoritários ou sob sanções internacionais, como instrumento para acessar liquidez atrelada ao dólar norte-americano e mitigar os efeitos de bloqueios financeiros tradicionais.
Nesse sentido, nota-se que participação do Bitcoin em fluxos ilícitos caiu substancialmente nos últimos anos, sendo superada, a partir de 2022, pelas stablecoins — que passaram a ocupar posição central nas operações criminosas verificáveis em blockchains públicas.
Diante desse cenário multifacetado, a regulamentação das stablecoins caminha para se tornar um dos pilares centrais do arcabouço normativo dos ativos virtuais, exigindo do legislador e dos órgãos reguladores uma abordagem equilibrada entre inovação, segurança jurídica e mitigação de riscos sistêmicos.
A consolidação de regimes claros, proporcionais e tecnicamente sólidos será determinante não apenas para assegurar a integridade dos mercados e a proteção dos usuários, mas também para definir o papel que tais ativos desempenharão na infraestrutura financeira global nas próximas décadas.