Opinião: “PEC do Drex” da deputada Júlia Zanatta é um marco na defesa da liberdade econômica

É essencial que o Drex seja amplamente discutido pela sociedade. Aqueles que valorizam a liberdade econômica, os direitos fundamentais assegurados pela nossa Constituição e o "espírito do Bitcoin" – que defende a descentralização e a autonomia financeira do usuário – devem aprofundar-se nesse tema e apoiar iniciativas como a PEC em questão, que, ao mesmo tempo que defende a modernização do sistema financeiro nacional por meio da tokenização, o faz sem prejudicar os direitos fundamentais e as liberdades individuais dos cidadãos brasileiros.

A deputada Júlia Zanatta (PL-SC) tem demonstrado uma postura firme, necessária e, cada vez mais rara, na defesa da liberdade econômica e dos direitos dos cidadãos frente aos avanços das moedas digitais centralizadas, como o Drex.

Em um cenário onde o controle estatal pode se expandir significativamente através da imposição de uma CBDC (sigla advinda da língua inglesa comumente utilizada para fazer referência a uma moeda digital de banco central), a proposta de Emenda Constitucional que está sendo desenvolvida pela deputada[1] busca garantir que qualquer iniciativa desse tipo seja submetida ao Congresso Nacional, assegurando, dessa forma, que qualquer iniciativa desse tipo passe por um debate legislativo democrático.

Nós já nos posicionamos, em artigo de opinião no Livecoins[2] acerca dos riscos associados ao Drex, propondo como alternativa o desenvolvimento de uma stablecoin com paridade 1:1 com o Real. Acreditamos que uma stablecoin privada, ao contrário de uma CBDC centralizada, estaria mais alinhada aos princípios de liberdade econômica e autonomia financeira dos cidadãos.

Essa alternativa poderia oferecer segurança e eficiência nas transações digitais, sem abrir margem para um potencial controle estatal excessivo sobre as operações financeiras da população, de forma que nosso país avançaria no setor de ativos digitais sem comprometer a privacidade e a liberdade individual dos brasileiros.

Sem embargo disso, a proposta da deputada, que é alinhada aos mesmos princípios de liberdade econômica, não é contrária à tokenização ou ao desenvolvimento do sistema financeiro brasileiro, mas, sim, contrária aos possíveis malefícios advindos da imposição verticalizada do Drex, tal como está acontecendo.

Busca-se, por meio da PEC, modular os efeitos do Drex para que uma iniciativa com impacto tão significativo sobre a vida de todos os brasileiros seja amplamente discutida e aprovada pelo Congresso Nacional, assegurando que qualquer mudança desse porte ocorra de maneira democrática e com o devido cuidado em relação às liberdades individuais e à autonomia financeira dos cidadãos.

O texto da PEC estipula que sejam acrescidos os seguintes parágrafos ao artigo 164 da Constituição Federal:

“§ 4º A criação, emissão e circulação de qualquer moeda digital de banco central (CBDC) ou outro ativo digital emitido pela União, requer aprovação da maioria qualificada nas duas Casas do Congresso Nacional.

5º A extinção do papel-moeda como meio de pagamento de curso forçado no território nacional é vedada, salvo se aprovada por dois terços dos membros de cada uma das Casas do Congresso Nacional.”

Assim como o Prof. Dr. Spencer Sydow, ao tratar do Direito Penal Informático, aponta que o arcabouço legislativo brasileiro, devido à imensa dificuldade de prever o quanto a tecnologia se expandiria, foi omisso em temas relacionados à virtualidade, verifica-se que o texto original da Constituição Federal de 1988 também não previu os possíveis impactos decorrentes do surgimento do Bitcoin e de outras criptomoedas e ativos digitais.

Trata-se do fenômeno da “lacuna legislativa” ou do “gap normativo”, que acontece quando o desenvolvimento tecnológico avança mais rapidamente do que a capacidade das leis e dos regulamentos de se adaptarem às novas realidades.

E não poderia ser diferente, pois o Bitcoin só foi apresentado pela primeira fez como um software de código aberto por um programador ou um grupo de programadores anônimo sob o codinome Satoshi Nakamoto, em 2009[3].

Desde então, o desenvolvimento de novas criptomoedas, criptoativos, tokens e outros ativos digitais diversificou o ecossistema financeiro digital, que hoje conta com inúmeras representações digitais de valores, cada uma com características e funcionalidades distintas. O que começou como uma alternativa descentralizada de meio de pagamento evoluiu a ponto de se tornar um dos principais temas nas discussões públicas sobre o papel normatizador e regulador do Estado.

Não se olvida que o Banco Central, cujo objetivo fundamental é assegurar a estabilidade de preços, além de, acessoriamente, zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego, possui autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira, sendo, por força constitucional, o órgão responsável pela emissão da moeda nacional brasileira.

O “Real Digital”, como seu próprio nome diz, não é uma nova moeda, mas, sim, uma representação digital do Real, que guarda o mesmo valor e mesma aceitação do “Real tradicional”.

Por esse motivo, qualquer proposição legislativa que vá contra sua existência seria uma medida manifestamente inconstitucional – justamente por esse motivo é que a deputada Júlia Zanatta, inteligentemente, está apresentando a “PEC do Drex”, cujo objetivo é estabelecer e fomentar um debate legislativo para coibir eventuais abusos decorrentes da implementação compulsória de uma moeda digital que goza de controle estatal direto.

A PEC torna-se ainda mais premente em razão da existência do PL n.º 4068/20[4], apresentado pelo deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) e cujo objeto é a extinção do papel-moeda, com a consequente exigência da realização de transações financeiras apenas por meio digital e que já obteve parecer pela aprovação pela Comissão de Desenvolvimento Econômico da Câmara dos Deputados em 23/10/2024.

Esse PL representa uma ameaça significativa à liberdade financeira e à privacidade dos cidadãos e, quando considerado junto à implementação do Drex, do entendimento do STF no âmbito da ADI 7276[5], que declarou que o compartilhamento de informações bancárias com as autoridades fiscais no âmbito das operações de recolhimento do ICMS por meios eletrônicos não viola o sigilo bancário, bem como diante da possível criação de uma CBDC dos BRICS[6], possibilita a criação de um sistema financeiro dotado de vigilância e fiscalização sem precedentes.

É essencial que o Drex seja amplamente discutido pela sociedade. Aqueles que valorizam a liberdade econômica, os direitos fundamentais assegurados pela nossa Constituição e o “espírito do Bitcoin” – que defende a descentralização e a autonomia financeira do usuário – devem aprofundar-se nesse tema e apoiar iniciativas como a PEC em questão, que, ao mesmo tempo que defende a modernização do sistema financeiro nacional por meio da tokenização, o faz sem prejudicar os direitos fundamentais e as liberdades individuais dos cidadãos brasileiros.

[1] https://livecoins.com.br/chegada-do-drex-e-fim-do-dinheiro-em-especie-pode-virar-audiencia-publica-na-camara/

[2] https://livecoins.com.br/brasil-nao-deveria-ter-uma-cbdc-e-sim-uma-stablecoin-com-paridade-11-com-o-real/

[3] https://bitcoin.org/bitcoin.pdf

[4]https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2259342#:~:text=PL%204068%2F2020%20Inteiro%20teor,Projeto%20de%20Lei&text=Estipula%20prazo%20para%20a%20extin%C3%A7%C3%A3o,Lei%20n%C2%BA%205.895%2C%20de%201973.

[5] https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6523973

[6] https://www.nasdaq.com/articles/how-would-new-brics-currency-affect-us-dollar-updated-2024

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Pedro Torres
Pedro Torreshttps://sydowtorres.adv.br/
Pedro Torres é advogado especializado em Blockchain e Criptoativos. Mestre em Blockchain e Moedas Digitais pela Universidade de Nicósia (Chipre), ele atua como Investigador Forense de Criptoativos, certificado pelo McAfee Institute (EUA) e pela Chainalysis (EUA). Sua expertise abrange o Direito dos Criptoativos e Blockchain, com especialização pela Escola da Magistratura Federal do Paraná (ESMAFE) e pela Escola da Magistratura Estadual do Paraná (EMAP). Além disso, é Conselheiro do Conselho de Ativos Digitais e Blockchain da Associação Comercial do Paraná e membro de organizações de destaque como a Crypto Valley Association (Suíça) e o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Pedro também integra a Comissão Especial de Inovação e Tecnologia da OAB/SP, refletindo seu papel ativo na inovação jurídica.

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