Projeto de Lei Bitcoin no Brasil ganha atualização, mas segue confuso

De plano, salta aos olhos o preceito secundário. A pena em análise é extremamente branda, sendo cominada apenas detenção, de  um a seis meses, ou multa.

O Projeto de Lei nº 2.303/2015, após sucessivas emendas, migrou de uma política proibicionista para a admissão da negociação de criptoativos no país com um conglomerado de dispositivos de caráter regulatório, criminal e consumerista.

Após sucessivos escândalos, é evidente o apelo por um recrudescimento das penas aplicadas para quem pratica o famigerado  Esquema Ponzi. Ressalta-se, neste sentido, a futura inclusão do artigo  292-A no Código Penal com o seguinte texto:

Art. 292-A. Organizar, gerir, ofertar carteiras, intermediar operações de compra e venda de criptoativos com o objetivo de pirâmide financeira, evasão de divisas, sonegação fiscal, realização de operações fraudulentas ou prática de outros crimes contra o Sistema  Financeiro, independentemente da obtenção de benefício econômico: Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.

De plano, salta aos olhos o preceito secundário. A pena em análise é extremamente branda, sendo cominada apenas detenção, de  um a seis meses, ou multa.

Trata-se, nitidamente, de infração de menor potencial ofensivo,  aplicável, portanto, os institutos despenalizadores da Lei 9.099/95. Aliás, a opção legislativa em cominar pena de detenção, ao invés de reclusão,  já acena uma ideia de política criminal que busca evitar o  encarceramento, vez que, como é sabido, não se admite na pena de  detenção o início de seu cumprimento em regime fechado.

Não obstante, há uma cominação alternativa, pois caberá ao magistrado aplicar a pena privativa de liberdade, deveras branda, ou tão somente uma pena de multa. Melhor seria, no mínimo, uma cominação cumulativa, na qual a pena privativa de liberdade deveria ser aplicada  juntamente com a pena de multa.

Como ensina a doutrina penalista mais atual, a pena tem dupla função: preventiva e retributiva. Ocorre que diante da pena em questão, dificilmente as suas finalidades serão atingidas, afinal, o mero enquadramento do crime como infração de menor potencial ofensivo já é, por si só, suficiente para gerar o descrédito na justiça penal, antes mesmo  da lei entrar em vigor.

Outro ponto que vale atenção é que o tipo penal exige dolo específico em virtude da expressão “com o objetivo de”. Na prática penal sabe-se que o elemento que reside no plano intrapsíquico do agente é de  difícil comprovação. Tal ponto, evidentemente, ensejará um ônus probatório ainda mais complexo para a acusação, dificultando  sobremaneira a responsabilização criminal.

Outrossim, ao prever diversos núcleos como o faz, provavelmente o tipo será classificado como misto alternativo, de modo que se o agente praticar mais de uma conduta nuclear, contra o mesmo  objeto material, responderá por crime único. Atenderia melhor aos  anseios sociais um tipo misto cumulativo, a fim de possibilitar o concurso material.

Aliás, se aprovada a atual redação, os operadores do direito terão que conviver, em relação a determinadas práticas delitivas, com um conflito aparente de normas entre o dispositivo supracitado e o artigo 2ºA a ser incluído na Lei dos Crimes Contra a Economia Popular, o qual deve ser dirimido pelo princípio da subsidiariedade, neste caso, tácita.

Ultrapassada a esfera criminal, a tentativa do legislador de estabelecer determinados conceitos legais torna certa a sua obsolescência. A rapidez com que alguns projetos são criados e novas  funções atribuídas aos protocolos já existentes torna incabível qualquer  definição restritiva, sob pena de ser letra morta em curto intervalo de tempo.

Ademais, eventual regulação ao mercado de criptoativos, atualmente em plena expansão, requer cautela, haja vista o risco de

inviabilizar interessantes projetos, capazes fomentar o avanço tecnológico e econômico. Se o ambiente nacional não for fértil para inovações dessa natureza, haverá a evasão desses projetos para outros países, como a  Suíça, por exemplo.

O PL não delimita com clareza a participação do Conselho Monetário Nacional, bem como as atribuições do Banco Central (Bacen) e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que por vezes se confundirão a depender do negócio desenvolvido. Se não corrigida a redação, um  mesmo ativo terá o condão de atrair a competência de ambos, motivo pelo qual a participação desses entes na discussão do PL será de salutar  importância.

O viés libertário é intrínseco aos criptoativos, dada suas  características e origem. Daí porque o próprio mercado se autorregula.  Regulação externa, por força de lei, eminentemente precisa estabelecer  balizas que norteiem os projetos promissores a se desenvolverem de  maneira eficiente, dentro das diretrizes definidas que preconizem pela  livre iniciativa e que garantam direitos aos usuários e entusiastas. O contrário implica em ceifar o potencial da tecnologia e acolher a  estagnação.

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Nathaly Diniz
Nathaly Diniz
Advogada especializada na estruturação jurídica de projetos que utilizam a tecnologia Blockchain. Consultora na área regulatória para tokenização de ativos. Programadora de smart contracts pela PUC/SP.

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