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A responsabilidade das corretoras no caso de subtração de criptomoedas após furto ou roubo de celular

No Brasil, os “criptoassaltos” estão ganhando destaque e virando objeto de diversas matérias na mídia.

Os autores deste crime estão roubando pessoas à mão armada visando seus celulares para acessar suas contas em corretoras e aplicativos de carteiras de auto custódia para, posteriormente, enviar os fundos para uma carteira desconhecida, muito provavelmente de sua propriedade ou de uma organização criminosa.

Por sua vez, essas carteiras, geralmente são registradas perante corretoras descentralizadas, são cold wallets ou, ainda, carteiras digitais sem custódia, mostrando certa organização e refinamento na empreitada criminosa, dificultando o rastreamento e a recuperação dos ativos subtraídos.

Quem é responsável pelo roubo de criptomoedas após furto de celular?

Buscar a responsabilização penal do criminoso é uma tarefa dificultosa. Isso acontece não apenas em razão da natureza dessas carteiras, mas também devido ao caráter irreversível das transações registradas em blockchain.

Isso fica ainda mais difícil em razão da falta de profissionais especializados em periciamento on-chain e em rastreamento de ativos digitais por parte da Polícia Civil.

Mesmo caso seja possível identificar o endereço que recebeu os ativos digitais da vítima, isso não garante que a chave pública revele a identidade do proprietário da carteira, o que, na prática, só seria possível se ela fosse vinculada a uma corretora centralizada e após o envio de um ofício a essa instituição.

A situação se torna ainda mais frustrante para a vítima, visto que as transações fraudulentas ocorrem mesmo após o usuário ter tomado todas as precauções de segurança indicadas pela corretora, como, por exemplo, acessar o aplicativo apenas mediante reconhecimento facial e utilizar a autenticação de dois fatores (2FA).

Causa muita estranheza que, no momento de criar contas em corretoras, exige-se do usuário um rigoroso processo de verificação de identidade e de renda, no qual são exigidos documentos sigilosos de ordem tributária, documentos pessoais e até uma foto, enquanto no momento de realizar uma transação atípica, muitas vezes provenientes de outro IP, em outra localização e em horários fora do padrão, não se exige sequer reconhecimento facial ou uma validação adicional.

Isso reflete uma grosseira falha na prestação dos serviços das corretoras, além de falhas graves no monitoramento de atividades suspeitas nessas plataformas, levando a crer que as travas de segurança e exigências documentais direcionadas aos usuários nada mais são do que atos simbólicos sem eficácia prática.

Existe, contudo, outra forma para a vítima desse crime recuperar os valores subtraídos de suas carteiras vinculadas a corretoras centralizadas: buscar a responsabilização da exchange, na qualidade de empresa prestadora de serviços de ativos virtuais, na seara cível.

Isso acontece porque, na prática, as corretoras de ativos digitais e criptomoedas se assemelham a corretoras de valores ou a instituições financeiras tradicionais, visto que permitem a custódia de ativos por parte dos usuários ao mesmo tempo que oferecem uma plataforma para realizar e receber pagamentos, facilitando, assim, a intermediação de transações financeiras entre diferentes partes, bem como a realização de investimentos.

Nesse sentido, de acordo com Instrução Normativa n.º 1.888/2019, bem como de acordo com os termos previstos na Lei n.º 14.478/2022[2] e na Lei n.º 4.595/64[3], as corretoras de ativos virtuais se enquadram perfeitamente ao conceito jurídico de instituição financeira.

Por consequência lógica, exsurge a aplicação do Código de Defesa do Consumidor inclusive no quesito de se reconhecer a responsabilização objetiva pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de suas operações, o que é respaldado pela Súmula 479 do STJ.

Além disso, segundo a teoria do risco do empreendimento, quem atua no fornecimento de bens e serviços tem o dever de responder objetivamente pelos fatos e vícios decorrentes de sua atividade independentemente de culpa, conforme prevê o artigo 927, parágrafo único, do Código Civil.

Dessa forma, se a corretora disponibiliza sistemas de realização de transações por meios eletrônicos, ela assume o risco quanto à possível ocorrência de fraudes, devendo arcar, portanto, com eventuais falhassem seus sistemas e em relação à segurança das movimentações financeiras que acontecem na sua plataforma.

A jurisprudência mostra que os tribunais brasileiros estão atentos à evolução das tecnologias e ao funcionamento prático das corretoras.

Vejamos:

Apelação. Corretagem de criptomoeda. Ação de indenização por danos materiais. Sentença de parcial procedência. Ilegitimidade passiva. Inocorrência. Relação de consumo. Responsabilidade objetiva. Corretora que se enquadra no conceito de instituição financeira (art. 17 da Lei 4.595/64).

Aplicabilidade da Sumula 479 do STJ. Incontroversa a ocorrência de fraude em conta digital de criptomoedas do autor, mantida junto a corretora ré, com o débito de bitcoins não realizadas pelo consumidor. Falha na prestação de serviços relacionada a segurança digital. Fraude eletrônica. Fortuito interno. Dever de ressarcir o valor indevidamente debitado pela cotação da data do débito, com correção monetária desde essa data e juros de mora desde a citação. Sentença mantida. Honorários majorados. RECURSO DESPROVIDO.

(TJ-SP – AC: 1008255-08.2020.8.26.0008; Relator: L. G. Costa Wagner, Data de Julgamento: 30/04/2021, 34ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 30/04/2021)

Responsabilidade civil – Subtração de saldo existente em conta digital em nome do autor intermediada pelo réu que colocou à disposição plataforma na internet para intermediar a compra e venda de ativos virtuais, criptomoedas – Saque indevido incontroverso – Ação de fraudadores não afasta a responsabilidade objetiva do réu, que não provou ter utilizado mecanismos impeditivos da ação de terceiros – Dano incontroverso – Inequívoca a responsabilidade do apelante pela subtração indevida do valor investido pelo autor – Condenação ao valor pleiteado na inicial, correspondente ao efetivo dano sofrido pelo autor – Recurso não provido.

(TJ-SP – AC: 1040834-24.2020.8.26.0100; Relatora: Silvia Rocha; Órgão Julgador: 29ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 23ª Vara Cível; Data do Julgamento: 20/10/2021; Data de Registro: 22/10/2021)

Ressalta-se que o objetivo de eventual medida judicial não é responsabilizar a exchange pela subtração do smartphone e dos ativos digitais pelo criminoso, mas, sim, pela falha na prestação de seus serviços, consubstanciada na conduta omissiva de permitir com que operações fraudulentas acontecessem em sua plataforma, o que, por consequência, gerou um prejuízo financeiro ao usuário, que poderia ter sido evitado caso a plataforma fosse diligente em adotar as medidas de segurança adequadas para seus clientes.

[2] O art. 5º da Lei n.º 14.478/2022, que, dentre outras providências, dispõe sobre diretrizes a serem observadas na prestação de serviços de ativos virtuais e na regulamentação das prestadoras de serviços de ativos virtuais, define os prestadores de serviços de ativos virtuais, ou VASPs (da sigla em inglês Virtual Asset Service Provider), a pessoa jurídica que executa, em nome de terceiros, pelo menos um dos serviços de ativos virtuais, entendidos como: I – troca entre ativos virtuais e moeda nacional ou moeda estrangeira; II – troca entre um ou mais ativos virtuais; III – transferência de ativos virtuais; IV – custódia ou administração de ativos virtuais ou de instrumentos que possibilitem controle sobre ativos virtuais; ou V – participação em serviços financeiros e prestação de serviços relacionados à oferta por um emissor ou venda de ativos virtuais.

[3] Nos termos do art. 17, da Lei n.º 4.595/64, que a atividade das corretoras de ativos virtuais se enquadra-se no conceito de instituição financeira,

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Pedro Torres
Pedro Torreshttps://sydowtorres.adv.br/
Pedro Torres é advogado especializado em Blockchain e Criptoativos. Mestre em Blockchain e Moedas Digitais pela Universidade de Nicósia (Chipre), ele atua como Investigador Forense de Criptoativos, certificado pelo McAfee Institute (EUA) e pela Chainalysis (EUA). Sua expertise abrange o Direito dos Criptoativos e Blockchain, com especialização pela Escola da Magistratura Federal do Paraná (ESMAFE) e pela Escola da Magistratura Estadual do Paraná (EMAP). Além disso, é Conselheiro do Conselho de Ativos Digitais e Blockchain da Associação Comercial do Paraná e membro de organizações de destaque como a Crypto Valley Association (Suíça) e o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Pedro também integra a Comissão Especial de Inovação e Tecnologia da OAB/SP, refletindo seu papel ativo na inovação jurídica.

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