Advogado de vítimas da Braiscompany já defendeu soltura do faraó dos bitcoins

O advogado Jeferson Brandão, que tem representado clientes contra a Rentalcoins e a Braiscompany, traz em suas redes sociais visões estranhas em defesa da GAS. Ele não esconde a relação de proximidade com Glaidson dos Santos e Tunay Lima. Brandão chegou a visitar os responsáveis pela GAS na prisão e criticou a atuação da Polícia Federal (PF) e da Justiça Federal.

Com escritório localizado no endereço da imobiliária de um dos sócios da GAS Consultoria e vídeos com críticas à Operação Kryptos da Polícia Federal (PF), o advogado Jeferson Brandão tem captado clientes que foram lesados por outras empresas semelhantes.

Ele tem representado clientes contra a Braiscompany, mas ao contrário do que falou sobre a prisão do faraó dos bitcoins – Glaidson dos Santos – o advogado elogiou a prisão dos responsáveis da Braiscompany.

O advogado foi cliente da GAS Consultoria. Mesmo sem ter ação contra a GAS, quando a empresa suspeita de fraudes com criptomoedas começou a dar problemas, ele se tornou a voz das vítimas. Nisso, captou clientes para mover ações contra outras empresas. 

Ativo nas redes sociais e com milhares de seguidores, Jeferson Brandão ajudou a promover a manifestação pela soltura de Glaidson dos Santos (“faraó dos bitcoins”) em frente à Justiça Federal em agosto de 2022. O argumento era de que essa seria ‘a melhor forma para as vítimas da GAS receberem o dinheiro’. Brandão afirmou durante a manifestação que deveria defender a soltura de Glaidson.

 

Brandão chegou a fazer uma enquete para apoiar uma campanha de candidatura do Glaidson dos Santos para deputado federal. Sempre utilizando o nome de Deus, ele batia no ponto de que o ocorrido com os responsáveis da GAS foi injustiça. 

Num vídeo no Youtube, afirma ter recebido uma aula do Glaidson Santos e a partir de então defender a soltura do responsável da GAS. Numa alusão à Bíblia, Glaidson teria dito que se a imprensa quer o apelidar que o chame de “faraó do bitcoin”, mas de “Moisés do bitcoin” por libertar o povo do sistema financeiro. 

Glaidson foi pastor da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e doou R$ 73 milhões para a Igreja em Cabo Frio e, segundo a PF, teria captado investidores nessa instituição religiosa.

Em defesa da GAS

No Instagram, afirma de forma clara que defende o retorno das atividades da GAS Consultoria. No mesmo post, fala que aprova o modelo de negócios dessa empresa, mas respeita os colegas que pensam diferente.

Brandão sustenta que o seu ponto de vista não o tornaria representante da GAS e tampouco significaria que advoga para ela e seus responsáveis.

De acordo com ele, numa visita que fez ao Glaidson dos Santos na prisão, o suspeito teria pedido ao Jeferson Brandão que esse o representasse no Congresso Nacional. O advogado sustenta que negou esse pedido, assim como teria negado o convite do deputado federal Áureo Ribeiro (Solidariedade/RJ) para representar a GAS Consultoria na CPI.

Seu ativismo pela continuidade dos negócios da GAS foi tão grande que ele chegou a convocar seus seguidores a fazer uma manifestação na porta da Justiça Federal para que houvesse soltura dos responsáveis da GAS e desbloqueio dos bens.

Além disso, defendeu abertamente que a justiça deveria retirar a suspensão do Processo Recuperação Judicial e que os bens e valores bloqueados pela “Operação Kryptos” retornassem à empresa a fim de que os clientes recebessem seu dinheiro.

Mais recentemente, entretanto, o advogado afirma ter mudado de posição e não defender mais a volta da GAS. Em setembro de 2023, ele fez uma postagem em seu perfil do Instagram, explicando porque estava presente na primeira manifestação em frente à Justiça Federal, mas não na segunda:

“Eu fui um dos que mais me doei na defesa incessante da GAS. Mas quando a gente observa que a outra parte não quer o mesmo que a gente que é a solução, aí a gente tem de virar a chave”, afirma o advogado.

Críticas à Operação da PF

O fato é que já nesse período já não havia mais como defender tal posicionamento. Isso, porém, não apagaria sua luta pela continuidade dessa empresa suspeita de fraudes com criptomoedas. 

O histórico do advogado aponta para uma forte defesa da GAS Consultoria. Em um vídeo publicado em seu canal no Youtube, Brandão afirma que a prisão de Glaidson foi injusta e que a “Operação Kryptos” foi um erro. Ele diz que fazia um ano dessa prisão, a qual considera injusta e precipitada. Jeferson Brandão sustenta que a Polícia Federal (PF) é a responsável pelo não pagamento dos clientes da GAS:

“Eu venho numa linha de onze meses. Vamos comemorar que não é uma comemoração o um ano de prisão do Glaidson. Prisão injusta pela Operação Kryptos. Prisão açodada. Prisão altamente sem proporcionalidade.E eu tenho a convicção que a justiça dada por Deus vai ser feita nesse caso da Operação Kryptos que foi a responsável pela paralisação dos nossos pagamentos. Em relação ao fato que originou todo o problema, a Operação Kryptos é a responsável pelo açodamento”, afirma o advogado.

Brandão diz não ser contra a investigação. Contudo, ele fala que a operação da PF teria sido precipitada. O advogado assume, no vídeo, que a GAS Consultoria não terá dinheiro para pagar todo mundo:

“Então, meus irmãos clientes, todos queremos a mesma coisa que é o nosso dinheiro. Muita gente me criticou porque eu falei que não tinha dinheiro. E, realmente, nos processos para pagar todo mundo não tem dinheiro. Isso é fato”, declara.

GAS suspeita de fraudes

Apesar desse ponto de vista do advogado, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) afirma que o negócio da GAS Consultoria Bitcoin é fraudulento. A empresa que captava clientes sob promessa de 10% mensais em investimentos em criptomoedas foi alvo de um Processo Administrativo da CVM.

Por fim, a autarquia condenou Glaidson Acácio dos Santos (faraó dos bitcoins) e a esposa dele, Mirelis Zerpa, a não atuarem no mercado de Valores Mobiliários por 8 anos e meio, além a arcar com multa que totaliza R$ 102 milhões. 

A decisão foi proferida em agosto de 2023, após a autarquia constatar que a GAS realizava oferta pública de valores mobiliários sem autorização da CVM, o que é uma ilegalidade por violar a Lei 6.385/1976. 

Em agosto de 2021, porém, Jeferson Brandão defendeu a tese de que a GAS não era uma pirâmide e tampouco um esquema Ponzi. O advogado sustentou, portanto, que a empresa só não era regulamentada e isso não significa ilegalidade.

De acordo com Brandão, em um ano teria recebido seu aporte de R$ 10 mil feito em 2020. Ele, contudo, não comenta no vídeo os ganhos de 10% mensais.

Num jogo de palavras faz alusão ao valor do Bitcoin neste período de um ano como se a GAS fosse mera Exchange e que os ganhos vieram tão somente da valorização da criptomoeda. Isso, porém, não condiz ao que demonstrou as investigações da PF e tampouco pela CVM.

Visão da CVM e da PF

Dois anos mais tarde, a CVM expôs a irregular atuação no mercado de Valores Mobiliários por meio da oferta pública dos chamados “Contratos de investimento Coletivo”, conforme consta no próprio processo da autarquia

Apesar de afirmar que não possui competência para tratar de crimes tais como “pirâmide financeira” ou “esquema Ponzi”, a CVM trouxe um trecho da investigação da “Operação Kryptos” deixando claro que a PF encontrou indícios desses ilícitos:

“Os meios utilizados pelos acusados para disseminar a suposta oportunidade de investimento estão expressamente previstos na Instrução CVM nº 400/2003 como atos de distribuição pública, pelo que fica, a meu ver, atendido o primeiro requisito do tipo.

Além disso, noto que, conforme provas recebidas da ‘Operação Kryptos’, conduzida pelo Ministério Público Federal, o ‘esquema’ mantido pelos acusados ganhou grande visibilidade, envolveu ‘sócios’ e outros prepostos em estrutura piramidal que atingiu milhares de investidores, tendo movimentado valores da ordem de R$ 38 bilhões”.

Estranha relação com a GAS

Não se sabe ao certo o grau de envolvimento do advogado Jeferson Brandão com a GAS Consultoria. Pelas postagens dele nas redes sociais se tem ao menos uma certeza: ele possuía boa relação com os sócios da GAS e um canal direto de comunicação.

Brandão, portanto, tinha uma proximidade com Glaidson dos Santos e Tunay Lima um tanto incomum para um advogado que busca de forma diplomática a solução  para os clientes da GAS.

Em um vídeo postado no Instagram, Brandão não esconde a amizade dele com Tunay Lima — o número dois da GAS Consultoria, segundo a Polícia Federal. Ele afirma ter visitado Tunay em Bangu 8 e conversado sobre a situação dos clientes.

A relação entre os dois era tão estreita que o escritório do advogado funcionava na mesma casa que a I9 imobiliária (empresa de Tunay). Era uma casa de dois andares em que no primeiro piso estava o escritório de Brandão e no segundo, a empresa do homem que foi o braço direito de Glaidson na captação de investidores da GAS. O problema é que essa além da imobiliária, funcionava na mesma casa uma das empresas de pagamentos da GAS: a Inove Consultoria.

Já com o Glaidson havia até mesmo uma espécie de admiração mútua. O advogado mesmo menciona em seus vídeos que Glaidson dos Santos havia pedido que ele fosse conversar com ele na prisão (Complexo de Gericinó).

Brandão diz num de seus posts que o responsável pela GAS lhe deu uma aula sobre o funcionamento da empresa. O advogado chegou a garantir por um tempo que a GAS era lícita e que não moveria uma ação sequer contra a empresa. 

Luta pelos clientes ou pela GAS?

A confiança de Glaidson dos Santos em Brandão era tamanha que ele pediu para que esse advogado o representasse na “CPI das Criptomoedas”. É algo que uma pessoa não pediria, em situação normal, para um advogado que afirma ser a voz das vítimas da GAS Consultoria.

Apesar disso, Jeferson Brandão diz não ter ligação com ninguém, que apenas tem “boa relação com todo mundo” e atua independente. Isso, entretanto, não o impediu de defender Glaison dos Santos nas redes sociais como se a PF tivesse atuado de forma injusta.

Essa defesa foi além das redes sociais e das manifestações na rua em favor da GAS e dos envolvidos. No instagram, Brandão havia se mostrado preocupado com a ausência de defesa de Glaidson. Ele não hesitou em dizer que iria com uns amigos até o presídio onde estava o Glaidson para levar uns “papeizinhos do Glaison” sem explicar qual seria a finalidade. 

Brandão afirma ter sido notificado para depor na PF sobre o caso GAS. O delegado Guilhermo de Paula Machado Catramby o teria chamado para esclarecer alguns pontos:

“Ele começou a me perguntar qual era a minha relação com a GAS. Como eu entrei na GAS. Pela primeira vez nesses seis meses e pouco, três clientes da GAS foram ouvidos pelos órgãos públicos. Ele me perguntando, eu já sentia que ele estava com uma preocupação com os clientes”, diz.  

O delegado ainda teria perguntado se Brandão havia sido pago por alguém da GAS e alguém da direção da GAS o procurou para iniciar essa defesa em favor da empresa.

O fato é que não há como saber se a luta era para atender os interesses das vítimas da GAS ou se norteava em ter apoiadores para soltar os envolvidos e assim haver o retorno do esquema suspeito.

Justificativa do advogado

Jeferson Brandão em sua defesa disse ao delegado que apesar de ter ficado triste com a prisão de Glaidson, sua luta pela soltura do suspeito não veio do nada. Ele aponta que a  razão seria por conta de alguns colegas seus afirmarem que quem entrar com processo primeiro, recebe primeiro.

Brandão no depoimento teria dito que essa atitude de alguns advogados não era legal e que daí é que teria iniciado seu processo de defesa. “A luta no começo não era pela defesa da GAS ou pelo Glaidson. A minha luta foi contra esta situação”.

Sobre a relação dele com a GAS, Brandão afirma ter respondido ao delegado que ela eram só contratos dele e que não haveria mais nada.

Apesar de o advogado postar no Youtube essa versão, no Instagram apenas diz que o delegado responsável pela Operação Kryptos o chamou para saber se alguém estaria recebendo algo da GAS.

Caso Braiscompany

Quanto à Braiscompany, Jeferson Brandão não atuou com a mesma vontade de defesa como sucedeu com a GAS. Ele chegou até mesmo a elogiar a decisão que condenou os sócios dessa empresa à prisão, dentre eles, Antonio Inácio da Silva Neto (conhecido como Antônio Aïs) e Fabrícia Farias Campos (esposa de Antônio Ais)

Antes, contudo, durante uma live com Antônio Aïs, afirmando que a Brasicompany era uma espécie de última esperança da criptoeconomia tendo em vista o encerramento da GAS e da Rentalcoins:

“A Braiscompany é o bastião. É a última fortaleza que pode levar esse mercado de terceirização de trader ou, que é o caso mais específico da Braiscompany, de locação de criptoativos mais à frente. Existem outras empresas? Sim, mas elas não têm expressão nacional”, diz Brandão.

O advogado menciona, entretanto, que os casos da Braiscompany e da GAS são diferentes, assim como a Rentalcoins. Sob o ponto de vista dele, a Rentalcoins agiu de forma ilegal deixando de pagar os clientes.

Em vídeo, Brandão sustenta que na GAS houve açoitamento da Justiça. Já no caso da Braiscompany, ele disse, em janeiro de 2023, que não havia ainda indício de golpe porque alguns clientes ainda recebiam dinheiro dessa empresa.

Em outro post feito em seu canal defendeu a legalidade desse tipo de modelo de negócio que não se confunde com fraude. No entanto, se contradiz ao apontar que não há como afirmar sobre a sustentabilidade disso. 

Culpa da Binance

Quando a Braiscompany parou de pagar os clientes, o advogado jogou a culpa na Binance. Há diversos vídeos de Jeferson Brandão sustentando que a Binance efetuou travas das contas de muita gente pelo mundo e no Brasil não foi diferente.

Em três posts, pelo menos, Brandão afirma que a Braiscompany também teve seus fundos travados pela Binance e isso teria levado a inadimplência com os clientes. 

De acordo com o advogado, houve uma conversa em que ele sugeriu ao Antônio Ais uma visita à sede mundial da Binance para resolver o problema: 

“Mesmo que for colocado um processo judicial no Brasil contra a Binance numa tese de defesa que eles estão fazendo compliance porque eles identificam que esse é ilegal dificilmente pode um juiz liminarmente mandar liberar as margens para pagemento. Parar as travas”, comenta Brandão.

Nisso, ele promoveu uma campanha em seu canal para que os clientes da Braiscompany cobrem à Binance ao invés de correrem atrás da empresa de Antônio Ais.

Mudança de opinião

Essa linha de atuação, contudo, não perdurou por muito tempo. Antes a defesa da Braiscompany foi contundente e esse advogado mencionou até mesmo que teria o documento do Ministério Público afirmando não se tratar de fraude.

A coisa começou a mudar depois que Jeferson Brandão teve acesso a um suposto documento de um órgão público provando que não havia travas de valores da empresa na Binance. No vídeo, porém, não mostra o documento e tampouco afirma qual órgão público o emitiu.

Em março de 2023, Brandão fala que deve haver uma pressão à Polícia Federal para que prenda Antônio Ais. Até que o mandado foi expedido pela Justiça Federal e a prisão aconteceu com a condenação de mais de 88 anos para Antônio Inácio da Silva Neto e quase 62 para a esposa dele, Fabrícia Farias Campos.

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Alexandre Antunes
Alexandre Antunes
Advogado e jornalista. Mestre em Direito Constitucional pelo PPGDC UFF. Pesquisador e professor visitante do Grupo de Pesquisa, Ensino e Extensão em Direito Administrativo Contemporâneo (GDAC).

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