O Banco Central do Brasil (BC) publicou seu “Relatório Integrado 2024” na última sexta-feira (21) e revelou um movimento em direção à ampliação do monitoramento de transações com criptomoedas que ocorrem fora de corretoras e bancos.
Nas medidas descritas, o BC prometeu começar a coletar dados sobre operações liquidadas sem contratos de câmbio, ou seja, transações realizadas diretamente entre carteiras de usuários, como no mercado P2P, sem registro formal no sistema financeiro tradicional.
Além desse esforço de monitoramento, o BC falou sobre a organização do mercado nacional de criptomoedas, comentand sobre três consultas públicas de 2024.
As propostas, abertas até 28 de fevereiro de 2025, tratam da regulamentação das prestadoras de serviços de ativos virtuais (corretoras), dos processos de autorização para empresas que atuam no setor e da inclusão dos ativos digitais no mercado de câmbio.
A Consulta Pública 109/2024 estabelece as regras para o funcionamento das chamadas sociedades prestadoras de serviços de ativos virtuais (PSAVs), categorizadas como corretoras, custodiantes ou intermediárias.
Empresas como bancos, corretoras de valores e distribuidoras de títulos poderão atuar nesses papéis, desde que sigam a disciplina proposta.
Já a Consulta Pública 110/2024 define os procedimentos de autorização para essas empresas e para aquelas que operam nos mercados de câmbio e de valores mobiliários.
A terceira proposta, a Consulta Pública 111/2024, trata da regulamentação da prestação de serviços com criptoativos no mercado de câmbio.
Banco Central quer monitorar transações de criptomoedas fora de corretoras e avança na regulação do setor
Além do avanço regulatório, a autarquia afirmou que está organizando a coleta de novas informações, inclusive sobre transações liquidadas sem contratos de câmbio, ampliando a visibilidade sobre um setor que movimentou cifras bilionárias.
“O BC iniciou e vem aperfeiçoando, de forma inovadora, o tratamento dos criptoativos nas estatísticas do setor externo. Na condição de regulador de mercado, o BC está organizando coleta de novas informações sobre criptoativos, incluindo transações liquidadas sem contratos de câmbio.”, diz o documento.
- Transações “liquidadas sem contrato de câmbio” seriam operações entre pessoas ou empresas do Brasil e do exterior que não passam por um banco ou corretora autorizada pelo Banco Central para fazer a conversão de moeda (como dólar para real).
Ou seja, não há registro oficial de câmbio.
Alguns exemplos podem incluir:
- Pessoa física no Brasil compra criptomoeda direto de alguém no exterior via P2P, enviando o pagamento via Pix e recebendo cripto na carteira — sem passar por exchange regulamentada.
- Brasileiro recebe pagamento em Bitcoin de uma empresa de fora, direto na carteira, sem contrato de câmbio, sem banco.
- Brasileiro transfere seus BTC para uma corretora estrangeira e saca em dólar na conta de outro país, sem declarar ou registrar a operação no sistema cambial.
- Empresário no Brasil paga fornecedor chinês em USDT direto na blockchain, sem usar banco, e o chinês entrega o produto.
🚨Banco Central diz que vai coletar informações sobre transações de criptomoedas que não passam por corretoras ("sem contratos de câmbio.")
Tais transações são aquelas realizadas entre pessoas ou empresas do Brasil e do exterior que não passam por um banco ou corretora… pic.twitter.com/IdCHRlNpzO
— Livecoins (@livecoinsBR) March 25, 2025
Como o banco central vai monitorar transações de criptomoedas fora de corretoras?
Embora não esteja claro como o BC pretende obter as informações, a autarquia pode acompanhar transações por meio de cruzamento de informações e análise indireta dos fluxos financeiros.
Mesmo que essas operações não passem por bancos ou corretoras reguladas, o BC utiliza dados compartilhados por outros órgãos, como a Receita Federal e a CVM, além de declarações obrigatórias como a de Capitais Brasileiros no Exterior (CBE).
Com essas informações, é possível identificar movimentações incompatíveis com a renda declarada ou com as estatísticas tradicionais.
Indo além, o BC pode consultar blockchains públicas, como a do Bitcoin, utilizando ferramentas de rastreamento que permitem identificar padrões, fluxos internacionais e carteiras.
Exchanges nacionais e internacionais também podem ser obrigadas a reportar dados de clientes, o que amplia ainda mais o alcance do monitoramento de carteiras na blockchain.
Mesmo que nem todas as transações sejam visíveis, essas estratégias permitem ao Banco Central estimar o volume e o comportamento do investidor, mesmo fora dos canais tradicionais.
Em outras palavras, se um usuário de corretora move criptomoedas para uma carteira externa, essa carteira passa a ser monitorada e, se algum dia receber valor de um P2P, ela poderá ser identificada.
As únicas transações que o BC não conseguiria identificar, portanto, seriam transações 100% em cripto entre carteiras privadas – que nunca foram vistas por uma exchange, além de movimentações que passam por mixers ou redes como Monero, Lightning, etc.
Mercado cripto movimentou US$ 16,7 bilhões em compras líquidas até outubro de 2024
Segundo o relatório, os fluxos transnacionais com criptomoedas alcançaram US$ 16,7 bilhões em compras líquidas nos 12 meses encerrados em outubro de 2024, demonstrando um crescimento expressivo desde 2017.
Em julho de 2024, o BC passou a adotar uma nova metodologia recomendada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), reclassificando os criptoativos da balança comercial para a conta de capital no balanço de pagamentos.
A classificação agora distingue entre criptoativos sem emissor, como o Bitcoin, que continuarão na conta de capital, e os com emissor, como stablecoins e moedas digitais estatais (caso do Drex), que serão alocados na conta financeira.
O BC reforça ainda a diferença conceitual entre criptoativos descentralizados e moedas digitais estatais.
Enquanto os primeiros, como o Bitcoin, funcionam sem controle de uma autoridade central e dependem da confiança na tecnologia blockchain, moedas como o Drex são emitidas e controladas por autoridades oficiais, contam com respaldo do Estado e operam como extensões digitais da moeda nacional.
Essa distinção, segundo o BC, é essencial para o tratamento regulatório e estatístico desses ativos.
Por fim, o Banco Central se posiciona como uma referência internacional no debate sobre a integração das criptomoedas ao sistema financeiro tradicional.
Ao mesmo tempo, sinaliza que não pretende perder de vista as movimentações que ocorrem à margem das instituições reguladas, adotando uma postura proativa para compreender e acompanhar todo o ecossistema de ativos digitais.