
Serviços digitais ampliam funcionalidades do crime, diz pesquisador da USP (Foto/Reprodução)
O pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP, Bruno Paes Manso, apresentou um diagnóstico sobre a modernização das organizações criminosas no Brasil, ao participar de uma audiência pública na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Crime Organizado na última quarta-feira (26/11). A visão dele destacou um suposto papel do bitcoin e das criptomoedas na logística financeira das facções.
Isso porque, para Manso as organizações criminosas abandonam métodos tradicionais de movimentação de valores em favor de tecnologias descentralizadas. O avanço tecnológico garantiu acesso direto ao mercado global sem a necessidade de intermediários bancários convencionais.
Assim, ele defende que o cenário exige uma nova postura das autoridades de segurança pública. A CPI investiga a atuação de grupos como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), fundadas em 1993 e 1979, respectivamente. Ou seja, com ambas atuando no país há mais de 30 anos de forma organizada e em constante evolução, a visão do pesquisador se mostra polêmica quando ao suposto poder que as criptomoedas possuem neste contexto.
“Hoje em dia você tem novas tecnologias que são a criptomoeda, surge em 2008 e permite hoje que você leve 5 bilhões de dólares para um outro país e saque num outro país dentro de um pen drive no bolso. Inclusive os doleiros deixam de ter uma função nesse esquema, porque com a criptomoeda você tem todo um mercado paralelo de financiamento imenso“, afirmou o jornalista.
Dados apresentados na comissão indicam que essas facções atuam hoje em todos os estados brasileiros. A movimentação financeira estimada do setor ilícito chega a quase R$ 300 bilhões por ano.
O pesquisador explicou aos senadores que a figura histórica do doleiro perdeu relevância funcional. Para ele, as transações digitais permitem a transferência de capitais imensos com dispositivos físicos simples.
Manso ilustrou a situação com um exemplo prático sobre a portabilidade dos valores ilícitos. Isso porque, a tecnologia permite o transporte de fortunas através de fronteiras sem detecção física.
A explicação, vale lembrar, é que as criptomoedas operam em redes descentralizadas, similar a um “protocolo da internet”. Ou seja, onde funciona qualquer rede entre duas pessoas, o bitcoin funciona e permite o envio de valores de forma segura e imutável, uma tecnologia construída com o protocolo de confiança chamado blockchain.
Mas para o pesquisador, o uso de bitcoin e outros criptoativos criou um sistema financeiro paralelo e robusto. Esse mecanismo opera à margem das regulações tradicionais de controle cambial.
O depoimento também apontou para a utilização de outras ferramentas digitais modernas. As fintechs e as casas de apostas online surgem como vetores adicionais para a ocultação de patrimônio. O mercado virtual de pagamentos oferece brechas exploradas pela criminalidade para dar aparência lícita aos recursos.
“Sem falar na questão do dinheiro virtual e do mundo virtual que passa a ter um mercado que depende dos meios de pagamentos, como as Fintechs, que também abrem brecha para um outro tipo de negociação e para um outro tipo de forma de esconder dinheiro e de lavar dinheiro“, explicou Manso.
A infraestrutura de comunicação também sofreu uma revolução com o uso de internet via satélite. O pesquisador citou especificamente a tecnologia Starlink, criação do bilionário Elon Musk com a Spacex, como um fator de mudança na Amazônia. O isolamento geográfico deixou de ser uma barreira para a coordenação de atividades ilícitas.
“O Starlink permite você se comunicar na Amazônia como antes você não conseguia, era impossível. Hoje você consegue, por satélite, se comunicar, mas isso também facilita a vida das quadrilhas que passam a comunicar entre si e dar um novo salto na cena e nas possibilidades da cena criminal“, detalhou o especialista.
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