A jornada de um bitcoinheiro
Todos temos nossas próprias histórias com o bitcoin, e no entanto elas são todas parecidas. Este texto é justamente sobre isso: histórias. Nós somos macacos sociais que por milhares de anos utilizaram as histórias como principal forma de passar conhecimento adiante. Antes da escrita ser inventada, os conhecimentos eram transmitidos via oral de geração em geração.
Por um processo de seleção (memética e natural), os macacos que conseguiam contar histórias que transmitiam informações de maneira mais eficiente e com maior resolução foram selecionados. Este processo de pressão seletiva memética gerou uma estrutura básica, constantemente repetida em todas as nossas histórias.
A Jornada do Herói
Talvez você já tenha escutado falar do “Monomito”, também conhecido como “a jornada do herói”. O Monomito é um arco narrativo (uma estrutura básica) bastante utilizado em histórias.
Este arco narrativo é amplamente utilizado por todas as culturas e pode ser observado já nas primeiras histórias conhecidas pelo homem, como na Epopéia de Gilgamesh ou na história de Sidarta Gautama, o Buda. Essa estrutura base também está presente na maioria dos clássicos de Hollywood, como Star Wars e Matrix. Nós também tendemos a contar a nossa própria história, para nós mesmos e para os outros, nos padrões desse arco narrativo.
A primeira vez que essa tal jornada do herói foi estudada e esquematizada foi em 1949, no livro Herói de Mil Faces, de Joseph Campbell. A partir do estudo e observação de obras antigas, Campbell estruturou uma espécie de roteiro que se repete em histórias contadas em diferentes períodos e civilizações.
Ou seja, ele encontrou uma espécie de fórmula de sucesso amplamente utilizada por todos os contadores de história, que ele nomeou como “jornada de herói”. O termo “monomito” significa que na realidade todas as histórias que contamos são basicamente a mesma história, com a mesma estrutura. Um mito único compartilhado por toda a humanidade.
A estrutura básica do monomito proposta por Campbell foi aprimorada ao longo do tempo e a versão mais difundida atualmente foi proposta em 2006 por Christopher Vogler com a publicação do livro A Jornada do Escritor: Estrutura Mítica para Escritores. O trabalho de Vogler basicamente condensou algumas ideias do seu antecessor.
A estrutura básica do monomito é dividida por Vogler em 12 etapas diferentes:
1 – Mundo Comum. Mundo do cotidiano do herói. Ele está vivendo a sua vida tranquilamente até que recebe o…
2 – Chamado para a Aventura. Este é o momento em que a jornada é oficialmente iniciada. Desse momento em diante o herói precisa cumprir determinada tarefa, ou alcançar determinado objetivo, e a partir desse objetivo ocorra a sua transformação. A partir desse ponto o herói não poderá mais retornar ao seu mundo comum que nós conhecemos no passo anterior da mesma maneira.
3 – Recusa do Chamado. O herói não aceita o chamado para a aventura de imediato. Isso acontece porque a temática da jornada do herói é o amadurecimento psicológico. E muitas vezes é muito mais cômodo a gente continuar na inércia do nosso dia a dia do que encarar uma mudança.
4 – Encontro com o Mentor. O herói geralmente é um iniciante e recebe ajuda de um personagem que é especialista no problema a ser resolvido. O mentor é a figura que ajudará o herói ao longo da sua transformação.
5 – Travessia do Primeiro Limiar. Nesse momento o herói já saiu do mundo comum e está adentrando o mundo extraordinário promovido pela aventura. A travessia do primeiro limiar é o período de treino e o amadurecimento necessário para que o herói possa enfrentar…
6 – Provas, Inimigos e encontrar Aliados. Este é o momento de tensão da história, onde o herói enfrenta os obstáculos que estão entre ele e seu objetivo. Ele é cada vez mais testado e desafiado, sendo forçado a se transformar. Para Vogler, é aqui que o herói aprende as regras desse mundo extraordinário.
7 – Aproximação da Caverna Secreta. É o momento de autoquestionamento do herói. Era necessário mesmo abandonar o mundo comum? Será que ele fez a escolha certa?
8 – A Provação. Momento em que o herói enfrenta grande dificuldade causada pelos questionamentos que ele teve no passo anterior. É aquele momento em que tudo dá errado e o herói corre risco real de falhar na sua missão.
9 – A Recompensa. Quando o herói vence aquela provação do passo anterior e evolui na sua transformação.
10 – O Retorno. O herói retorna do mundo extraordinário que promoveu sua transformação para o mundo comum do primeiro passo. Só que o herói ainda tem algum último obstáculo para resolver.
11 – A Ressurreição. Momento similar ao momento 8 da Provação. O herói passa por um grande desafio e, quando ele consegue solucioná-lo, ele consegue alcançar seu objetivo final. Dessa vez ele derrotou de vez o antagonista, ou se reconciliou com alguém, conseguiu o par romântico. A questão é que a transformação do herói está concluída.
12 – O Retorno com o Elixir. Na conclusão do monomito, o herói chega a sua comunidade, sua família, ao seu mundo familiar, porém desta vez ele está transformado, e esse é o Elixir. Esse elixir pode ser algo que vai ajudar sua comunidade, ou uma lição que ele aprendeu.
E por que eu estou falando tudo isso?
Simples, porque assim como o herói, o bitcoinheiro também tem a sua jornada. E ter uma compreensão mais acurada do estágio em que nós (os bitcoinheiros, heróis das nossas próprias narrativas) estamos na nossa jornada, nos ajuda a nos situar e entender melhor o mundo à nossa volta.
A Jornada de um Bitcoinheiro
Todos esses passos da jornada do herói podem ser identificados no caminho dos bitcoinheiros.
É interessante notar que bitcoinheiros com mais de um ciclo provavelmente já concluíram a transformação da jornada do herói e já retornaram com o elixir. Já os bitcoinheiros das classes de 2020, 2021 e 2022 ainda estão em um estágio anterior, provavelmente entre o momento 6 a 8, e estão enfrentando as provas, os inimigos e as provações neste mercado de baixa. Essas classes (onde eu me incluo) estão tendo sua convicção testada.
A jornada do herói é uma estrutura arquetípica sobre a transformação do protagonista, então o primeiro passo é vencer a si mesmo. Nós somos nosso principal inimigo, o principal obstáculo a ser superado. É a nossa voz interior que pode abalar nossa confiança e nos fazer desistir do caminho de transformação.
Assim como em uma espada, a convicção é forjada a golpes duros.
Cada nova queda é uma martelada no nosso âmago. Essa é a diferença entre o saber teórico e a experiência prática e empírica de já ter vivido diversos ciclos, com multiplicações de 1000% e quedas de 80%.
1 – Mundo Comum. É o mundo normie. Onde todos vivíamos antes de cair na toca do coelho.
2 – Chamado para a Aventura. Praticamente todo bitcoinheiro recebeu diversos chamados para aventura na forma de diversos contatos iniciais com o bitcoin. Entretanto, para a tristeza e reflexão de todos, geralmente antes de aceitar esse chamado, existiram diversas recusas.
3 – Recusa do Chamado. Todas as vezes que algum amigo ou conhecido tentou nos falar sobre bitcoin nós não escutamos. Estávamos distraídos pensando em qualquer outra coisa do Mundo Normie e não notamos a importância deste chamado. A sorte bateu na nossa porta e nós a ignoramos repetidas vezes.
4 – Encontro com o Mentor. É neste estágio inicial da aventura que os iniciantes encontram seus gurus. Dependendo dos gurus escolhidos, o normie se tornará um bitcoinheiro ou um shitcoinheiro. Então muito cuidado na escolha dos seus mentores. Lembre-se sempre: se a pessoa prefere riscar linhas imaginárias em gráficos ao invés de ensinar fundamentos, desconfie. Bitcoinheiros educam iniciantes a partir de fundamentos, enquanto shitcoinheiros/golpistas preferem confundir os iniciantes com informações irrelevantes para vender cursos.
Todo o conhecimento necessário para se tornar um bitcoinheiro está disponível de forma gratuita na internet. Vale citar o canal dos Bitcoinheiros, do Korea, da Madu, das meninas da Usecripto, o Explica Bitcoin, o Planeta Bitcoin, o Imperativo Moral, o livro Bitcoin Red Pill, disponível também no YouTube também, o Diego Kolling, entre tantos outros.
5 – Travessia do Primeiro Limiar. Marca o início dos estudos indicados pelo mentor e o aprofundamento da compreensão de todas as derivações da tese do bitcoin. Bitcoinheiros que atravessam esse primeiro limiar começam a enxergar porque inflação é roubo de tempo, como a mineração do bitcoin resultará na 3a Revolução Energética, a necessidade da separação entre o dinheiro e o estado, entra tantas outras epifanias.
6 – Provas, Inimigos e Aliados. As primeiras grandes quedas enfrentadas pelos bitcoinheiros são as provas que ele precisa enfrentar para passar pela sua transformação de normie para bitcoinheiro. Os inimigos são os shitcoinheiros, economistas, gestores, faria limers e jornalistas que geram e amplificam FUDs. A cada queda do bitcoin eles saem das suas tocas para declarar o bitcoin “morto” e dançar em cima do seu caixão.
7 – Aproximação da Caverna Secreta. É o momento de autoquestionamento que os bitcoinheiros de primeiro ciclo enfrentam. Era necessário mesmo abandonar o mundo normie? Será que fizemos a escolha certa? Será que não estou só ficando maluco? Afinal, todos da mídia tradicional e até mesmo economistas premiados com o Nobel são contra o bitcoin. Será mesmo que todos eles estão errados e um bando de malucos com avatares na foto de perfil do Twitter está certo? Não é muita arrogância da minha parte pensar isso?
8 – A Provação. Momento de dificuldades causadas pela insegurança e pelos questionamentos que ele teve no passo anterior. “Será que não vale a pena diversificar em outras criptomoedas?” “O Raoul Pal tem falado muito bem da Luna e seu ecossistema”. “Talvez eu devesse deixar meus bitcoins em um protocolo DeFi para ganhar um troco a mais”. “O influenciador recomendou um projeto do metaverso que é incrível e vai revolucionar as coisas”.
É aquele momento em que tudo pode dar errado e o herói corre risco real, pois ou é bitcoin, ou é golpe. E se o bitcoinheiro não fizer a custódia de seus satoshis, os bitcoins não são deles e tudo que ele tem é uma promessa que alguém lhe devolverá seus preciosos satoshis. O canto da sereia fala alto e cabe aos bitcoinheiros resistirem a ele.
9 – A Recompensa. A convicção, quando mantida, permite atravessar as provações e se manter no caminho correto, acumulando satoshis e se mantendo humilde. Esse é o estágio em que o bitcoinheiro entende que a melhor estratégia é fazer o DCA, se manter humilde e acumulando sempre mais satoshis.
10 – O Retorno. Essa convicção faz com que o bitcoinheiro queria salvar seus amigos e familiares do colapso das moedas fiduciárias e do controle estatal. Entretanto, estes amigos e familiares ainda verão essa conversa sobre a “moeda mágica da internet” como um papo de maluco e não escutarão o chamado para a aventura. A maioria das pessoas não está pronta para sair do mundo normie.
11 – A Ressurreição. Quedas sempre ocorrerão em um ativo em fase de adoção, e com o bitcoin não é diferente. O bitcoinheiro terá que enfrentar as dúvidas e incertezas dos seus amigos e familiares que escutaram o chamado à aventura e agora estão no negativo e com medo.
12 – O Retorno com o Elixir. No próximo ciclo de alta, o bitcoinheiro concluiu a sua transformação e se torna mentor de uma nova geração de bitcoinheiros. Este papel cabe aos bitcoinheiros mais experientes e é primordial no esforço coletivo de educação em prol da continuidade da adoção seletiva.
Ou seja…
A mente humana é limitada e busca padrões para interpretar e compreender a realidade. Ao longo de milênios, a única maneira que possuíamos de passar o conhecimento adiante era através das tradições orais. Ou seja, nós fomos selecionados para aprender via histórias e hoje aprendemos de maneira muito mais eficiente através delas do que por equações ou conceitos no vácuo. É como o nosso cérebro foi programado para funcionar.
Por processo de seleção memética, um arco narrativo conhecido como “a jornada do herói” foi fixado na nossa cultura. Esse arco também é chamado de monomito e representa uma história arquetípica de superação de adversidades e transformação de um protagonista, o herói. Isso permite que nos identifiquemos com o aprendizado que está sendo transmitido e torna mais fácil nos lembrarmos das lições transmitidas. Essa estrutura arquetípica é utilizada na maioria das histórias conhecidas pela humanidade e seus elementos são facilmente identificáveis por qualquer pessoa mais atenta.
Esse monomito também pode ser utilizado como lente para visualizar o processo que os bitcoinheiros atravessam, desde o início de seus estudos até o fundo da toca. Desde o mundo comum (o mundo normie), passando pelo chamado à aventura (o começo da queda na toca do coelho), a necessidade de mentores sábios (evitando os shitcoineiros grafistas) até o retorno com o elixir e a convicção que só a compreensão profunda dos fundamentos do bitcoin permite.
E o que tudo isso significa? Bom, na verdade nada. O monomito é só uma estrutura arquetípica, não algo com poder preditivo. Mas entender onde você se encontra nesse arco da jornada do herói pode trazer tranquilidade para os mais nervosos com o dip atual.
Estamos no momento de Provas e Inimigos da nossa jornada, e agora é necessário a busca por Aliados e prova de trabalho para reforçar suas convicções nos fundamentos da tese. Essa é a diferença entre o herói que supera as provações e o mão de alface que vende na baixo.
No bitcoin, nada substitui a prova de trabalho individual dos estudos, ninguém pode construir convicção por você. Você que precisa ser o protagonista da sua jornada para se tornar um bitcoinheiro.