Foi publicado hoje (13/03) no Diário Oficial a instrução normativa nº 2180 que regulamenta a Lei nº 14.754 que trata sobre a tributação das aplicações financeiras no exterior, trusts e offshores.
Contrariando as expectativas, o que se esperava que trouxesse maior clareza acabou deixando margem para interpretações.
Um ponto de atenção foi a exclusão dos ativos virtuais e das carteiras digitais da lista de exemplos de aplicações financeiras no exterior. No entanto, a Instrução Normativa mais a frente estabelece que:
“Os ativos virtuais e os arranjos financeiros com ativos virtuais, inclusive as carteiras digitais com rendimentos, que sejam a representação digital de outra aplicação financeira no exterior, ou cuja natureza ou características os enquadre nessa definição, também serão considerados como aplicações financeiras no exterior para fins do disposto nesta Instrução Normativa.”
Diante disso, surge a questão: quais ativos virtuais podem ser considerados aplicações financeiras no exterior?
Segundo a advogada tributarista Tatiane Praxedes
Analisando-se sistematicamente a Lei e a Normativa, uma resposta objetiva seria todos os ativos virtuais que tenham natureza ou características de uma aplicação financeira que, na forma da lei, será qualquer “operação financeira” fora do país.
“Essa resposta na verdade, apesar de parecer objetiva, dado que pautada nos termos da lei, não necessariamente é clara ou livre de dúvidas. Isto porque os contribuintes podem encontrar dificuldades em identificar a natureza e/ou as características de um ativo virtual. Uma maneira de tentar encontrar a natureza e/ou característica do ativo virtual é traçar um paralelo dos ativos virtuais com os demais instrumentos financeiros eleitos pelo legislador para exemplificar o que seria “operação financeira”, complementa Praxedes.
Exterior x Nacional
A dúvida que muitos tinham sobre o critério a ser utilizado para definir aplicações financeiras no exterior foi esclarecida pela Receita Federal, que afirmou que serão consideradas como tais quando forem custodiadas ou negociadas por instituições localizadas no exterior.
O site Declarando Bitcoin já havía previsto que esse provavelmente seria o critério adotado.
Confira o § 2º do art. 9 da instrução normativa:
“Os ativos virtuais e arranjos financeiros com ativos virtuais serão considerados localizados no exterior, independentemente do local do emissor do ativo virtual e do arranjo financeiro com ativo virtual, quando forem custodiados ou negociados por instituições localizadas no exterior.”
Segundo os advogados , Daniel de Paiva Gomes e Eduardo de Paiva Gomes, sócios de VDV e Paiva Gomes Advogados:
A norma não menciona explicitamente o caso da “autocustódia”, mas, a seu ver, nem seria necessário. A norma foi clara: considera-se localizado no exterior quando o intermediário está no exterior.
Eles acrescentam que, “se o intermediário estiver no Brasil ou se não houver intermediário (caso da autocustódia, em que prevalece a residência do titular), no momento da ocorrência do fato gerador (aquisição de renda, enquanto produto do trabalho ou do capital investido; e alienação, para fins de ganho de capital), aplica-se o regime geral vigente até então.”
Rendimentos serão tributados em 15%
Os rendimentos dos ativos virtuais e dos arranjos financeiros com ativos virtuais, quando enquadrados como aplicações financeiras no exterior, serão tributados em 15%. Essa determinação é estabelecida no § 3º do art. 9 da instrução normativa, que afirma:
“Os rendimentos dos ativos virtuais e dos arranjos financeiros com ativos virtuais enquadrados como aplicações financeiras no exterior serão tributados de acordo com o disposto neste Capítulo.”
Um ponto positivo é a possibilidade de compensar prejuízos, conforme previsto na Lei nº 14.754. A legislação, agora regulamentada pela instrução normativa, permite que prejuízos com aplicações financeiras no exterior sejam compensados com os rendimentos no mesmo período de apuração. Caso o total de perdas exceda os ganhos em um ano, o saldo negativo poderá ser transferido para períodos subsequentes.
Perguntas e respostas sobre a Instrução Normativa nº 2180
Perguntas e Respostas Atualizado com a regulamentação e utilizando-se da interpretação do Declarando Bitcoin.
Faço um aparte aqui – de que toda norma tem um tempo de interpretação e acomodação dos fatores, portanto é possível ainda que tenhamos mais novidade a respeito da aplicação da mesma.
1. Criptos custodiadas (autocustódia) em carteira serão consideradas aplicações financeiras no exterior?
Não. Serão considerados localizados no exterior os ativos virtuais custodiados ou negociados por instituições localizadas no exterior.
2. Pago imposto no hold?
Não, para ser tributado precisa ocorrer o fato gerador de imposto.
3. Terei a isenção na venda ao transferir os criptoativos de uma corretora estrangeira para a nacional e vender?
Sim. No entanto, é preciso observar se não houve fato gerador de imposto antes, enquanto estava na corretora estrangeira (alienações, rendimentos de stake etc). Caso contrário, mesmo utilizando a isenção no Brasil, já teria havido a incidência de imposto na transação realizada no exterior, ainda que apuração anual.
4. Pago imposto sobre a permuta?
Sim. A permuta é considerada uma alienação e, portanto, é fato gerador de imposto. Caso tenha lucro na operação e não tenha prejuízos a compensar, haverá imposto a ser pago.
5. Não teremos mais a isenção de 35 mil em alienações no mês?
A isenção continua valendo para o ganho de capital realizado no Brasil. Para o que estiver no exterior, não haverá mais isenção.
6. Terei que pagar imposto ao transferir as criptos de uma exchange nacional para uma carteira?
Não há imposto apenas pela transferência entre carteiras ou corretoras de uma mesma pessoa. O imposto incide apenas quando ocorre um fato gerador, como a venda ou troca de ativos com ganho de capital. Eu acrescento aqui que em suma, o que importa na prática é o local de negociação.
7. A Binance é considerada exchange nacional?
Até o momento entendemos que a Binance atua como uma corretora estrangeira. Essa informação foi confirmada pelo próprio diretor-geral da Binance no Brasil em sessão da CPI no Congresso Nacional.
8. Quando começam a valer as novas regras de tributação?
Já estão valendo desde 1º de janeiro de 2024.
9. Teremos tributação apenas pela variação cambial da criptomoeda?
Não. O ganho na variação da criptomoeda em relação à moeda nacional será tributado na alienação, como já ocorre atualmente.
10. Todos os ativos virtuais serão considerados como aplicações financeiras no exterior?
Há margem para discussão. De acordo com a normativa, os ativos virtuais serão considerados aplicações financeiras no exterior desde que sejam a representação digital de outra aplicação financeira no exterior ou que sua natureza ou características os enquadrem nessa definição.
O propósito de investimento pensamos ser crucial aqui, o que amplia o entendimento a praticamente todos os ativos virtuais, abrindo o leque de que a depender da função e natureza e, dentro desse contexto, sejam considerados aplicações financeiras no exterior.
11. O bitcoin por exemplo se incluiria como tal?
Em que pese o bictoin não seja um ativo financeiro, uma vez adquirido ou custodiado em um institução localizada no exterior, e portanto intermediária e contraparte na oparação, entendemos que sim.
12. Poderia ainda por exemplo transferir um ativo de uma corretora nacional para estrangeira, em caso de lucros maiores, visando pagamento de imposto em uma aliquota unica de 15%?
Pensamos que sim, uma vez que há possibilidade de transferir do exterior para nacional, aplica-se o mesmo no sentido inverso.
13. Quando será pago o imposto sobre os ganhos nas aplicações financeiras no exterior?
Com as novas regras, o contribuinte passará a tributar tais rendimentos anualmente, na Declaração de Ajuste Anual (DAA).
14. Quando começam a valer as novas regras de tributação?
A partir de 1º de janeiro de 2024.
15. Será permitido compensar prejuízos?
Sim, com a nova lei, as perdas que forem apuradas em aplicações financeiras no exterior poderão ser compensadas com ganhos de outras aplicações financeiras também no exterior.
16. Quando será feita essa compensação das perdas?
A compensação será feita dentro do ano-base, na DAA.
17. Caso haja acúmulo de perdas, poderei compensar em lucros de anos posteriores?
Sim, caso haja acúmulo de perdas não compensadas, essas perdas poderão ser compensadas com os rendimentos de períodos de apuração posteriores, e essas perdas poderão ser compensadas uma única vez.
18. Como funciona a atualização do valor dos bens pagando menos imposto?
A lei abriu a possibilidade de o contribuinte atualizar o valor dos seus bens e direitos no exterior até a data-base de 31 de dezembro de 2023, pagando uma alíquota de 8% sobre a diferença em relação ao custo de aquisição.
19. Tenho que pagar o imposto de 8% obrigatoriamente?
Não. Apenas se quiser realizar a atualização do bem. A atualização é opcional.
20. Nunca declarei, então posso me regularizar pagando apenas 8%?
Não. Somente são passíveis de atualização os bens e direitos declarados na DAA relativa ao ano base de 2022 entregue até 31/05/2023.
21. Tenho interesse em atualizar, quando devo pagar os 8%?
Antes você deverá preencher a “ABEX”uma declaração específica que foi disponibilizada pela própria Receita para formalizar a opção. O pagamento do imposto deve ser feito até o dia 31/05/2024. Nela inclusive constam os códigos de criptoativos (verificar tabela já disponível no IRPF2024.
22. As corretoras estrangeiras que operam no Brasil passarão a reportar informações para a RFB?
Sim, e não somente as corretoras, qualquer empresa que operar no país com ativos virtuais, independente de seu domicílio, estará obrigada a reportar informações para a RFB e ao COAF. Mas isso não foi definido na IN2180, então segue sem definição.
23. A nova lei substituirá a IN 1888?
Não. A nova lei não substituirá e não entra em conflito com a IN 1888, a instrução não trata de tributação, ela apenas criou uma obrigação acessória para informar as movimentações. Aguarda definição.
24. Ainda devemos informar as movimentações realizadas em corretoras estrangeiras na IN 1888?
Sim. Até que não haja alterações na IN 1888, segue como está o reporte de informações por parte do investidor nessa obrigação acessória.
25. Qual a alíquota do imposto?
A lei definiu uma alíquota única de 15% sobre os ganhos, independente do valor do ganho e sem isenção. A IN confirma.
26. Será permitido compensar prejuízos de ativos de naturezas distintas?
Sim. Desde que ambas operações sejam consideradas aplicações financeiras no exterior, será permitido a compensação entre elas.
27. Será permitido compensar o imposto pago no exterior sobre os rendimentos das aplicações financeiras?
A compensação de impostos pagos no exterior poderá ser realizada desde que em conformidade com o previsto em acordo internacional firmado com o país de origem dos rendimentos.
28. Quais os pontos positivos para o investidor de cripto?
Compensação de perdas, que atualmente não era permitida, e a apuração que passará a ser feita de forma anual.
Entendo como positiva a consideração da definição de consideração do critério como o país sede do intermediário como local da negociação.
29. Quais os pontos negativos para o investidor de cripto?
Fim da isenção de 35 mil reais em alienações no mês para as aplicações financeiras no exterior.
30. Onde serão declarados os rendimentos de criptoativos no exterior?
Os rendimentos de aplicações financeiras no exterior apurados de 1º de janeiro a 31 de dezembro do ano-base passarão a ser somados e inseridos em ficha própria de renda do capital aplicado no exterior, na DAA.
31. Já vale para a próxima declaração de imposto de renda?
Não. A próxima declaração de imposto de renda é referente ao ano de 2023. A primeira declaração afetada pelas novas regras será a realizada em 2025.
32. Se eu recolhi imposto ainda referente a Janeiro de 2024, como proceder?
Penso que somente na apuração no ano que vem por meio de PERDCOMP.
33. Se eu tiver cripto adquirida da Binance em carteira pago imposto?
Não, apenas quando ocorrer o fato gerador de imposto. Não há imposto apenas por manter em carteira. Pagará como exterior se a negociação for no exterior.
34. Como saber se uma exchange é nacional ou estrangeira?
Verificando o contrato de usuário da corretora ou entrando em contato com o suporte dela.
Penso ter abordado as mais perguntadas, mas insisto que embora uma leitura cautelosa e conservadora, ainda é possívem que tenhamos outros capítulos relevantes ao tema.
Por Ana Paula Rabello e Gabriel Rother Candido.
Texto atualizado em 14/3/2024 às 7:03