O “tiro no pé” de Trump em seu ataque às criptomoedas

Bastante foi falado nos últimos dias sobre os tuítes de Donald Trump citando o Bitcoin e o Facebook. O fato é que muitas discussões já se consolidaram e a ação se mostra cada vez mais um novo “erro presidencial” alinhado a tantos outros acumulados pela atual administração norte-americana.

Neste artigo, vamos levantar alguns pontos que mostram o quão equivocada foi a posição presidencial e como, da mesma forma, os EUA perderam uma boa oportunidade de se posicionarem de maneira inteligente sobre o tema. Coisa que, mais cedo ou mais tarde, terão fazer.

Primeiramente, vamos aos tweets, que foram os seguintes:

 

Resumindo a baderna, o atual ocupante da Casa Branca disse não “ser fã” do Bitcoin e outras criptomoedas, dizendo serem “baseadas em ar” e repetindo a lenga-lenga de que facilitariam tráfico de drogas e outras atividades ilegais.

Na sequência, atacou a proposta de moeda do Facebook, a Libra, dizendo que ela “terá pouca importância ou confiabilidade” e que, se o Facebook quer se tornar um banco, deve “buscar uma licença bancária e se sujeitar a todas regulações bancárias”.

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Imagem de John Hain por Pixabay

Muito se especulou no dia 11 de julho, data das publicações, e depois, sobre o significado e os resultados dos tweets de Trump. Houve inclusive quem esperasse uma alta imediata do Bitcoin, apelidada de “TrumPump” na ocasião, coisa que acabou não acontecendo.

O fato é que, mesmo em seu caráter atrapalhado e sem conexão com outras ações do governo, a comunicação mostrou que, de alguma forma, Trump se viu “obrigado” a se posicionar neste momento quanto ao tema do Bitcoin e das criptomoedas. Ou seja, elevou o tema a um “patamar presidencial”, significando, sim, uma mudança de status para o tema das criptomoedas no mundo.

Banir ou não banir

Muita gente discutiu, nesses dias, se a atitude de Trump refletiria uma elevada possibilidade de que os EUA banissem o Bitcoin e outras criptomoedas do território americano.

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Imagem de Gerd Altmann por Pixabay

Verdade é que a posição reflete, sim, uma posição retrógrada, que pode se converter numa legislação restritiva, mas que isso depende também de outras esferas administrativas, não só do Executivo americano.

Vale dizer ainda que, se olharmos só pelo lado legal, é possível o banimento, e temos casos de países que adotaram restrições, como Bangladesh, Bolívia, China, Quirquistão, Vietnã e Venezuela. Porém, não é possível desprezar os próprios movimentos do mercado e, junto com isso, talvez o próprio poder da tecnologia se mostre tão disruptivo que não haja outra alternativa aos países, senão, conviverem com as criptomoedas.

Exemplo que pode reforçar essa tese vem da própria China, já citada e que, apesar de ter proibido o câmbio da moeda local (Yuan) por Bitcoin em 2013, teve de voltar atrás depois.

Soma-se a essa análise a própria característica descentralizada do Bitcoin e de outras criptomoedas, que têm na sua raiz o DNA de incentivo às trocas P2P (pessoa a pessoa), modalidade que tende a sempre correr em paralelo aos olhos dos estados.

Isso está acontecendo no Brasil mesmo onde, neste momento de aperto de fiscalização pela Receita Federal, têm aumentado as discussões que veem nas trocas realizadas em exchanges do exterior, ou mesmo no uso de stablecoins para trocas, saídas para que traders não estejam sujeitos à legislação local.

Essa criatividade existe e, na maioria dos casos, não se trata de sonegação de impostos, mas de soluções tecnológicas dentro do que prevê a legislação.

Criptomoedas estatais à vista

Outro movimento importante que mostra o aumento da presença das criptomoedas no universo das finanças públicas são os estudos e experiências de implantação de criptomoedas estatais, ou seja, emitidas pelas entidades oficiais de diversos países, notadamente, seus bancos centrais.

Petro Venezuela Maduro

Talvez o caso mais conhecido seja o da Venezuela, com a emissão da moeda Petro, em 20 de agosto de 2018, atrelada aos valores do barril de petróleo. Mas se, naquele país, a moeda é uma tentativa de domar a inflação que assola o país, há moedas emitidas com outras finalidades ainda na Tunísia, no Senegal e nas Ilhas Marshall.

Além desses exemplos, diversos países estudam ou estão em vias de experimentar criptomoedas estatais, dentre os quais estão Uruguai, Dubai, Irã, Cingapura, Canadá, a própria já citada China e Israel, além de Suécia, Noruega, Tailândia e Reino Unido. Evidentemente, há também os países com projetos fracassados neste sentido, como o Equador, Estônia, Suíça e Alemanha, cada um com uma história diferente de rejeição à ideia.

No geral, mesmo com algumas iniciativas frustradas, o movimento mostra um interesse prático dos administradores públicos nas facilidades de uso apresentadas pelas criptomoedas, até mesmo como forma controlada e mais segura de passagem do dinheiro papel para o digital, coisa que, convenhamos, já acontece hoje com os cartões de crédito e débito, mesmo que, nesses casos, não estejamos falando em moedas criptografadas.

Relógio de Pandora

Existe um mecanismo, muito usado em filmes de aventura, em que a personagem principal é obrigada a realizar uma façanha, ao mesmo tempo em que alguém está ameaçado por uma contagem de tempo perversa. Pode ser uma bomba-relógio, um trem chegando à distância enquanto uma pessoa grita amarrada aos trilhos ou mesmo a boa e velha esteira rolante que leva a pobre vítima a uma serra gigantesca ansiosa por triturar carne humana. A esse mecanismo, que obriga uma ação cada vez mais urgente e com hora marcada, dá-se o nome de Relógio de Pandora.

Imagem de Sarah Richter por Pixabay

Curiosamente, parece existir um Relógio de Pandora ativo na expansão das criptomoedas, obrigando governos e instituições internacionais a estabelecerem regras “antes que tudo saia do controle”, se é que já não saiu.

É o que podemos perceber, por exemplo, por um relatório especial elaborado Banco Central Europeu (BCE) em 2012 e atualizado em 2015. No documento, são apontados os “riscos” representados pelas criptomoedas, cuja listagem pode ser lida no Projeto de Lei 2303/2015, do deputado federal Áureo, que tem como finalidade regulamentar as criptomoedas no Brasil.

Entre os argumentos do BCE contra as criptomoedas estão os seguintes:

  • As criptomoedas não impõem um risco sobre a estabilidade de preços, conquanto a criação de moeda permaneça em um nível baixo;
  • Tendem a ser inerentemente instáveis, mas não têm o condão de comprometer a estabilidade financeira do país dada a sua conexão limitada com a economia real, seu baixo volume negociado e a falta de aceitação tão ampla entre os usuários”;
  • Não são reguladas no presente momento e não são supervisionadas ou fiscalizadas de perto por qualquer autoridade pública, expondo usuários a riscos;
  • Podem ter um efeito negativo sobre a reputação dos bancos centrais, assumindo que o uso de tais sistemas cresce consideravelmente e que no caso de um incidente atrair a cobertura da imprensa, o público pode perceber o incidente como sendo causado, em parte, pelo fato de o banco central não estar fazendo seu trabalho direito;

Como podemos ver, já em 2015 a União Europeia acreditava que caso as criptomoedas ganhassem volume, teriam, sim, forte influência sobre as economias nacionais. Para uma transposição temporal, vale saber que o mercado de criptoativos encerrou 2015 com algo como US$ 7,4 bilhões de capitalização, estando hoje acima de US$ 270 bilhões, segundo dados do CoinMarketCap, sendo que essa capitalização já chegou a mais de US$ 800 bi, no pico de 2017.

Libra como grande ameaça

Mas se a água está subindo aos poucos e se muitas economias ainda estavam longe de acharem que podiam se afogar, o recente anúncio da moeda do Facebook, a Libra, veio acrescentar milhares de litros de preocupações aos governos conservadores quanto ao “perigo” das criptomoedas.

Não é à toa que os tweets de Trump citam explicitamente o Facebook, intimando a empresa a “criar uma instituição bancária” caso queira bancar uma.

E Trump não está errado de ter medo, pois a Libra possui, sim, um potencial sem precedentes de dar um verdadeiro chacoalhão na área das transações monetárias no mundo todo. Seria muita ingenuidade subestimarmos o potencial de capilaridade dos bilhões de usuários nas mãos da gigante das redes sociais.

Além disso, o projeto da Libra veio muito mais sólido do que a comunidade de criptos esperava, com articulações empresariais poderosas e uma proposta, pelo menos teórica, de levar a moeda a um certo grau de descentralização, impedindo a ingerência de um único país em sua administração. Se a Libra vai pegar como moeda internacional ou se vai precipitar uma definitiva corrida ao Bitcoin são “outros 500”.

Por tudo o que vimos, e talvez por estarmos dentro do universo das criptomoedas, soam não somente como frágeis, mas até com certo grau de desespero os tweets de Trump. Têm um pouco o tom de alguém que acha pode mudar a realidade simplesmente afirmando que ela não existe. Ao invés de perceber os movimentos e contribuir para que seu país ganhe com a maré, ele se mostra com vontade de nadar contra ela.

Por essas e outras, 2020 promete ser um ano decisivo para as criptomoedas. É contar os meses, os satoshis, e aguardar.

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Sui Teixeira
Sui Teixeira é jornalista desde 2001, formada pela USP. Trabalha ainda como produtora de jingles, é programadora amadora e entusiasta de ciência e tecnologia.

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