A decisão não é nova, mas voltou à baila devido a um artigo recente. O caso é que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, em novembro passado, que um julgamento específico sobre crimes envolvendo criptomoedas deveria ser decidido pela Justiça Estadual e não pela Federal.
Vale dizer que o caso chegou ao STJ exatamente porque ambas as justiças se declararam incompetentes para julgá-lo. A decisão do tribunal, como veremos, mostra que a falta de regulação das criptomoedas, entre outros perrengues, também está atravancando a justiça brasileira!
Para quem quiser conferir a íntegra da decisão, ela está disponível aqui. Para quem não tiver muito tempo para ler – ou traduzir, já que decisões jurídicas, vamos combinar, parecem que estão criptografadas! – nós damos o resumo da ópera.
Que tal um lucro de 31% ao mês?
Segundo o voto do relator do processo, que pode ser lido aqui na íntegra, a empresa Híbridos Consultoria e Gestão Financeira Ltda oferecia para seus clientes rendimentos mensais fixos de 31%. Sim, você não leu errado. O processo diz “31%”, diz “fixos” e diz “mensais”!
Após queixa contra a empresa, o Ministério Público (MP) investigou e encontrou possíveis crimes da empresa e dos sócios, além do visível estelionato contra os clientes. Um dos crimes seria o fato de a empresa “especular no mercado cambial” sem possuir registro ou autorização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
O MP seguiu afirmando que a empresa deveria ser considerada “instituição financeira” e que, por não se assumir como tal, estaria fugindo da fiscalização do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
Além disso, ela teria deixado de declarar à Receita Federal dezenas de operações realizadas. A lista de possíveis crimes é bem grande, então não vamos listá-la toda aqui.
O que o STJ decidiu
O que o Superior Tribunal fez foi passar a listagem dos crimes indicados e checar a quem cabia, se à Justiça Federal, se à Estadual. É interessante este trechinho do início do acórdão:
“A operação envolvendo compra ou venda de criptomoedas não encontra regulação no ordenamento jurídico pátrio, pois as moedas virtuais não são tidas pelo Banco Central do Brasil (BCB) como moeda, nem são consideradas como valor mobiliário pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), não caracterizando sua negociação, por si só, os crimes tipificados nos arts. 7º, II, e 11, ambos da Lei n. 7.492/1986, nem mesmo o delito previsto no art. 27-E da Lei n. 6.385/1976.”
Ou seja, por não estarem regulamentadas, as criptomoedas não são nem consideradas moedas, para estarem sujeitas ao ordenamento do BCB, nem valores mobiliários, sujeitos à CVM.
O STJ seguiu ainda mostrando que no processo específico – pois em outros processos pode ser diferente – não existe crime federal. É o caso da possibilidade de crime de sonegação de tributo federal porque “nos autos, não consta evidência de constituição definitiva do crédito tributário”.
É o caso também do crime de evasão, já que os elementos dos autos “não indicam tal circunstância”, e lavagem de dinheiro que, para caracterizar competência federal, dependeria da prática de crime federal antecedente ou mesmo da conclusão de que a conduta teria atentado contra o sistema financeiro, entre outras possibilidades.
A decisão é concluída dizendo que “por ora” não há indícios de crime federal e que, por isso, o processo deveria ser julgado pela estadual.
Ou seja, além de nos manter a anos luz de termos um ambiente de negócios adequado para as criptomoedas, fazendo inclusive com que muitos investimentos migrem para fora do país, a ausência da regulamentação tem gastado à toa tempo de nossos juízes, desembargadores e ministros. Essa é a tônica da decisão do STJ.