A evolução da regulamentação dos criptoativos no Brasil

A todo momento, governos e instituições ao redor do mundo têm discutido cada vez mais sobre regulamentações, regras de uso e instruções normativas com o objetivo de “regulamentar e fiscalizar” os usuários dos criptoativos, e isso se dá em razão do crescimento exponencial que o bitcoin vem tendo nos últimos anos.

No Brasil, se deu início a primeira proposta de regulamentação vindo a se repercutir a PL 2.303/2015 do Deputado Áureo Ribeiro, que ainda usava o termo “moedas virtuais”, tendo o projeto como objetivo colocar o bitcoin e outros da mesma espécie na definição de “arranjo de pagamento”.

Após o ano de 2015, tivemos em março de 2016, um posicionamento da Secretária da Receita Federal (RFB) a respeito da declaração para “moedas digitais”, divulgando um “Perguntão” no qual ensinava aos cidadãos brasileiros como declarar suas “moedas digitais” e os orientava a respeito das tributações incididas.

Mais tarde, em janeiro de 2018, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) emite o Oficio Circular n 1/2018/CVM/ SIN, proibindo os fundos de investimentos a investirem em “moedas digitais”, no entanto, no mês de setembro do mesmo ano, a CVM volta se posicionar sobre o Bitcoin e emite um novo Oficio, o Oficio Circular n° 11/2018, autorizando aos fundos de investimento a investirem indiretamente em criptoativos.

Ainda no ano de 2018, no dia 10 de maio, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), começa a definir o Bitcoin como um criptoativo, conforme definido em seu relatório de alerta.

Em janeiro de 2019, o Projeto Lei 2.303/2015 caminhava para o seu arquivamento, estando na situação de “Aguardando Instalação de Comissão Temporária; Aguardando Parecer do Relator na Comissão Especial destinada a proferir parecer ao Projeto de Lei nº 2303, de 2015, do Sr. Áureo, que “dispõe sobre a inclusão das moedas virtuais e programas de milhagem aéreas na definição de ‘arranjos de pagamento’ sob a supervisão do Banco Central” (altera a Lei nº 12.865, de 2013 e da Lei 9.613, de 1998) ” . Contudo, o mesmo autor da PL 2.303/2015, o Sr. Áureo Ribeiro, apresentou um novo projeto a câmara dos deputados em 04 de abril de 2019, que visa dispor sobre o regime jurídico de criptoativos.

No dia 07 de maio de 2019, tivemos um novo posicionamento da Secretária da Receita Federal (RFB), por meio da Instrução Normativa N° 1.888, na qual institui e disciplina a obrigatoriedade de prestação de informações relativas às operações realizadas com criptoativos. E foi desse momento em diante que a receita federal começou a definir o Bitcoin e seus iguais, como criptoativos.

Analisando o surgimento do interesse do Estado pelas criptomoedas, observa-se uma evolução gradual a respeito da regulamentação do Bitcoin no Brasil, principalmente em 2019, ano em que estas discussões estavam intensificando-se e ganhando notoriedade.

Em análise ao PL 2.060/2019 verifica-se que seu texto trouxe a definição da natureza jurídica do Bitcoin definindo-o como “criptoativo” e o inserindo em uma nova classe de ativos. Em seu texto legal, além da definição do que se entende por criptoativos, em seu artigo 2°, o projeto também trata de punições a determinadas condutas utilizando os criptoativos, visando acrescentar certas punições no texto legal das referidas leis: Lei nº 1.521/51, Lei nº 6.385/76 e do decreto lei 2.848/40 (Código Penal), como por exemplo, o seu seguinte artigo:

“Art. 292-A. Organizar, gerir, ofertar carteiras, intermediar operações de compra e venda de Criptoativos com o objetivo de pirâmide financeira, evasão de divisas, sonegação fiscal, realização de operações fraudulentas ou prática de outros crimes contra o Sistema Financeiro, independentemente da obtenção de benefício econômico: Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa. ”[1]

Efetuando análise mais minuciosa do texto do PL, identifica-se considerável melhoria em seu conteúdo em relação ao seu antecessor, – PL 2.303/2015 – trazendo uma definição mais coerente ao Bitcoin e acrescentando punições a condutas criminosas que emergiram junto com o mercado de criptomoedas no Brasil, como as de pirâmide financeiras.

Apesar dessa melhoria, é importante notar que o PL reitera o mesmo erro que seu antecessor: a tentativa de centralização e controle da emissão de criptoativos. Assim, o projeto de lei busca permitir apenas pessoas jurídicas de direito público e privado realizaram tal tarefa, contrariando assim um dos princípios basilares do Bitcoin, que é sua descentralização.

Essa tentativa de centralização da emissão dos criptoativos é encontrado em seu artigo 4º, in verbis:

“Art. 4º A emissão de Criptoativos, sob o escopo desta Lei, poderá ser realizada por pessoas jurídicas de direito público ou privado, estabelecidas no Brasil, desde que a finalidade à qual serve a emissão dos Criptoativos seja compatível com as suas atividades ou com seus mercados de atuação. ”[2]

Um possível problema que esse projeto de lei poderá enfrentar e que contraria a finalidade definida no artigo 2° desta PL, são as denominadas “stablecoin”, que basicamente são: criptoativos usando o blockchain, com a ideia de que seu valor se mantenha o mais estável possível, sendo lastreado em alguma moeda corrente, como por exemplo, o dólar, representando então: 1 dólar = 1 “stablecoin” (EX.: a USDT ou USDC).

O cerne do problema encontra-se na incompatibilidade das stablecoins com o texto do projeto de lei: “[…] que não seja ou representem moeda de curso legal no Brasil ou em qualquer outro país.” disposto no artigo 2°, inciso I e II, in verbis:

Art. 2º Para a finalidade desta lei e daquelas por ela modificadas, entende-se por criptoativos:

I – Unidades de valor criptografadas mediante a combinação de chaves públicas e privadas de assinatura por meio digital, geradas por um sistema público ou privado e descentralizado de registro, digitalmente transferíveis e que não sejam ou representem moeda de curso legal no Brasil ou em qualquer outro país;

II – Unidades virtuais representativas de bens, serviços ou direitos, criptografados mediante a combinação de chaves públicas e privadas de assinatura por meio digital, registrados em sistema público ou privado e descentralizado de registro, digitalmente transferíveis, que não seja ou representem moeda de curso legal no Brasil ou em qualquer outro país;[3]

Ademais, a última atividade em relação a tramitação desse projeto foi em 13/06/2019 com a “Apresentação do Requerimento n. 1746/2019, pelo Deputado Eduardo Cury (PSDB/SP), que “Requer a apensamento do Projeto de Lei nº 2.060, de 2019, ao Projeto de Lei nº 2.303, de 2015”.

O projeto de lei mais recente desde então é a PL 4207/2020 da Senadora Soraya Thronicke que “Dispõe sobre os ativos virtuais e sobre as pessoas jurídicas que exerçam as atividades de intermediação, custódia, distribuição, liquidação, transação, emissão ou gestão desses ativos virtuais, sobre crimes relacionados ao uso fraudulento de ativos virtuais, bem como sobre o aumento de pena para o crime de “pirâmide financeira”, e altera a Lei nº 9.613, de 03 de março de 1998.”

Dessa vez, o foco do projeto lei está em regulamentar o cenário das corretoras de criptoativos, como também, fiscalizar e punir de forma mais rigorosa as famosas “pirâmides financeiras”.

O PL 4207/2020 da Senadora Soraya, começa por definir o que são considerados os ativos virtuais supra mencionados em várias ocasiões do texto, conforme o disposto no  artigo 2°, inciso I e II, in verbis:

Art. 2º Para fins do disposto nesta lei consideram-se ativos virtuais:

I – qualquer representação digital de um valor, seja ele criptografado ou não, que não seja emitido por banco central ou qualquer autoridade pública, no país ou no exterior, ou represente moeda eletrônica de curso legal no Brasil ou moeda estrangeira, mas que seja aceito ou transacionado por pessoa física ou pessoa jurídica como meio de troca ou de pagamento, e que possa ser armazenado, negociado ou transferido eletronicamente.

II – ativos virtuais intangíveis (“tokens”) que representem, em formato digital, bens, serviços ou um ou mais direitos, que possam ser emitidos, registrados, retidos, transacionados ou transferidos por meio de dispositivo eletrônico compartilhado, que possibilite identificar, direta ou indiretamente, o titular do ativo virtual, e que não se enquadrem no conceito de valor mobiliário disposto no art. 2° da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976.

Além disso, trazem regras especificas agora para quem quer empreender como corretora, conforme o disposto no artigo 2°, inciso I a XII in verbis:

Art. 4º As pessoas jurídicas que exerçam as atividades de emissão, de intermediação, de custódia, de distribuição, de liquidação, de negociação ou de administração de ativos virtuais para terceiros deverão:

I – constituir-se sob a forma de sociedade anônima ou por quotas de responsabilidade limitada;

II – observar limite mínimo de capital social, a ser integralizado em moeda corrente, no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais); e

III – manter a segregação patrimonial dos ativos virtuais de titularidade própria daqueles detidos por conta e ordem de terceiros.

Os incisos IV-XII complementam e especificam mais regras as corretoras, para acessa-las basta acessar a PL no site : <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/144036>

Salienta-se que, em leitura ao PL 4207/2020, o autor reafirma a indicação da competência de atuação dos órgãos do Estado, tais como:

  • Da Receita Federal do Brasil: Competirá à Receita Federal do Brasil a tributação, a fiscalização, a arrecadação e a cobrança da atividade descrita no art. 1º.
  • Do Banco Central do Brasil: Competirá ao Banco Central do Brasil a supervisão e a regulação da atividade descrita no art. 1º, nas circunstâncias específicas em que a emissão, a transação ou a transferência de ativos virtuais, por sua natureza, integrem os arranjos de pagamento do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB), disposta no art. 6º, da Lei nº 12.865, de 9 d e outubro de 2013.
  • Da Comissão de Valores Mobiliares: Competirá à Comissão de Valores Mobiliares a supervisão e a regulação da atividade descrita no art. 1º, nas circunstâncias específicas em que a emissão, a transação ou a transferência dos ativos virtuais seja compatível com a natureza de valores mobiliários, disposta pelo art. 2º, da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976.
  • Do Conselho de Controle de Atividades Financeiras: Competirá ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras a supervisão e a regulação da atividade descrita no art. 1º, conforme as disposições da Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, e da Lei nº 13.974, de 7 de janeiro de 2020.

Até o momento a última atualização da PL 4207/2020 foi:  “Último local: 13/08/2020 – Plenário do Senado Federal (Secretaria de Atas e Diários)”.

Além do exposto, no ano de 2021, como sempre a Receita Federal mantendo-se atualizada trousse novas atualizações para o código de declaração dos criptoativos que antes eram feitas através do código “99 – Outros”, mas a partir deste ano três novas categorias foram criadas:

81 – Exclusiva para o bitcoin (BTC).

82 – Código para as chamadas “altcoins”, todas as outras criptomoedas como ethereum (ETH), ripple (XRP), bitcoin cash (BCH), litecoin (LTC) e adiante.

83 – Outras formas de criptoativos que não são considerados criptomoedas, como tokens.

Agradeço a todos que tiveram a paciência de ler até aqui, ainda mais com o tamanho desse conteúdo, e espero ter agregado e te ajudado de alguma forma. Até mais!

DICA: Análise Jurídica: Qual o termo mais adequado, Criptoativo ou Criptomoeda?

CONTRIBUÇÕES ORTAGRAFICAS E CORREÇÕES: Guilherme Barbosa

REFERENCIAS:

SENADO FEDERAL. Projeto Lei 4207/2020. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2196875>. Acesso em: 04 de mar. 2021.

CÂMERA DOS DEPUTADOS. Projeto Lei 2060/2019. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2196875>. Acesso em: 04 de mar. 2021.

CÂMERA DOS DEPUTADOS. Projeto Lei 2303/2015. Disponível em:

<https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1555470>. Acesso em: 04 de mar. 2021.

VALOR INVESTE. Bitcoin no Imposto de Renda. Disponível em:

https://valorinveste.globo.com/mercados/cripto/noticia/2021/03/02/bitcoin-no-imposto-de-renda-2021-veja-como-declarar-criptoativos.ghtml> Acesso em: 04 de mar. 2021.

CVM. Criptoativos. Disponível em:

<https://www.investidor.gov.br/publicacao/Alertas/alerta_CVM_CRIPTOATIVOS_10052018.pdf> Acesso em: 04 de mar. 2021.

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Gabriel Gregory
Gabriel Gregory
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas - FDSM, curioso a cerca de novas inovações tecnológicas e apaixonado por mercado financeiro. Entusiasta dos criptoativos e suas tecnologias, tendo como objetivo juntar a tecnologia dos criptoativos com a área do direito. Autor do livro: Criptoativos: Aspectos legais e regulatórios no cenário brasileiro - Acessar Livro-

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