AbraNetwork diz combater golpes, mas filiou possíveis pirâmides financeiras. Dá para confiar?

3 empresas suspeitas de pirâmide ganharam selo da associação

A AbraNetwork é uma associação criada há quatro anos para defender os interesses de quem trabalha com marketing multinível. Em seu site, afirma “contribuir para a regulamentação das leis” que irão nortear esse mercado e “ajudar no combate a práticas ilegais de pirâmides”. Mensalmente, a entidade publica uma lista “negra” de possíveis golpes financeiros.

Nos últimos meses, no entanto, a associação filiou, iniciou o processo de filiação ou deu um “selo de qualidade” para pelo menos quatro empresas investigadas por possível prática de pirâmide financeira. A CVM (Comissão de Valores Mobiliários), após um usuário denunciar tal prática, chegou a abrir um processo administrativo para apurar o caso.

E é aí que surge a pergunta: como confiar em uma entidade que diz lutar contra fraudes, mas filia supostos golpes financeiros e está sendo investigada pelo órgão regulador do mercado de capitais?

Vice-presidente defende atuação da associação

O vice-presidente da AbraNetwork, Alexandre Augusto de Andrade Vieira, conversou com a reportagem do Livecoins nesta segunda-feira (18). Ele defendeu a idoneidade da associação, que tem mais de 300 mil filiados em todo o Brasil, e de algumas das empresas filiadas que estão sendo investigadas.

“Temos feito o melhor que podemos para proteger os empreendedores e pessoas que adquirem serviços de marketing multinível. Antes de qualquer filiação, pedimos para as empresas uma série de documentos e solicitamos auditorias a cada seis meses. No caso dos selos de qualidade, só damos para negócios com mais de um ano de atuação”.

O procedimento da associação, no entanto, parece não estar dando certo. As empresas filiadas pela AbraNetwork foram a 18K Ronaldinho, que prometia rendimento de até 2% ao dia e está sendo investigada pelo Ministério Público Federal e pela CVM, e a YouXWallet, que prometia lucros de até 3% ao dia por meio de aplicações no mercado Forex (Foreign Exchange) e é alvo de investigação da CVM.

A Binary Bit– investigada pelo Ministério Público de São Paulo por possível prática de pirâmide financeira e que pode ter gerado prejuízo de R$ 80 milhões a 27 mil clientes – iniciou o processo de filiação, mas não conclui. Já a empresa Credminer, que tem mineradoras no Paraguai, Islândia e China e está sendo investigada pelo Ministério Público do Ceará, recebeu um selo de qualidade.

Investigação não é sinônimo de culpa, diz vice-presidente

Andrade Vieira disse que “investigação não significa que a empresa seja culpada”. Afirmou ainda que tanto a 18K Ronaldinho como a YouXWallet se comprometeram com a associação a regularizar a situação com os investidores ainda neste ano e, caso não façam isso, deixarão de ser filiadas.

Já a Credminer, que afirma trabalhar com mineração de criptomoedas, é “de um grupo estrangeiro” e é “confiável”, disse o vice-presidente. No Reclame Aqui, há 61 reclamações contra a empresa. “Credminer não é segura”, “Empresa não retorna contato” e “Credminer é uma furada” são alguns exemplos.

Sobre a investigação da CVM, Andrade Vieira disse que a associação não foi chamada para prestar esclarecimentos ainda e falou acreditar que não será, pois a entidade “não trabalha com investimentos e nem faz captação de terceiros”. A CVM não quis comentar o caso. Apenas informou que o processo está em andamento e em breve irá emitar o resultado da investigação. A data não foi divulgada.

Outras supostas pirâmides internacionais podem se associadar 

Pelo menos outras oito empresas estão em processo de adesão na AbraNetwork. Uma delas é a norte-americana iMarketsLive, que opera em vários países e afirma vender pacotes educacionais sobre operações financeiras no mercado Forex.

A empresa foi apontada como pirâmide financeira por diversos países. No início de 2018, por exemplo, a Financial Services and Markets Authority (FSMA) da Bélgica (algo como a nossa CVM) emitiu alerta ao mercado sobre a atuação do negócio.

“A International Markets Live não está autorizada a oferecer serviços e produtos financeiros na Bélgica. Além disso, o sistema proposto pelo International Markets Live apresenta características características de um esquema de pirâmide”, diz trecho do alerta.

De acordo com o jornal português Visão, autoridades de supervisão de mercados de capitais de Portugal, do Reino Unido, da França e da Espanha também emitiram alertas semalhantes.

A indiana Kuvera, que afirma vender produtos educacionais voltados ao mercado Forex e busca se associar à AbraNetwork, também foi apontada pelo órgão regulador da Bélgica como um possível esquema de pirâmide financeira. Há ainda alertas na França e na Espanha a respeito do grupo.


Especialista diz que filiar esquemas de pirâmide gera perda de credibilidade

Para o Jurandir Sell Macedo, professor de finanças pessoais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e doutor em finanças comportamentais, a partir do momento que uma associação que diz combater golpes faz a filiação de uma pirâmide financeira não há mais credibilidade. “Que confiança o consumidor pode ter em uma entidade assim? Se já teve credibilidade algum dia, não existe mais”, disse.

Macedo sugeriu que, antes de acreditar na avaliação de qualquer associação, o consumidor precisa investigar o histórico dela, buscar informações sobre os fundadores e verificar se há algum tipo de investigação ou pendência perante algum órgão. “Isso porque hoje em dia é fácil criar uma associação. Basta ir ao cartório e inventar uma; qualquer um pode fazer isso”.

O professor também alertou para o risco do marketing multinível. “Não é algo ilegal, mas existem muitas críticas a esse modelo, pois poucas pessoas ganham e a maioria sai perdendo. Quando envolve criptoativos e outros ativos, pior ainda, pois dificilmente vai se sustentar. Por isso, digo sempre o seguinte: se você não entende como o negócio funciona exatamente, caia fora, ou você vai perder dinheiro”.

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Lucas Gabriel Marins
Lucas Gabriel Marins
Jornalista desde 2010. Escreve para Livecoins e UOL. Já foi repórter da Gazeta do Povo e da Agência Estadual de Notícias (AEN).

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