Os fundamentos do Bitcoin

Apesar de ser o dinheiro mágico da internet, o bitcoin tem fundamentos sólidos e verificáveis.

O final de 2021 e início de 2022 pegaram a maioria dos bitcoinheiros de surpresa. Todos os analistas que tentaram prever o preço no último ano acreditavam que no início de 2022 estaríamos em patamares muito superiores aos atuais, provavelmente acima até dos 100 mil dólares por bitcoin.

Contudo, ao invés disso, nós despencamos dos 69 mil dólares para os 33 mil dólares, uma queda superior a 50%, nos últimos meses.

Vários bitcoinheiros, especialmente os iniciantes, se assustaram com este movimento inesperado. Outros, no entanto, não perderam a tranquilidade e viram esse mesmo movimento como uma oportunidade para comprar mais bitcoins a preços que eles achavam que não veriam de novo. Enquanto uns vendiam em pânico, outros aproveitavam a promoção.

[lwptoc]

O que diferencia estes dois grupos de investidores?

Para mim a resposta é simples: os investidores que se assustaram estão focando sua atenção na variação do preço, enquanto os bitcoinheiros que permaneceram em paz focam sua atenção nos fundamentos do Bitcoin.

Sinal Ruido
Sinal Ruido

Em outro texto (que pode ser visto aqui), eu já escrevi sobre a diferença entre o ruído e o sinal. Basicamente, o ruído são as informações irrelevantes que só servem para distrair os investidores, enquanto o sinal são as informações relevantes que realmente ajudam os investidores a embasar sua tese de longo prazo.

O objetivo deste texto é se aprofundar no sinal, ou seja, olhar de perto o que considero ser os fundamentos do Bitcoin. Quais são as suas características que levam os bitcoinheiros a acreditar que a variação de preço de curto prazo é irrelevante, uma vez que o objetivo é surfar a curva de adoção desta tecnologia no longo prazo?

A ideia deste texto também é mostrar o que poderia fazer um bitcoinheiro mudar de ideia em relação ao Bitcoin. O que diferencia a religião ou a pseudociência da ciência bem feita é que na ciência não existem dogmas, apenas hipóteses, que nada mais são que chutes educados.

Não precisa existir confiança, e sim dados abertos e hipóteses sendo testadas. Ou seja, tudo pode ser falseado. E como essa digressão se aplica ao Bitcoin? Simples, o texto busca entender quais são os fundamentos do Bitcoin que, se fossem alterados, poderiam afetar e até mesmo falsear a tese do Bitcoin.

Eu fiz essa pergunta no Twitter, e você pode ver todas as respostas aqui.

Fundamentos Bitcoin
Fundamentos Bitcoin
Fundamentos Bitcoin
Fundamentos Bitcoin

Foram muitas respostas boas e parecidas, o que mostra o alinhamento que os bitcoinheiros possuem. Apesar de sermos uma tribo descentralizada, ainda mantemos uma coesão forte devido ao nosso ethos (o que já foi tratado neste outro texto). De acordo com o Victor Stabile, da Refúgio Bitcoin, o “Bitcoin é escassez digital descentralizada” e que o resto é consequência disso ou o meio para se alcançar essa tal escassez digital descentralizada. Achei essa uma síntese ótima, que organiza os conceitos e consegue explicar em uma frase simples as principais características do Bitcoin.

Mas como o objetivo deste texto é ajudar os novatos a entender melhor o que essa tal “escassez digital descentralizada” significa, escolhi uma forma um pouco diferente de apresentar os fundamentos do Bitcoin. Neste artigo é adotada uma separação entre os fundamentos técnicos e os fundamentos sociais do Bitcoin, apesar de que na realidade eles se retroalimentam em um loop de feedback positivo, o que torna ambos eles praticamente indissociáveis.

Fundamentos técnicos

21 milhões

O bitcoin tem uma oferta limitada de 21 milhões de bitcoins (lembrando que “o bitcoin” pode ser tanto a rede e o protocolo como as moedas). Atualmente, cerca de 90% destes 21 milhões já foram emitidos, o que significa que mais de 18,9 milhões de bitcoins já estão em circulação.

E os últimos 2,1 milhões serão emitidos nos próximos 120 anos aproximadamente.

Ter um estoque auditável é um dos principais pontos fortes do bitcoin, pois nenhuma moeda fiat ou mesmo o Ethereum, supostamente seu principal concorrente, podem dizer o mesmo.

Além disso, essa oferta de 21 milhões de bitcoins é inelástica, o que significa que não importa quanto o preço do bitcoin suba, novos bitcoins sempre serão emitidos de acordo com o que determina o protocolo Isso significa que bitcoins “extras” não serão emitidos.

Ou seja, o bitcoin é a única commodity conhecida pelo homem que possui uma demanda inelástica. 

Enquanto o número máximo de bitcoins for de 21 milhões for mantido, o Bitcoin segue tendo uma escassez irreplicável. Abrir qualquer exceção a este limite de 21 milhões é violar um dos fundamentos básicos do bitcoin e diluir o poder de compra de todas as moedas que já estão em circulação.

Emissão de Bitcoin e Tempo
Emissão de Bitcoin e Tempo

Hashrate

O bitcoin é um protocolo que uma rede de computadores está rodando simultaneamente. Alguns desses computadores são os nodes, que validam os mineradores, e os outros são os mineradores, que validam as transações e a emissão de novas moedas.

A mineração de bitcoin é um processo que demanda muito poder computacional dos seus participantes, visto que quanto mais poder computacional utilizado, maior é a chance do minerador encontrar o próximo bloco de transações do bitcoin (só o minerador que encontra o bloco é remunerado).

Para os propósitos deste texto, não é importante entrar em uma explicação detalhada da mineração, só saber que o nome dado a esse poder computacional é hashrate, ou taxa de hash.

O hashrate mostra quanto poder computacional os mineradores estão alocando na rede a cada segundo. O gráfico abaixo mostra a evolução da hashrate desde a criação do bitcoin.

Taxa hash bitcoin
Taxa hash bitcoin

É possível notar o quanto o poder computacional da rede vem aumentando nos últimos anos. Também é visível a recuperação em V da rede após a China banir a mineração de bitcoin no final do primeiro semestre de 2021.

Em menos de um ano a hashrate se recuperou de uma queda de cerca de 50% e já atingiu novas máximas históricas.

Por que o hashrate é importante?

É esse poder computacional elevado que evita ataques a rede e garante a imutabilidade do histórico de transações do bitcoin. Se algum único player conseguisse centralizar mais de 50% do poder computacional da rede ele poderia, em teoria, alterar e deletar transações, além efetuar gastos duplos.

Esse vetor de ataque é conhecido como o “ataque dos 51%”. Quanto maior for a hashrate da rede, maior o número de computadores alocados exclusivamente para a mineração de bitcoin, o que torna esses computadores exclusivamente alocados na segurança da rede automaticamente.

Isso significa que quanto maior for a hashrate, maior o custo para se atacar o bitcoin. O atacante precisaria, no cenário mais barato, comprar 51% dos computadores utilizados na mineração, que são máquinas extremamente específicas e sofisticas conhecidas como ASICs.

No pior dos cenários, este atacante precisaria encomendar máquinas novas e comprar ASICs o suficiente para dobrar a hashrate da rede.

Esse racional do custo para atacar o bitcoin também mostra porque é importante que o processo de mineração do bitcoin utilize grandes quantidades de energia.

Essa alta quantidade de energia significa que para atacar a rede do bitcoin, o atacante precisaria não apenas de uma quantidade caríssima de computadores, mas também precisaria consumir uma quantidade caríssima de energia.

Em qualquer desses cenários, valeria mais a pena economicamente para o atacante simplesmente ser remunerado por tanto hashrate empregado na rede.

A hashrate é a medida de segurança da rede bitcoin porque ela mostra o grau de segurança da rede. Uma comparação da hashrate do bitcoin com a hashrate de outras criptomoedas ilustra bem o quão superior é o bitcoin, como a imagem abaixo mostra.

Hashrate histórico
Hashrate histórico

Sim, a hashrate do ethereum, do bcash e da dogecoin estão plotadas no gráfico também. Todavia elas tendem a zero em comparação a hashrate do bitcoin. Se você quiser conferir por conta própria, clique aqui. Costumo acompanhar a variação da hashrate por aqui.

Um bloco a cada ~10 minutos

O protocolo do Bitcoin determina que novos blocos sejam minerados em média a cada 10 minutos.

Se olharmos abaixo, nessa tela copiada do mempool.space, onde é possível ver dados sobre o funcionamento da Timechain, é possível notar que o tempo entre cada bloco não é sempre de 10 minutos, mas que os intervalos médios acabam sendo em torno deste tempo.

mempool
mempool

Eventualmente blocos são minerados em intervalos menores ou maiores que 10 minutos, e está tudo bem.

Mas caso o tempo médio de cada bloco se afaste muito dessa média de 10 minutos por um longo período de tempo (alguns ajustes de dificuldade), provavelmente o bitcoin está com graves problemas.

Isso é tão verdade que muitos bitcoinheiros pensam nessa emissão constante de blocos como os batimentos cardíacos do bitcoin.

Uma modificação dos batimentos cardíacos pode significar uma arritmia, caso os blocos sejam emitidos em média em períodos menores que os 10 minutos, o estado de coma ou mesmo a morte, caso os blocos parem de ser emitidos.

Não é à toa que uma expressão comum no vocabulário dos bitcoinheiros é “tick tack next block” (“tick, tack, próximo bloco”). Essa expressão é usada para mostrar que variações de preço não possuem importância e que o coração da rede segue batendo no seu ritmo estável.

Como a hashrate é variável e pode tanto crescer com o tempo como sofrer quedas bruscas, caso não existisse um mecanismo de regulagem, a tendência seria que a emissão do bitcoin se desviasse da média de um bloco a cada 10 minutos.

Esse mecanismo de regulagem é conhecido como “ajuste de dificuldade”.

O ajuste de dificuldade ocorre a cada 2016 blocos, ou a cada duas semanas. O nome ajuste de dificuldade significa que a dificuldade do processo de mineração aumenta com o aumento da hashrate e diminui em caso de queda na hashrate.

O que faz o resultado geral destes movimentos ser a estabilidade do tempo de emissão de novos blocos.

Ajuste de dificuldade Bitcoin
Ajuste de dificuldade Bitcoin

O exemplo extremo do funcionamento do ajuste de dificuldade ocorreu quando a China baniu o bitcoin no ano passado. Inicialmente a rede ficou mais lenta, pois menos poder computacional estava sendo empregado nela enquanto a dificuldade ainda estava elevada.

Nas semanas seguintes, graças ao ajuste de dificuldade, a rede encontrou um novo equilíbrio. Nos meses posteriores, conforme as máquinas chinesas eram realocadas e a hashrate voltou a subir (uma recuperação em V), a dificuldade também subiu de maneira proporcional.

A imagem abaixo mostra como a dificuldade da rede varia de acordo com o hashrate.

Dificuldade rede ajuste
Dificuldade rede ajuste

Descentralização

Descentralização é um conceito chave para entender o bitcoin e como os bitcoinheiros enxergam o mundo. Idealmente, a descentralização deveria ocorrer em todas as diferentes partes do bitcoin.

Seja no desenvolvimento de atualizações no GitHub, seja na mineração, a descentralização é e sempre será vital para o bitcoin ser bem sucedido.

Abaixo, temos uma lista das diferentes formas de descentralização são consideradas chave pelos bitcoinheiros:

  • Tamanho dos blocos

O bitcoin já passou por uma guerra civil (conhecida como “Guerra do Tamanho dos Blocos”) e perdeu um grupo de apoiadores que estavam envolvidos desde os primórdios quando este grupo propôs aumentar o tamanho dos blocos.

Teoricamente, esse aumento do tamanho dos blocos faria que o bitcoin pudesse ser utilizado como moeda mais facilmente, pois as transações seriam consolidadas mais rápido. Entretanto, aumentar o tamanho dos blocos também acabaria significando um maior grau de centralização da rede.

Isso porque seria mais difícil para os pequenos usuários rodarem seus nodes validadores a partir de equipamentos simples e baratos.  Os usuários foram intransigentes e no final saíram vencedores desta questão, mantendo a validação do bitcoin o mais descentralizada possível e os blocos com seu tamanho original.

  • Número de nodes validadores

Como dito acima, o número de pequenos usuários (eu e você), conhecidos como “plebs” pela comunidade, rodando os nodes validadores também é considerado um fator de descentralização.

Quanto mais simples e barato for rodar um node validador, mais saudável a rede do bitcoin estará.

  • Mercados p2p fortes

Muitos de nós ainda compramos bitcoin nas exchanges como o Mercado Bitcoin ou a Bipa. Mas essas exchanges precisam seguir normas do governo e identificar seus usuários.

Uma prática que é mais aconselhável é comprar bitcoin direto de outra pessoa. O bitcoin foi criado para isso, está até no título do whitepaper: Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic Cash System. Isso permite que, caso os governos tentem proibir a utilização do bitcoin, essa medida seja inócua e o bitcoin continue sendo utilizado.

Pode-se dizer que quanto mais trocas ocorrerem sem nenhum terceiro, mais forte estará o bitcoin.

  • Quem foi Satoshi Nakamoto?

Talvez uma das questões mais intrigantes sobre o bitcoin e que todo bitcoinheiro já conversou com amigos é quem foi Satoshi Nakamoto. Essa talvez seja uma das principais perguntas que mostram se alguém entendeu o bitcoin ou não. Por que?

Porque o fato do Satoshi Nakamoto ser desconhecido é uma das principais características positivas do bitcoin.

E isso é algo que só se torna claro depois de algum estudo e reflexão. Mas pense: como o Estado consegue perseguir alguém que ele não conhece? Se o Estado quiser interferir no ethereum ou no Facebook (agora Meta), todos sabem quem precisa ser influenciado/coagido.

No caso do bitcoin ninguém tem controle e nem mesmo influência real sobre as decisões da rede, o que não pode ser dito de nenhuma outra criptomoeda ou outra forma de investimento. O bitcoin é o único ativo descentralizado do mundo.

  • Mineração PoW

A mineração do bitcoin é feita a partir da chamada “prova-de-trabalho” (PoW, sigla de proof-of-work), que é justamente o que faz a mineração utilizar tanta energia.

A PoW foi a forma escolhida para estruturar o bitcoin pois, pelo menos até o momento, essa foi a única solução encontrada pelos humanos para o “problema dos generais bizantinos”.

Este problema dos generais bizantinos é um problema de teoria dos jogos que descreve a dificuldade de entidades descentralizadas chegarem a um consenso sem depender de um ponto central de confiança.

Sem uma solução para esse problema, seria impossível a invenção de um dinheiro da internet descentralizado.

Diversas altcoins tentam solucionar esse mesmo problema teórico utilizando a validação via “prova de participação”, mas essa solução é essencialmente centralizadora, uma vez que nela quem tem mais manda mais.

  • Descentralização geográfica da mineração

Também é importante que a mineração do bitcoin ocorra em diferentes jurisdições. Isso significa que banimentos futuros de jurisdições específicas possuirão apenas poder moderado de influência na rede.

Por exemplo, antes do banimento da China, um risco real era a apreensão de todo o equipamento de mineração que estava lá e totalizava cerca de 50% do poder computacional da rede.

Teria sido a maneira mais simples e barata de se efetuar um ataque dos 51%. Mas a China não fez isso, e agora a rede está mais descentralizada e segura. Mas a premissa se mantém: quanto mais descentralizada geograficamente for a mineração, mais resiliente ela será.

Imutabilidade

“A natureza do Bitcoin é tal que, uma vez que a versão 0.1 foi lançada, o design principal foi gravado em pedra para o resto de sua vida.” Satoshi Nakamoto

O principal fundamento do bitcoin, na opinião de muitos, é a imutabilidade. Isso porque o fato da parte técnica do bitcoin ser praticamente imutável é o que gera confiança no protocolo e faz com que os fundamentos sociais ocorram.

O que significa imutabilidade?

Existem basicamente duas linhas de respostas, uma que foca mais na imutabilidade das regras que foram originalmente criadas por Satoshi Nakamoto e outra que foca na imutabilidade do histórico da Timechain (a cadeia de blocos do Bitcoin).

Imutabilidade
Imutabilidade
Imutabilidade
Imutabilidade

A imutabilidade das regras colocadas por Satoshi em 2009 vem principalmente da intransigência dos bitcoinheiros que rodam seus próprios nodes e não aceitam nenhuma mudança proposta.

Como o bitcoin é um protocolo de código aberto, qualquer pessoa que quiser pode copiá-lo, modificar algumas normas e lançar como uma outra moeda.

Caso essa pessoa conseguisse convencer os nodes a rodarem a sua versão do código, o bitcoin teria sido modificado. Parece simples, né?

Foi o que o pessoal do Bitcoin Cash pensou. Eles queriam atualizar uma única questão do protocolo original: aumentar o tamanho dos blocos minerados de 1mb para 2mb.

Apesar desta mudança ter sido defendida por alguns dos principais nomes do bitcoin da época, além de mineradores e exchanges, ela não foi aceita pela comunidade.

Um grupo de usuários espalhados pelo mundo entendeu que se os blocos aumentassem de tamanho a rede perderia em descentralização, pois seria necessário mais espaço na memória do computador para armazenar a Timechain inteira.

Para ocorrer qualquer mudança no protocolo original, é necessário que uma gama muito grande de usuários diferentes, com interesses diferentes, entre em acordo. Caso isso não ocorra, os nodes que protegem e mandam na rede. E eles são avessos a mudanças.

Mudança de regras
Mudança de regras

A imutabilidade da Timechain significa que as transações são finais e irreversíveis. Uma vez que uma transação é confirmada e colocada em um bloco da Timechain, é extremamente improvável que essa transação seja tirada de lá.

Essa transação estará lá enquanto o bitcoin existir. E essa certeza aumenta a cada bloco minerado de tal forma que após apenas 6 blocos mineras, já podemos afirmar que essa transação está validada enquanto existir a Timechain.

Imultabilidade
Imultabilidade

Pareceu meio complexo ainda né? Tudo bem, um desenho que estava circulando no Twitter ano passado explica bem essa questão:

Trapacear Bitcoin
Trapacear Bitcoin

Para um atacante modificar uma transação no bloco laranja, ele não teria somente que utilizar a energia para solucionar um bloco, mas sim energia para solucionar todos os blocos até o bloco laranja.

E esse atacante teria que solucionar todos os blocos antes que qualquer outro minerador solucionasse apenas um bloco, o que é matematicamente bastante improvável.

Fundamentos Sociais

Os fundamentos técnicos do bitcoin são extremamente importantes e serve de fundação sólida para os fundamentos sociais. Mas são os fundamentos sociais que realmente dão valor para o bitcoin, uma vez que valor é uma questão intersubjetiva.

Ou seja, o que da valor ao bitcoin (ou a qualquer outra coisa do mundo) são as pessoas compartilharem a crença subjetiva que ele é valioso. Essa crença tem origem em suas características técnicas, mas caso essas características existissem e não fossem reconhecidas, elas existiriam em vão.

Então não adianta o bitcoin ter os fundamentos técnicos perfeitos caso não esteja ocorrendo adoção significativa deste protocolo.

“Você não está errado se ninguém souber o que você está fazendo”. Ou seja, as coisas só podem ser percebidas quando as pessoas sabem o que é para ser percebido.
“Você não está errado se ninguém souber o que você está fazendo”. Ou seja, as coisas só podem ser percebidas quando as pessoas sabem o que é para ser percebido.

A forma que o autor do texto utiliza para acompanhar a evolução dos fundamentos sociais do bitcoin é acompanhar a evolução da sua adoção e o comportamento dos HODLers que usam a estratégia da compra recorrente.

Adoção

A taxa de adoção do bitcoin é o seu principal fundamento social. Ela que ilustra os efeitos de rede sendo criados em torno do protocolo, ou, em palavras mais simples, mostram se a ideia está  “pegando”.

Ideias ou “pegam” ou “não pegam”, não existe um meio-termo. Ou elas apresentam uma taxa de adoção suficiente para fazer elas superarem o “abismo” (que foi bastante comentado nesse texto), atingindo um ponto de não retorno, ou elas acabam sendo aquelas tendências abortadas, como as paletas mexicanas e os tablets.

Atualmente, a adoção do bitcoin e do ecossistema das criptomoedas como um todo vem ocorrendo em alta velocidade.

Essa adoção é comparada constantemente com a taxa de adoção da internet no final dos anos 90’s, como a imagem abaixo ilustra. Nessa comparação de curvas de adoção, o bitcoin está aproximadamente no mesmo estágio em que a internet estava em 1998, com cerca de 200 milhões de usuários.

Essa velocidade de adoção mostra como o bitcoin é útil e resolve um problema real para muitas pessoas em todo mundo. Se não fosse esse o caso, a adoção não estaria ocorrendo nesta velocidade. Que problema é esse? A falta de uma reserva de valor acessível e confiável.

Adoção internet vs cripto
Adoção internet vs cripto

O gráfico abaixo ajuda a situar o que significa o bitcoin ser adotado em taxas equivalentes à taxa de adoção da internet. Basicamente, significa que ele está seguindo os passos de uma das tecnologias que foram adotadas mais rapidamente na história humana.

Adoção de tecnologias nos EUA
Adoção de tecnologias nos EUA

Essa adoção também garante que a teoria dos jogos se desenvolverá de uma maneira favorável ao bitcoin no longo prazo. Ela faz com que o bitcoin recrute políticos e empresários para a sua causa, o que torna qualquer ataque mais difícil.

O exemplo mais conhecido desse tipo de teoria dos jogos em ação é a Uber, que tinha como estratégia desenvolver uma base de clientes nas cidades antes de as prefeituras terem tempo de legislar e proibir seus serviços.

Essa base de clientes tornava politicamente custoso tentar proibir a Uber. O mesmo está acontecendo com o bitcoin, só que em escala global.

HODLers absorvendo oferta constantemente

Existem diferentes tipos de usuários do bitcoin. Desde traders que não se importam minimamente com qualquer característica filosófica por trás de seu investimento até libertários que comprariam bitcoin mesmo se o preço não se valorizasse em relação às moedas fiduciárias.

Um dos tipos de usuários são os HODLers, que são os usuários que compram bitcoin sem intenção de vender e seguram por longos períodos de tempo. Esses usuários escolheram usar o bitcoin ao invés de outros tipos de investimento como a sua reserva de valor.

Geralmente esses HODLers utilizam a estratégia da compra recorrente (conhecida como “preço não importa” para os investidores de bolsa), também conhecida como DCA (dollar cost averaging). Isso significa que esses HODLers compram o bitcoin a cada dia, semana ou mês independente do preço.

Eles preferem o bitcoin como reserva de valor e, na visão deles, todo dinheiro fiduciário que eles recebem como pagamento preserva melhor o seu valor se convertido diretamente para moeda forte.

Ou seja, eles representam uma fonte de demanda constante, que vai enxugando a liquidez do mercado e tirando moedas de circulação.

A imagem abaixo ilustra esse comportamento e mostra que a quantidade de carteiras com menos de 10 bitcoins só aumentou de uma maneira constante ao longo de toda a história do bitcoin.

Esse número de 10 bitcoins é utilizado como parâmetro porque ele mostra o movimento dos HODLers plebs, que são trabalhadores que utilizam o bitcoin como poupança e todo mês convertem uma parte do seu salário para satoshis.

Como a quantidade de HODLers é influenciada pela adoção, quanto maior a adoção, maior o número de pessoas executando essa estratégia e mais bitcoins sendo retirados de circulação por um longo período de tempo.

quantidade de bitcoins em endereços com menos de 10 bitcoins
quantidade de bitcoins em endereços com menos de 10 bitcoins

Essa dinâmica por si só já significaria que no longo prazo haveria menos bitcoins em circulação e o preço aumentaria. Mas o halving ainda precisa ser levado em conta, o que torna essa combinação mais explosiva.

O halving é o evento que ocorre a cada 4 anos e que corta pela metade a remuneração dos blocos minerados. Isso significa que a cada 4 anos a taxa de emissão de novos bitcoins cai pela metade.

Ou seja, em um ativo que a demanda é cada vez maior por conta da curva de adoção acelerada, o que é visível no comportamento dos HODLers, a oferta não é reposta na mesma velocidade que antes e sim 2x mais devagar.

A consequência desse desequilíbrio entre oferta e demanda faz que o preço procure um novo ponto de equilíbrio num valor mais elevado.

Halving
Halving

Existem duas imagens mentais que eu gosto de utilizar para entender o efeito dos HODLers de longo prazo absorvendo a oferta de bitcoins: o modelo da banheira furada e a caçada de persistência dos caçadores coletores.

O modelo da banheira furada

Imagine que a quantidade de água que sai da torneira para encher a banheira são os novos bitcoins emitidos no processo de mineração e que a água na banheira são os bitcoins à venda nas exchanges.

Os HODLers representam furos nessa banheira. Conforme a adoção vai aumentando e mais HODLers passam a utilizar a estratégia de DCA, maior a quantidade de furos nessa banheira.

No início, a vazão de água na torneira é muito maior que a vazão dos furos, o que significa que a banheira está sendo enchida. Neste exemplo, isso significa que o preço do bitcoin tende a se tornar mais barato, pois mais bitcoins estão em circulação nas exchanges.

Conforme o tempo passa e a vazão da torneira vai sendo diminuída (pelos halvings), e, ao mesmo tempo, a vazão dos furos vai aumentando (graças à adoção), a tendência é que a banheira vá esvaziando.

Nesse exemplo, isso significa que o preço tende a subir até achar um novo ponto de equilíbrio que faça alguns HODLer venderem seus bitcoins, o que nessa lógica significa que o furo passa a agir como torneira e colocar água na banheira novamente.

A caçada de persistência

A ação desses HODLers que utilizam a estratégia do DCA, grupo de investidores que também é conhecido como “exército do DCA”, pode ser comparada a estratégia de caça mais primitiva praticada pela humanidade, a caçada de persistência.

O ser humano possui duas vantagens em relação aos outros mamíferos da África: I) ele é bípede, o que significa que ele é menos eficiente correndo curtas distâncias mas, ao mesmo tempo, é mais eficiente correndo longas distâncias e II) ele consegue se regular termicamente de uma maneira muito mais eficiente por não ter pelos e conseguir suar.

Ou seja, a caçada de persistência é a caçada de perseguição a um outro animal em que nós vencemos pela exaustão e pelo superaquecimento do nosso alvo. Os humanos perseguem por horas os animais, até que esses entram em exaustão e não conseguem mais fugir, se tornando presas fáceis.

A ação dos HODLers fazendo o DCA é o caçador que está perseguindo e exercendo pressão na presa.

Os HODLers fizeram a lição de casa e possuem mais convicção do que os traders e outros especuladores que deixam seus bitcoins nas exchanges, então eles levam vantagem e surfam a curva de valorização do bitcoin conforme a liquidez vai sendo extraída paciente e persistentemente pelo exército do DCA.

Uma hora o antílope (no caso e pressão vendedora) vai cansar e a recompensa pela persistência será um belo banquete de carne (a valorização do ativo pela baixa liquidez no estoque, com poucos bitcoins a venda).

Conclusão

Muitos se assustam com a volatilidade do bitcoin e vendem em pânico em movimentos de queda acentuados.

“Será que a bolha finalmente estourou?”, “Eu sabia, eram tulipas!”, eles pensam enquanto suas mãos de alface executam a venda.

Enquanto isso, outros aproveitam para aumentar o saldo de bitcoins em suas wallets. Essa diferença de comportamento existe por conta de uma assimetria de educação  muito grande que ainda existe em relação ao bitcoin.

Apesar de ser o dinheiro mágico da internet, o bitcoin tem fundamentos sólidos e verificáveis. São eles:

  1. Escassez de uma oferta limitada em 21 milhões de bitcoins; 
  2. Hashrate;
  3. Emissão de um novo bloco a cada 10 minutos em média;
  4. Descentralização em todos os aspectos;
  5. Imutabilidade dos aspectos técnicos;
  6. Adoção;
  7. Absorção da oferta pelos HODLers que usam o bitcoin como reserva de valor de longo prazo.  

Esses são os fundamentos que fazem do bitcoin “escassez digital descentralizada”, como dito no início do texto.

Quando ocorre volatilidade associada a uma deterioração dos fundamentos, existe sim motivo para atenção e um olhar mais atento.

No entanto, se a volatilidade não estiver associada a uma deterioração dos fundamentos,  isso só tem um significado para os bitcoinheiros: promoção.

Ou, na linguagem dos bitcoinheiros: “buy the dip!” (compre na queda).

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Caio Leta
Caio Letahttps://bipa.app/
Caio Leta, PhD em Geologia, deixou a academia para se dedicar ao Bitcoin. Leta é o criador do projeto de educação Explica Bitcoin e autor do livro "O Mundo Mágico do Bitcoin". Trabalhou com pesquisa na Arthur Mining e atualmente atua como head de Pesquisa e Conteúdo na Bipa, uma plataforma digital de vanguarda que integra Bitcoin, USDT e Real, proporcionando uma experiência financeira unificada.

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