Se aprovado o texto atual da Reforma Tributária (PEC 45), o setor de criptomoedas será um dos que mais poderá sofrer com o aumento da carga tributária sobre suas operações, que poderá até triplicar em impostos indiretos as operações com criptomoedas.
A PEC, já analisada e aprovada pela Câmara dos Deputados, segue para apreciação do Senado Federal.
De acordo com a Associação Brasileira da Criptoeconomia (ABCripto), com exceção de tokens que funcionam como meios de aquisição de produtos, a maioria das operações com criptoativos hoje é tributada como serviços e ativos intangíveis, com incidência do ISS e PIS-Cofins.
Vale destacar que o mercado de criptomoedas movimenta uma média anual de R$ 100 bilhões só em bitcoins pelas exchanges (número de 2021).
E um valor total transacionado estimado na casa de R$ 317 bilhões — desse montante, R$ 137 bilhões foram transacionados em exchanges nacionais, segundo a ABCripto.
PEC 45 pode afetar a tributação das criptomoedas no Brasil, diz associação
Embora seja benéfica à sociedade brasileira, há impactos relevantes da PEC 45 (Proposta de Emenda Constitucional 45, de 2019) em temas relacionados à tributação de criptoativos e que não foram considerados nos debates sobre o texto.
“A PEC 45 extingue cinco tributos e cria outros quatro (vide tabela abaixo), em um modelo de IVA-dual (Imposto sobre o Valor Agregado). No entanto, o setor cripto possui peculiaridades, o que significa que, mesmo com a simplificação, podemos chegar em cenários de insegurança jurídica severos dado o aumento da carga tributária“, explica Daniel Paiva, advogado com atuação especializada em criptoativos e tokenização, sócio do escritório VDV Advogados, que integra a ABCripto. “Nesse sentido, a proposta deveria se restringir à tributação de bens e serviços consumíveis, mas não de meios de troca e meios de pagamento, contexto no qual os criptoativos estariam inseridos em sua maioria“, reforça.
A definição do conceito de bens e serviços, e de que forma os criptoativos se enquadrariam na nova regra tributária são os pontos centrais que a ABCripto traz para o debate.
Segundo Paiva, não há definição clara no texto da PEC, o que gera controvérsias sobre a incidência de tributos nas criptomoedas, sobretudo em relação a novos impostos que seriam criados – o Imposto Seletivo (IS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS)/Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
“Os criptoativos, caso do Bitcoin, são instrumentos de troca que fazem as vezes de meios de pagamento e não devem ser tributados como bens ou serviços, porque meios de troca são cumulativos por natureza, como os programas de fidelidade, créditos de carbono, que têm esse viés de troca e crédito. O modelo de IVA pressupõe exatamente o contrário, ou seja, a não-cumulatividade plena“, reforça o especialista, que lembra da natureza jurídica camaleônica dos criptoativos. “A adaptação dos criptoativos como um camaleão mostra a impossibilidade de categorização única, porque depende do contexto e função, o que muda a natureza jurídica. Por isso, rotulá-los genericamente para submissão ao IVA-dual seria um equívoco técnico“, esclarece.
Enquadramento e valores das novas alíquotas
O atual sistema tributário brasileiro divide as empresas, basicamente, em regime cumulativo e não-cumulativo.
No regime não-cumulativo (que incide apenas sobre o valor agregado entre uma operação e outra), há a incidência de 9,25% de PIS-Cofins e de 2% a 5% de ISS, totalizando alíquotas na faixa de 11,25% a 14,25%, com direito ao abatimento de insumos de PIS-Cofins; já as empresas inseridas no regime cumulativo (sem direito ao crédito de insumos) pagam uma alíquota de 3,65% de PIS-Cofins e de 2% a 5% de ISS, totalizando 5,65% a 8,65%.
Na proposta de reforma, o governo federal estima que todas essas empresas podem passar a arcar com uma alíquota de 25% a 27% do novo modelo IVA-dual (CBS e IBS), o que pode chegar, em certos casos, a triplicar a carga tributária, sobretudo diante das incertezas quanto à aplicação da CBS/IBS e do IS (que incidiria sobre a produção, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente).
A tributação de criptoativos dentro do IS é um dos pontos mais polêmicos da PEC 45, porque prevê a tributação baseada em fatores que os caracterizariam como prejudiciais. “São questões controversas como o consumo de energia elétrica em razão da demanda de computadores para a validação das operações; suposto prejuízo à saúde mental dos investidores em razão da volatilidade do mercado; e até mesmo, por mais absurdo que pareça, de que os games, um campo relevante da criptoeconomia, estimulariam a violência; ou, ainda, a existência de supostos danos ambientais de hardwares usados na mineração de criptoativos“, explica o advogado.
São pontos ainda em definição, mas que, se aprovados, vão elevar o nível de insegurança jurídica das operações com criptoativos de empresas brasileiras.
“O setor ficará em uma desvantagem clara em relação aos potenciais competidores estrangeiros. É uma medida que vai na contramão do que o Brasil tem feito em se posicionar como polo avançado da criptoeconomia, a exemplo do recém-lançado Real Digital, o Drex“, comenta Paiva.
A União Europeia, por exemplo, que é referência global no tema, há tempos funciona com base no modelo IVA, mas com regras específicas. Segundo Paiva, não há incidência do IVA sobre bitcoins, por exemplo, porque há o entendimento, resumidamente, de que se trata de um meio de troca que faz às vezes de meio de pagamento para a aquisição de bens e serviços, não ostentando consumo material próprio.
“Na UE, as discussões sobre a incidência do IVA referem-se aos NFTs e tokens de utilidade que dão acesso a bens e serviços, mas não tokens de pagamento e security tokens“, comenta.
Associação alerta que novo CPMF afeta transações em blockchain
A ABCripto – que conta com mais de 30 associadas, entre exchanges, fintechs, tokenizadoras e bancos – entende que a experiência internacional, em especial a europeia, é importante como referência para evitar a criação de um tributo que, na prática, incidiria sobre operações financeiras, trazendo à tona uma nova versão da CPMF – extinto tributo brasileiro que vigorou até 2007 e incidia sobre operações de saques, débito, transferências e crédito, entre outras.
“Se antes a CPMF incidia sobre transações com reais (R$), o IVA-dual passaria a incidir sobre transações em Blockchain“, alerta Paiva.
Para Bernardo Srur, diretor-presidente da ABCripto, se aprovada a PEC 45 sem uma discussão mais aprofundada sobre o setor cripto, o impacto será muito maior.
“Teremos uma tributação estimada de 25% a 27% que encareceria o custo de operação do mercado, e seria repassado ao consumidor final. Não é um debate só sobre o setor cripto e da tokenização, mas de todo o mercado financeiro“, diz.
O diretor da ABCripto lembra, ainda, que a criptoeconomia é um setor em ascensão e que promove a inclusão financeira.
“Caminhamos para uma economia tokenizada, e o Brasil vem liderando esse movimento de forma inovadora. A legislação deve levar em conta os tokens como representações digitais de bens, olhando para o conteúdo, para o objeto que será tributado, e não para sua forma“, explica.
“A tributação faz parte do processo de avanço da criptoeconomia no Brasil como ferramenta de desenvolvimento e inclusão financeira. Nossa proposta é para contribuir com um regime tributário que seja saudável para o setor como um todo, incluindo sociedade, empresas e legislativo“, completa Bernardo Srur.
A ABCripto publicou uma nota técnica sobre a PEC 45, elaborada com o suporte técnico de Daniel e Eduardo de Paiva Gomes, sócios do escritório VDV Advogados. Nesse documento, os impactos para o setor são detalhados.