Binance sediada no Brasil: Saiba as repercussões jurídicas e tributárias

Por: Yuri Wawrick Cambraia, André Luiz Maluf e Alexandre Magno Antunes.

O Banco Central do Brasil (Bacen) autorizou a Binance a operar no país, mediante licença, após a Exchange adquirir a Sim; Paul – uma corretora de Porto Alegre (RS).

Com isso, o maior balcão de Ativos Digitais Criptografados do mundo tornou-se apto a atuar, no mercado brasileiro, como uma entidade nacional. O fato aconteceu em 02 de janeiro deste ano, mas as repercussões regulatórias e tributárias devem suceder no decorrer deste ano.

Porém, ao tornar-se “brasileira”, a responsabilidade declaratória, constante na IN n° 1.888/2019, passa a ser da Binance. Assim, os usuários brasileiros ficam desobrigados de preencher a declaração mensal, pois a própria corretora reportará as operações.

Binance no Brasil e a Receita Federal

Com a “nacionalização” da Binance, a obrigação acessória tributária de declarar informações à SRF trazida pela IN nº 1.888/2019, passa a ser da própria Exchange.

Isso dificultará sonegação de informações sobre todas as transações sucedidas por meio desta corretora transnacional, uma vez que a pessoa física ou jurídica que deixar de fazer a Declaração de imposto de Renda Anual passa a correr maior de cair na “malha fina” do fisco em um eventual cruzamento de dados.

Vale considerar que, caso a pessoa consiga auferir ganhos de capital (lucros) em transações com Bitcoin, Ether, BNB e outros, encontrará dificuldades para esconder tais ganhos.

O fato é que, nas informações prestadas pela Exchange, constam os valores de cada transação. Todo esse acervo informacional de operações é, consequentemente, ligado aos respectivos CPFs e/ou CNPJs, nos termos do art.7º, inciso I e parágrafo 1º, incisos I e IV, da IN nº1.888/2019 da Receita Federal.

Ganhos de Capital

Caso o valor mensal total de alienações (vendas) com Ativos Digitais Criptografados ultrapasse o teto de R$ 35 mil, haverá incidência tributária de Imposto de Renda sobre o “lucro” (ganho de capital).

No caso em que as informações já foram prestadas pela Exchange, a Receita Federal tem maior facilidade em cruzar os dados. Se a pessoa, portanto, lucrou qualquer centavo em alienações totais mensais superiores ao valor de R$ 35 mil, não haverá escapatória. A Receita Federal chegou até mesmo a se manifestar sobre essa obrigação:

“Os ganhos de criptoativos, cujo total alienado no mês seja superior a R$ 35.000,00, são tributados, a título de ganho de capital, de acordo com alíquotas progressivas estabelecidas em função do lucro. O recolhimento do imposto sobre a renda deve ser feito até o último dia útil do mês seguinte ao da transação, no código de receita 4600”.

A Receita Federal usou o termo “recolhimento do imposto sobre a renda”. As palavras escolhidas, contudo, não foram as melhores, causando confusão aos contribuintes.

Cabe esclarecer que o termo “recolhimento”, neste contexto, não deve se confundir com a Declaração do Ajuste Anual (DAA) de Imposto de Renda. O recolhimento que a Receita menciona é relativo aos Ganhos de Capital auferidos nos meses em que houver lucro com a alienação de bitcoins e outros ativos semelhantes.

Binance e a “Offshore”

Atualmente a Binance é, na ótica da Receita Federal, uma ‘entidade estrangeira. Por esta razão, a corretora é enquadrada nos termos da ‘Lei das Offshores’ (Lei n° 14.754/2023), ou seja, suas operações são consideradas ‘operações no exterior’.

Enquanto essa condição perdurar, a negociação de ativos pela plataforma por pessoas físicas estará sempre sujeita a tributação de 15% sobre os lucros. Além disso, as transações na Binance não terão o benefício da faixa de isenção de R$ 35 mil mensais de que dispõem as corretoras nacionais. Isso é o que se extrai da Instrução Normativa nº 2.180/2024 da Receita Federal em conjunto à Lei 14.754/2023.

Essas normativas colocam os Ativos Digitais Criptografados, e os arranjos financeiros com estes ativos, como “aplicações financeiras no exterior” sempre que custodiados ou negociados através de instituições estrangeiras, conforme o artigo 9º, parágrafos 1º e 2º, da referida instrução.

Dessa forma, uma das maiores consequências que a “nacionalização” da Binance causará é a possibilidade de realizar operações pela corretora. Além disso,  gozar do já mencionado benefício da isenção mensal de R$ 35 mil.

A pergunta é: essas mudanças terão efeito retroativo para usuários que já haviam adquirido ativos pela Binance e pretendem vender após o início das operações no Brasil?

Em um primeiro momento, o benefício da isenção parece juridicamente possível, na medida em que o fato gerador do Imposto de Renda (“ganho de capital” / “auferição de renda”) só ocorre com a efetiva venda. Além disso, segundo o Código Tributário Nacional (CTN), regras favoráveis ao contribuinte devem ter aplicação imediata (artigo 104, III, interpretado conjuntamente ao artigo 178).

Repercussão Jurídica: Mudanças na “Regra-Matriz de Incidência Tributária”

No Direito Tributário, a “Regra-Matriz de Incidência Tributária” (RMIT) define a hipótese de incidência (fato gerador do tributo) e a correspondente obrigação tributária (base de cálculo e alíquota aplicável), descrevendo dois fenômenos fático-jurídicos: o Critério Antecedente e o Critério Consequente.

A nacionalização da Binance altera significativamente o chamado “Imposto de Renda incidente sobre o Ganho de Capital” (IR GCAP) m operações com criptoativos.

No caso, o aspecto mais impactado pela mudança da Binance é o Critério Antecedente no seu aspecto “Espacial” (local do fato gerador). Esse ponto da Regra-Matriz determina se a operação será considerada, pelo menos para fins jurídicos, como realizada “no Brasil” ou “no exterior”.

Operações por exchanges nacionais

Para operações realizadas em exchanges domiciliadas no Brasil, o Critério Antecedente da RMIT do IR sobre ganho de capital possui os seguintes aspectos:

  1. Materialidade: “Auferir renda” ou, mais especificamente, “auferir ganhos líquidos em operações com criptoativos”.
  2. Temporalidade: Momento de realização da operação (compra/venda), ainda que sua apuração seja mensal. Na prática, verifica-se o total de operações ocorridas ao longo do mês apurado e qual o ganho de capital mensal – o “lucro” resultante (“receitas – prejuízos” do mês).
  3. Espacialidade: “Território nacional”, ou seja, a operação ocorre dentro da jurisdição tributária brasileira.

Essa configuração possibilita a aplicação da isenção de tributação para alienações de até R$ 35 mil mensais, conforme a legislação vigente para operações nacionais.

Operações em Exchanges estrangeiras

Já para operações por “Exchanges Estrangeiras”, o aspecto Espacialidade da RMIT é diferente, pois passa a seguir a Lei das Offshores (art. 3º, §1º, I e II da Lei 14.754/2023). Segundo a normativa, operações através de corretoras estrangeiras são consideradas como atos ocorridos “no exterior”. Vejamos a mudança:

  1. Materialidade: Permanece a mesma – “auferir ganhos líquidos em operações com criptoativos”.
  2. Temporalidade: Momento do ato (compra/venda). Porém, diferentemente das operações nacionais, a base de cálculo não é apurada mensalmente. Ao invés disso, há a apuração anual. Consequentemente, se averiguará o lucro efetivo ao longo do ano (exemplo: em 2026 será apurado o “lucro total” obtido em 2025).
  3. Espacialidade: “No exterior”, o que implica uma tributação diferenciada, sem a faixa de isenção concedida às operações realizadas em território nacional.

Caso da Binance

Com a nacionalização da Binance, a exchange, embora ainda seja entidade ramificada pelo mundo inteiro, sendo plataforma de operações em ambiente virtual, passa a ser, pelo menos juridicamente, equiparada a uma corretora localizada no Brasil.

Essa mudança, por alterar o critério da espacialidade, faz com que se tribute as operações realizadas na Binance como “operações nacionais” – não mais como “operações no exterior”. Isso afasta, portanto, a tão polêmica Lei das Offshores.

Explicando Direito

A nacionalização de uma corretora impacta diretamente os investidores brasileiros. Caso a Binance realmente venha a ser tratada sob as mesmas regras das corretoras brasileiras, teremos o seguinte resultado:

  • As operações gozarão da querida faixa de isenção de R$ 35 mil mensais, benefício inexistente nas operações em exchanges estrangeiras.
  • A tributação do IR sobre ganho de capital passará por apuração  mensal, e não mais sobre o lucro acumulado anual.
  • A Receita Federal terá maior controle sobre as transações realizadas, uma vez que exchanges nacionais devem reportar operações, conforme IN nº 1.888/2019.
  • Os usuários não precisarão se preocupar em realizar a referida declaração mensal, já que a própria instituição fará o “report mensal”.

Em suma, a “nacionalização” da Binance traz repercussões para os investidores de criptoativos no Brasil. Ao mudar o critério espacialidade na Regra-Matriz de Incidência Tributária, altera-se, também, a forma como se computará e trubutará os ganhos. Isso, consequentemente, aproxima a Binance da formatação aplicada às exchanges nacionais.

Nova realidade da Binance no Brasil

A nacionalização da Binance representa um marco de mudanças, tendo em vista que outras Exchanges internacionais podem, futuramente, seguir a mesma linha.

A questão envolve a transparência das negociações. Ao se nacionalizar, a exchange terá que informar à Receita Federal as movimentações dos usuários, algo que até então não ocorria. Isso exigirá maior atenção de investidores, bem como de suas contabilidades e assessorias jurídicas.

Essa cautela tem de ser redobrada para evitar divergências de informações e, consequentes, autuações pela Receita federal, caso caiam na famosa “malha fina”.

Por fim, a partir de tal nacionalização e divulgação de informações à Receita, será possível que, em caso de execuções por inadimplência de devedores, o Poder Judiciário possa bloquear Ativos Digitais Criptografados, à exemplo do Bitcoin, caso os ativos estejam custodiados na Binance, o que não era comum até agora, considerando a ausência de jurisdição brasileira sobre corretoras estrangeiras e as dificuldades para localizar e bloquear ativos no exterior.

Essas são apenas algumas das repercussões e debates que estão projetados não só para o decorrer do ano de 2025, mas também aos que ainda estão por vir.

Com a expansão fiscalizatória da Receita Federal, será necessário um acompanhamento jurídico e contábil cada vez mais qualificado para atender às necessidades de investidores e empresas diante das inovadoras realidades que o mercado cripto apresentará.

Autores:

  • Alexandre Magno Antunes de Souza. Advogado e jornalista. Mestre em Direito Constitucional pelo PPGDC UFF. Pesquisador e professor visitante do Grupo de Pesquisa, Ensino e Extensão em Direito Administrativo Contemporâneo (GDAC).
  • André Luiz Maluf: Procurador do Município de Juiz de Fora com atuação em Direito Tributário. Advogado na área de Direito Público. Mestre em Direito Constitucional pela UFF. Estudou Diritto Pubblico Comparato na Universidade de Siena.
  • Yuri Wawrick Cambraia: Advogado tributarista, formado em Direito pela PUC/RS, pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET), com especialização extensiva em sanções e crimes tributários pela Associação Paulista de Estudos Tributários (APET). Atua com advocacia tributária, compliance empresarial e direito penal financeiro.

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