Bitcoin de volta aos holofotes de reguladores dos EUA

A preocupação dos reguladores não fica apenas nos Estados Unidos. O Banco Central Europeu, em estudo recente liderado pelos economistas Ulrich Bindseil e Jürgen Schaaf, apontou o Bitcoin como ferramenta ineficaz para a redistribuição de riqueza e que beneficiaria especuladores.

A criação de Satoshi Nakamoto tem sido centro de debates no Banco Central dos Estados Unidos da América (EUA) bem como no órgão reguladores de valores mobiliários do país norte-americano.

Não só o Bitcoin é objeto de preocupação, mas de qualquer Ativo Digital Criptografado. A CVM dos EUA chegou a anunciar vaga de emprego para especialista em rastreamento desses ativos e o Federal Reserve Bank de Minneapolis definiu o Bitcoin como ameaça para a sua política monetária.

Imagine não haver mais países e acima de nós apenas o céu. Esse pensamento de John Lennon pode servir de entusiasmo aos árduos defensores do Bitcoins. Por outro lado, até aqueles que se intitulam grandes libertários sabem que tudo não passa de uma crença num sistema descentralizado. Mas como essa criação utópica (sem lugar no mundo) pode chamar a atenção dos reguladores da considerada maior economia do mundo?

No último dia 18 (sexta-feira), Christopher J. Waller, membro do corpo de “governadores” do Federal Reserve (FED), traz a tecnologia do Bitcoin em seu discurso “DeFi and Crypto” no Workshop de Macroeconomia de Vienna, na Áustria. Waller aponta que apesar de “manter controle de seus criptoativos por todo processo de transação” e nenhum “indivíduo ou governo poder destruir registros de transações ou se apoderar dos objetos transacionados”, cabe questionar se há regulação capaz de evitar riscos para os usuários e para a sociedade.

Esse problema envolvendo a regulação do Bitcoin e de outros Ativos Digitais Criptografados ganharam força nesta última semana. Esse discurso do Membro do Federal Reserve apenas reflete a preocupação dos reguladores estadunidenses em face dessa inovação.

O Federal Reserve Bank de Minneapolis, no último dia 17 (quinta-feira), publicou um estudo um tanto contraditório sobre o Bitcoin. Nas suas 40 páginas, o documento afirma que a criação de Satoshi Nakamoto é inútil, mas considera um concorrente ao dólar estadunidense. Entre as soluções trazidas estão a da tributação e até da possível proibição do uso do Bitcoin.

Além disso, a Securities and Exchange Commission (SEC) — a CVM dos EUA — foi categórica ao incluir os Ativos Digitais Criptografados na sua “Examination Priorities” sobre o ano fiscal de 2025. E, mais uma vez, esses ativos vêm como ferramentas para fraudes.

Bitcoin: um ativo multifacetado

A tarefa mais complicada para qualquer regulador é a de definir a natureza jurídica do Bitcoin. A coisa mais certa que se pode afirmar é que ele não pode ser limitado em qualquer natureza jurídica conhecida até então. A maneira, portanto, mais fácil de buscar uma regulação responsável seria pensar no seu uso. Essa foi, por exemplo, a forma pensada para todos os Ativos Digitais Criptografados no Brasil a partir do marco regulatório implementado por meio da Lei nº 14.478/2022.

Essa Lei excluiu o uso desses ativos como valor mobiliário e afastou a possibilidade deles se confundirem com moedas fiduciárias. Com esses gestos simples, facilitou a implementação do Drex sem qualquer problema e manteve a regulação da Lei nº 6.385/1976 com a supervisão e regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários.

A dificuldade, entretanto, não para por aí. Os Ativos Digitais Criptografados são em sua essência transnacionais. Deste modo, a regulação no Brasil não afeta as transações ocorridas nos EUA, por exemplo. Uma saída viável seria uma regulação global por meio de entidades como a International Organization of Securities Commissions” — IOSCO (A CVM global) e  “Bank for International Settlements” — BIS (instituição que equivale ao Banco Central de todos os bancos centrais, grosso modo) ou até mesmo por um sistema de cooperação entre diversas entidades de diferentes países.

Tais vias ainda não impossibilitam de haver um diálogo regulatório entre entidades nacionais e aquelas transnacionais. Essa linha interpretativa está inclusive afinada ao projeto de Direito Administrativo Global pensado por Benedict Kingsbury, Richard Stewart e Nico Krisch que trata de mecanismos de governança global (os quais, por fim, resultarão em regulação na prática).

Muitas visões sobre o mesmo ativo

Mas enquanto isso não acontece, o que se tem são formas diferentes de encarar o mesmo objeto. Nisso o Bitcoin é tratado como moeda por alguns países; como meras ferramentas de golpes ou até mesmo ameaça para a política monetária.

O fato é que o Bitcoin continua sendo o mesmo ativo de sempre, podendo ser usado como meio de troca, servir como commodity para investimentos em contratos futuros, derivativos, fundos. Esse ativo ainda pode ser adotado como lastro para a criação de uma stablecoin qualquer, a qual pode ainda ser lançada como uma ICO (Initial Coin Offering).

Sob essa lógica, o uso de uma rede ERC-20 (sob a qual funciona o criptoativo Ether) não significa dizer que o ativo emitido nessa rede será o Ethereum. Desta maneira, pode haver fraudes com uma determinada ICO “X coin” da rede Ethereum sem ser o Ether.

Fazer essa separação é fundamental para o regulador. A exemplo disso, vale mencionar o Drex que apesar de funcionar sob essa rede Ethereum, trata-se da única criptomoeda brasileira. Mas isso não quer dizer que o Bitcoin ou o Ether não possam ser consideradas moedas em outros países.

Em El Salvador, a decisão foi diferente da brasileira, por exemplo. O país da América Central instituiu o Bitcoin como sua moeda oficial por meio do Decreto nº 57/2021 conhecido como “Ley de Bitcoin”.

Para Cuba, o Bitcoin foi tratado como mero ativo conforme decidiu o Brasil e tampouco como moeda de curso forçado como El Salvador. Ao expedir a Resolución nº 215/2021, o Banco Central de Cuba elegeu os Ativos Digitais Criptografados como espécies de moeda legal para fuga dos embargos instituídos pelos EUA contra a ilha caribenha.

UE e EUA em face do Bitcoin

A União Europeia ainda tem tratado desse tema por meio do Markets in Crypto-Assets — MiCA (Regulação de Mercados de Criptoativos). Pelo Regulamento (UE) nº 2023/1114 estabeleceu regras de emissores de Criptoativos sem lastro como Ether; Stablecoins; e moedas eletrônicas.

Já os Estados Unidos têm se mostrado bastante preocupados com a inovação dos Ativos Digitais Criptografados e apontam tendências de endurecimento regulatório. É fato que no país norte-americano há um conservadorismo exacerbado em face dessa inovação. Com isso, o problema regulatório de ativos como o Bitcoin parece longe de se resolver.

Bitcoin sob a mira de reguladores

A preocupação dos reguladores não fica apenas nos Estados Unidos. O Banco Central Europeu, em estudo recente liderado pelos economistas Ulrich Bindseil e Jürgen Schaaf, apontou o Bitcoin como ferramenta ineficaz para a redistribuição de riqueza e que beneficiaria especuladores.

No mesmo relatório, consta que os primeiros adotantes do Bitcoin se beneficiaram às custas dos que chegaram depois, o que, poderia ser usado como justificativa para políticas de tributação agressivas ou até mesmo proibições.

Sob essa lógica, o Fed de Minneapolis afirma que o Bitcoin é concorrente ao dólar, tem efeitos em sua política fiscal, gera expectativas sobre níveis de inflação e representa um desafio às políticas monetárias tradicionais devido a sua inovação financeira.

Esse órgão sugere então uma forma de tributação educativa. Aqui no Brasil, se tem o chamado IPI para isso. Apesar de a sigla significar Imposto Sobre Produtos Industrializados, quando instituídos sobre cigarros e bebidas alcoólicas buscam retirar o estímulo de consumo de determinados produtos. O mesmo sucederia com o Bitcoin nos EUA, caso esse tema tratado pelo FED de Minneapolis ganhe dimensão no FED de todos os EUA.

Vale aqui explicar que diferentemente do Brasil em que só há um Banco Central, nos EUA há 12 deles espalhados por toda federação daquele país. Cada FED tem sua autonomia. É como se nos Estados Unidos houvesse diversos países num só. Mas isso pede um outro artigo só para tratar dessas diferenças.

A tributação do Bitcoin proposto pelo FED de Minneapolis teria o cunho extrafiscal, ou seja, a busca principal não é arrecadar receita. Diferente disso, o fim é de afirmar para as pessoas que esse ativo não valeria a pena considerando o custo tributário. A outra possibilidade seria, conforme o órgão, banir o uso do Bitcoin dos EUA.

EUA versus Ativos Digitais Criptografados

Apesar de muito se falar em Bitcoin e o prospecto seja apenas do FED de Minneapolis. O ponto de vista regulatório desta instituição expressa o que já está na ordem do dia nos EUA sobre todos os Ativos Digitais Criptografados.

Não é apenas Minneapolis que está com a atenção voltada para essa inovação. Em discurso no Workshop de Macroeconomia de Vienna, na Áustria, o membro do FED, Christopher J. Waller, ao mencionar sobre o que o Bitcoin proporcionou sobre DeFi traz questões sobre a natureza dos riscos de se prover fundos para players suspeitos do mercado tendo em vista a questionável segurança regulatória das Finanças Descentralizadas:

“Essas tecnologias podem aumentar o risco de fornecer fundos inadvertidamente a agentes mal-intencionados? Nas finanças centralizadas, existem regulamentos que exigem que os bancos saibam quem são seus clientes. São necessárias regras e regulamentos semelhantes em torno de algumas dessas novas tecnologias?”, questiona.

Entretanto, ele pontua a importância do Decentralized Finance — DeFi (Finanças Descentralizadas) como possível complemento às Finanças Centralizadas, declarando que “elas têm o potencial para melhorar a finança centralizada”.

A Securities and Exchange Commission (SEC) — a CVM dos EUA —  tem outras preocupações e foi categórica ao incluir os Ativos Digitais Criptografados na sua “Examination Priorities” sobre o ano fiscal de 2025.

Nesse documento de 22 páginas, a SEC aponta a relação dos Ativos Digitais Criptografados a esquemas fraudulentos que envolvem a lavagem de dinheiro e problemas de cibersegurança.

Preocupações da SEC

A entidade tem levado a sério os problemas envolvendo inovação. É tanto que chegou a anunciar vaga de emprego para especialista na Divisão de Execução, especificamente na “Crypto Assets and Cyber Unit” — CACU. O trabalho será o de rastrear Ativos Digitais Criptografados e problemas com Inteligência Artificial. Tudo para evitar fraudes no mercado mobiliário.

 A medida tomada pela Comissão de Valores Mobiliários dos EUA, SEC, é compreensível considerando que tanto o Bitcoin quanto os outros Ativos Digitais Criptografados atraem a atenção de investidores. Nisso, abre-se espaço para esquemas com ICOs (Initial Coin Offerings) baseadas em coisa alguma.

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Alexandre Antunes
Alexandre Antunes
Advogado e jornalista. Mestre em Direito Constitucional pelo PPGDC UFF. Pesquisador e professor visitante do Grupo de Pesquisa, Ensino e Extensão em Direito Administrativo Contemporâneo (GDAC).

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