A doação de um software baseado em blockchain à Prefeitura de São Paulo acabou no Tribunal de Justiça de São Paulo. Em uma ação popular, um morador da cidade alega que pode ter havido violação dos princípios administrativos.
Em decisão publicada na quarta-feira (14) no Diário de Justiça de São Paulo, o juiz Randolfo Ferraz de Campos pediu explicações sobre o caso. De acordo com o magistrado, não ficou claro como será feita a segurança dos dados que serão registrados no software.
Entenda o caso sobre a doação da blockchain
A AMLURB (Autoridade Municipal de Limpeza Urbana) está fazendo o recadastramento de pessoas físicas e jurídicas responsáveis pela gestão de resíduos sólidos de São Paulo. O processo, segundo o órgão, visa otimizar o trabalho.
Um morador da cidade, no entanto, entrou com uma ação popular para impedir o procedimento. Isso porque, de acordo com ele, a AMLURB estaria privilegiando a empresa Green Platforms Gerenciamento de Dados S.a, sediada no estado.
A Green Platforms, segundo o morador, foi escolhida para efetuar o recadastramento sem que houvesse uma licitação. Ainda de acordo com o morador, a empresa só foi selecionada porque doou à Prefeitura um software com arquitetura blockchain para gerenciamento de dados.
Além disso, segundo o requerente, a empresa pode usar as informações coletadas para benefício próprio.
“Uma vez coletados os dados, que deveriam ser sigilosos, poderão ser usados para benefício das atividades empresariais da corré Green Platforms, ferindo a Lei Federal n. 13.709/18, o princípio constitucional da livre concorrência, a probidade administrativa e também a privacidade das pessoas”, disse o morador.
Na ação, o morador pede a concessão de liminar para suspender o processo. Solicita também que a Prefeitura apresente os contratos administrativos e os atos de licitação, bem como o parecer pela dispensa da licitação e os documentos técnicos que expliquem como deve ocorrer o compartilhamento de dados.
O que disse o MP sobre o caso?
O MP, conforme a decisão, disse ser favorável a alguns pontos levantados pelo cidadão. Um deles, por exemplo, é sobre a concessão da liminar para a apresentação da prova documental de contratação da empresa.
O MP também concordou com a apresentação de eventual dispensa de licitação, bem como dos documentos técnicos para elucidar como ocorrerá o compartilhamento de dados.
O que disseram a Prefeitura e a AMLURB?
A Prefeitura e a AMLURB, nos autos, disseram que o autor não conseguiu provar as alegações na petição inicial. Informaram ainda que ele agiu por interesse próprio e não da coletividade.
Os órgãos disseram também nos autos que o cidadão não comprovou que a Green Plataforms é componente de grupo empresarial que vende soluções ambientais para empresários.
Dados protegidos e doação de blockchain
Sobre a questão da proteção de dados, a Prefeitura e a AMLURB explicaram que a Lei Federal nº 13.709/18 (Lei Geral de Proteção dos Dados) estabelece normas para proibir a utilização de dados para fins privados.
Disseram ainda que a gestão dos resíduos sólidos depende de uma série de providências e que o cadastramento eletrônico somente foi possível graças ao software doado pela Green.
“Quanto aos dados, para protegê-los, o sistema doado possui tecnologia que garante total segurança e rastreabilidade das informações (arquitetura blockchain)”.
Os órgãos informaram ainda que o acesso ao banco de dados será restrito. Além disso, as informações das pessoas físicas e jurídicas estariam protegidas “por servidor de alta performance e portas de segurança com diversos níveis de proteção, com chaves de segurança criptogradas”, escreveram.
Por fim, Prefeitura e AMLURB ainda explicaram que “os servidores são de padrão internacional e os usuários do sistema apenas conseguem ver informações e relatórios que seu login e permissão permitem, havendo rastreabilidade de ações de usuários nos módulos de back-office do sistema, identificando possíveis acessos sem autorização.”
O que disse a Justiça?
O juiz Randolfo Ferraz de Campos, da 14ª Vara de Fazenda Pública de São Paulo, não concordou totalmente com a posição da Prefeitura e da AMLURB.
“Ora, ser usado pela AMLURB e dispor o software de uma série de elementos que garantem a segurança do sigilo dos dados das empresas que serão cadastradas não é algo que se confunda com dar-se justificadamente livre acesso à empresa ré a tais dados”, disse.
O magistrado pediu para a AMLURB explicar melhor a questão da permissão de acesso ao sistetema de dados, visto que “no contexto exposto, soa como feita através de encargo e, dependendo da utilidade e relevância do seu objeto, até pode ter havido descaracterização da doação (seria, na realidade, uma troca)”, finalizou.
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