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MP 1.303 perde vigência: e agora, o que acontece com o mercado cripto?

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Artigo escrito em coautoria por Pedro Torres e Spencer Sydow.

A Medida Provisória n.º 1.303/2025, que tratava do ajuste fiscal e da tributação sobre aplicações financeiras, apostas esportivas e ativos virtuais, foi retirada de pauta no plenário da Câmara dos Deputados na noite desta quarta-feira, por 251 votos a 193.

Com isso, a MP perderá a vigência e será arquivada, já que o prazo final para sua aprovação nas duas Casas se encerrava na data. A decisão, que dividiu a base governista e contou com forte reação de partidos como PL, Republicanos, União, PP, PSD, PSDB/Cidadania e Novo, representa uma derrota emblemática para o governo e impõe a reavaliação de suas metas fiscais para 2026.

A tramitação da MP foi marcada por tensão política, improviso técnico e ausência de diálogo institucional com setores diretamente afetados. Apesar do esforço do ministro Fernando Haddad e de uma série de alterações no texto, o clima no Congresso se deteriorou após a ameaça de bloqueio de R$ 10 bilhões em emendas parlamentares, o que provocou forte resistência do Centrão.

O episódio culminou em uma articulação contrária à manutenção da medida, envolvendo inclusive governadores, como Tarcísio de Freitas, que foi acusado por parlamentares da base governista de pressionar deputados a votar contra a proposta. Mesmo a tentativa de última hora de reforçar a base, com a exoneração temporária de ministros que também são deputados, não foi suficiente para reverter o cenário.

Com o arquivamento, todas as normas criadas pela MP deixam de produzir efeitos de imediato, inclusive as relativas ao chamado Regime Especial de Regularização de Ativos Virtuais (RERAV), que previa alíquota de 7,5% sobre o valor de mercado dos ativos não declarados e multa de 100% sobre o imposto devido, elevando o custo total da regularização para 15%.

Em vez de encorajar a adesão voluntária, o regime transformava a conformidade fiscal em uma penalidade disfarçada, afastando o contribuinte e desestimulando a formalização.

A MP não previa mais a faixa de isenção mensal de R$ 35.000,00, que até então preservava operações eventuais e de pequeno valor. O texto buscava tributar indiscriminadamente todas as movimentações à alíquota de 18%.

A incoerência era evidente: o mesmo governo que defendia ampliar a isenção do Imposto de Renda para pessoas físicas eliminava qualquer isenção no caso dos ativos virtuais, revelando uma visão meramente arrecadatória e desconectada da lógica de justiça fiscal que dizia sustentar.

A metáfora da paçoca, criada pelo Professor Spencer Sydow durante conversas com parlamentares em Brasília sobre o tema, ilustra bem o resultado prático desse tipo de política: Imagine que você tem uma paçoca no bolso e que você gosta muito de paçoca. Imagine agora que alguém que detém poder informe que a partir de agora, toda a paçoca que identificar será mordida em 18%. Você tiraria essa paçoca do bolso?

Quando o Estado manifesta tamanho apetite sobre o patrimônio privado, o contribuinte faz o que qualquer indivíduo racional faria: guarda o que é seu. O dono da paçoca faz o seguro e protetivo: a esconde, a protege e talvez procure outro lugar para guardar ou saboreá-la.

O mesmo ocorre no mercado de ativos virtuais: diante de uma tributação punitiva e de um ambiente normativo incerto, empresas e usuários migram para jurisdições mais competitivas ou para soluções descentralizadas que escapam do alcance fiscal. O resultado é previsível: evasão de capitais, perda de arrecadação, fuga de talentos e maior exposição do consumidor a riscos, já que parte do mercado passa a operar em zonas cinzentas ou fora do radar regulatório.

O equívoco central da MP não estava apenas na forma de cobrança, mas na própria compreensão do fenômeno que pretendia regular. O texto tratava o universo dos ativos virtuais como mera extensão das aplicações financeiras tradicionais, ignorando as particularidades tecnológicas, econômicas e jurídicas que o definem.

Não distinguia ganho de capital de valorização patrimonial, tampouco operações eventuais de atividades estruturadas de intermediação. Essa transposição acrítica do modelo financeiro convencional para o ecossistema cripto demonstrava que o objetivo da norma não era compreender o fenômeno, mas enquadrá-lo à força em categorias burocráticas conhecidas, tributando sem diferenciar e punindo quem inova por não caber nos moldes da arrecadação tradicional.

O governo parece não perceber que tributar antes de regulamentar é inverter a lógica elementar da segurança jurídica. A Lei n.º 14.478/2022, embora em vigor há mais de um ano, segue pendente de atos normativos complementares do Banco Central e da CVM, sem os quais a supervisão e autorização das prestadoras de serviços de ativos virtuais permanecem inviáveis.

O resultado é um cenário de latência normativa, em que o Estado exige conformidade de um setor que sequer tem parâmetros operacionais definidos. Ao insistir nesse caminho, a política fiscal se transforma em instrumento de pressão e improviso, e não de estabilidade e desenvolvimento econômico.

Com a perda de eficácia da MP, o Congresso poderá editar um decreto legislativo em até sessenta dias para disciplinar os efeitos jurídicos produzidos durante sua vigência. Caso contrário, aplica-se o princípio da irretroatividade tributária, e as disposições da MP deixam de surtir qualquer efeito. O governo, por sua vez, já indica que pretende recorrer a medidas infralegais, como decretos e portarias, para manter a arrecadação projetada — um expediente institucionalmente temerário, que apenas ampliará a insegurança jurídica e o desgaste político.

O episódio não encerra o debate nem representa o fim de um ciclo, mas um ponto de inflexão.

A rejeição da MP 1.303/2025 evidencia que o país ainda carece de uma política fiscal e regulatória coerente para lidar com o fenômeno dos ativos virtuais.

A tentativa de disciplinar um setor em expansão por meio de um instrumento de caráter emergencial e temporário, apenas reforçou a necessidade de que o tema seja tratado com amplitude, profundidade técnica e estabilidade institucional. O governo precisa compreender que não se trata de um campo de experimentação fiscal, mas de um vetor estratégico de inovação, inclusão financeira e desenvolvimento econômico.

Mais do que um revés político, a perda de vigência da MP é uma oportunidade para retomar o processo de regulamentação com diálogo verdadeiro. O Parlamento deve ouvir os agentes do mercado, especialistas, empresas e instituições que constroem o ecossistema de criptoativos no país.

E o próprio setor precisa se mobilizar, de forma propositiva e unificada, para contribuir tecnicamente com esse debate, demonstrando que a regulação inteligente e previsível é o único caminho capaz de atrair investimento, promover a formalização e consolidar o Brasil como um dos principais polos de inovação financeira do mundo.

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Pedro Torres

Pedro Torres é advogado especializado em Blockchain e Criptoativos. Mestre em Blockchain e Moedas Digitais pela Universidade de Nicósia (Chipre), ele atua como Investigador Forense de Criptoativos, certificado pelo McAfee Institute (EUA) e pela Chainalysis (EUA). Sua expertise abrange o Direito dos Criptoativos e Blockchain, com especialização pela Escola da Magistratura Federal do Paraná (ESMAFE) e pela Escola da Magistratura Estadual do Paraná (EMAP). Além disso, é Conselheiro do Conselho de Ativos Digitais e Blockchain da Associação Comercial do Paraná e membro de organizações de destaque como a Crypto Valley Association (Suíça) e o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Pedro também integra a Comissão Especial de Inovação e Tecnologia da OAB/SP, refletindo seu papel ativo na inovação jurídica.

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Pedro Torres