Em 22 de fevereiro de 2022, a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) aprovou um projeto que visa reconhecer e regulamentar a comercialização de criptomoedas no Brasil. A proposta é do senador Irajá (PSD-TO), acolhida pelo colegiado como substitutivo às três matérias apresentadas pelos senadores Flávio Arns (Podemos-PR), Soraya Thronicke (PSL-MS) e Styvenson Valentim (Podemos-RN).
O projeto explicita que, ao contrário do dinheiro soberano (aquele emitido pelos governos, como o real), as transações de moedas digitais utilizam sistemas de criptomoedas, sendo negociadas por agentes privados (geralmente corretoras) através única e exclusivamente da internet. Por isso, a intenção do projeto é limitar crimes realizados através desse mercado, como lavagem de dinheiro e evasão de divisas.
Essa é uma discussão que se estende desde 2015, quando o Deputado Federal Aureo Ribeiro (SD-RJ) protocolou o Projeto de Lei 2303, que estabeleceu as normas para o mercado de criptomoedas. Em 2022, a pauta continua indefinida, e sem prazo para chegar a uma conclusão.
Em meio a esse debate, o Brasil se encontra em um ano de eleições para Presidente da República, além dos cargos de governador, senador, deputados federais e deputados estaduais. É esperado, então, uma tomada de decisão do Presidente que assumirá o governo nos próximos quatro anos sobre a regulamentação do Bitcoin – a criptomoeda mais conhecida mundialmente, assim como o uso de Blockchain.
Mas o que os presidenciáveis pensam sobre o assunto? Para responder esta e outras perguntas, é preciso entender, primeiramente, o que são as criptomoedas e como elas funcionam.
Criptomoedas
Criptomoeda é o nome dado a um sistema de pagamento digital que utiliza moedas descentralizadas, sendo estas criadas em uma rede de Blockchain a partir de processos avançados de criptografia e independente de bancos para verificar e confirmar transações.
A primeira criptomoeda popular foi o Bitcoin, que surgiu em 2009 e continua sendo, até hoje, a mais conhecida. Elas são executadas a partir de blockchains, que funciona como um registro de todas as transações mantidas por detentores das moedas.
Por isso, os compradores de criptomoedas não possuem nada físico, mas uma chave que permite mover um registro ou unidade de medida de uma pessoa para outra, dispensando a necessidade de um terceiro.
Uso de blockchain por políticos brasileiros
Em 12 de novembro de 2021, o governo brasileiro oficializou o uso de Blockchain para certificação de documentos. A partir desta data, o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI) passou a incluir o uso do sistema em carimbos de tempo (selo que atesta hora e data exatas da criação de um documento) em documentos da União.
E uma coisa é certa: a Blockchain, que antes já garantia a seguridade de alguns sistemas na política brasileira, com certeza deve se estabilizar no meio. Segundo um servidor do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), existem estudos sobre a utilização de blockchains durante eleições, a fim de evoluir ainda mais a segurança dos processos eleitorais.
Em participação de uma mesa redonda na Universidade de Brasília (UnB), o atual coordenador de Modernização do TSE, Célio Castro Wermelinger, defendeu que as urnas eletrônicas não são apenas seguras, mas também uma criação 100% nacional que é transparente, auditável e inclusiva.
No entanto, Célio explicou haver no TSE o projeto “Eleições do Futuro“, que busca soluções mais eficientes e economicamente viáveis para votação eletrônica, sendo a blockchain uma dessas opções atualmente em estudo. Além disso, o TSE conduz estudos de um protocolo de votação fim a fim, uso de criptografia pós-quântica e de chaves compartilhadas.
Segundo Sofia Manzano (PCB), candidata à presidência nas eleições de 2022, a Blockchain “serve especialmente para garantir a propriedade, a legalidade, de qualquer coisa que se produza no ambiente virtual da internet, enfim, que não é na produção real de bens e serviços como nós estamos acostumados”.
Manzano acredita também que, neste sentido, a blockchain surge para capturar um ambiente que era livre antes, para propriedade privada.
“No entanto, como eu disse, esse talvez seja o aspecto crítico, na minha opinião como socialista, como comunista, eu acho que as coisas têm que ser livres, elas não têm que ser propriedades privadas, mas esse é o objetivo da blockchain. Por outro lado, enquanto nós não vivemos em um mundo realmente livre […] a blockchain permite assegurar a veracidade e eliminar, digamos assim, até certo ponto, 100% dos casos, permite assegurar a legalidade, legitimidade das transações que são feitas na internet, no ambiente virtual, com objetos virtuais.”
Opinião dos candidatos sobre bitcoin e criptomoedas
Estamos nos aproximando cada vez mais do período de debates entre os presidenciáveis, e são vários os temas que devem aparecer nas discussões. Entre eles, a pauta das criptomoedas está em alta não só no Brasil, mas em todo o mundo. Isso porque, enquanto teve país que regulamentou o Bitcoin como moeda de curso legal, a exemplo de El Salvador, outros países aboliram completamente a tecnologia de sua economia, como a China.
Até agora, poucos candidatos expressaram abertamente qual sua posição sobre o assunto, mas é esperado que até as eleições a pauta esteja entre as propostas a serem trabalhadas. Algumas opiniões já se tornaram públicas, ainda que não oficializadas.
Lula
Em junho de 2021, o ex-presidente Lula (PT), falou sobre a criação de uma moeda única para a região da América Latina. Sua proposta visa a diminuição dos problemas socioeconômicos enfrentados por vários países, como Argentina, Venezuela, e até mesmo o Brasil.
Nesse caso, o Bitcoin poderia surgir como uma possibilidade, já que outros países da América Latina permitem a mineração e uso do Bitcoin. Nesse contexto, o FMI também sugeriu a criação de uma moeda digital global, a fim de diminuir o domínio do dólar sobre as outras economias.
Além disso, em fevereiro de 2022, o Instituto Lula, fundação ligada ao ex-presidente, deu início ao curso gratuito intitulado “Economia & Sociedade Digital: uma introdução”, que busca ensinar aos jovens o funcionamento de tecnologias como Bitcoin, criptomoedas e NFTs.
Apesar disso, Lula nunca falou publicamente sobre o Bitcoin e criptomoedas, então sua opinião ainda é desconhecida.
Bolsonaro
Em agosto de 2021, Jair Bolsonaro (PL) participou de uma entrevista com a Rádio 96 FM, do Rio Grande do Norte, e falou que 99% dos brasileiros não sabem o que é o Bitcoin – assim como ele mesmo.
A declaração foi feita em um momento em que ele falava sobre a política do atual governo de interferir menos na vida de quem produz.
Bolsonaro declarou que com sua administração a corrupção caiu muito, dando o exemplo da Funai, que planejava a criação de uma criptomoeda indígena no início de seu mandato e acabou sendo cancelada.
Além disso, Bolsonaro declarou que não quer criar dificuldades para vender facilidades, adotando então uma política de “baixa intervenção do estado na vida de quem produz”.
Neste momento, ele lembrou que quando chegou ao cargo de presidente, barrou o lançamento de uma criptomoeda que seria emitida pela Funai, que destinou uma verba de R$ 50 milhões para isso.
“Deixa eu te fazer uma pergunta: sabe mexer com Bitcoin? Eu também não. E acredito que 99% de quem está nos Assistindo”.
Ciro Gomes
Em 20 de junho de 2021, Ciro Gomes (PDT) opinou sobre uma possibilidade futura do Bitcoin substituir o dólar como maior moeda de negociação entre os países.
Para o candidato, o bitcoin é uma moeda sem lastro, e sem uma autoridade pública.
Ciro disse que é conservador demais, apesar de admirar essa tentativa. Para ele, uma moeda sem lastro e sem autoridade pode dar problema, mesmo confessando que o Bitcoin foi além que imaginava.
“Não sei se sou conservador de mais, e eu admiro essa tentativa, mas uma moeda sem lastro, e sem uma autoridade publica, não sei se vai dar uma m…” Esse dias o ‘Elão Musk’ (sic) fez um comentário, ‘tumba’ (preço caiu).”
Vale lembrar que, em 2021, Ciro Gomes já dizia que o Bitcoin parecia uma “pirâmide financeira“. Em sua explicação, Ciro Gomes lembrou que o preço do Bitcoin ainda corre riscos, como as recentes falas de Elon Musk públicas, que poderiam ser manipulações de mercado.
Em participação no podcast Flow, o candidato já havia admitido que suas primeiras previsões sobre o Bitcoin estavam erradas. Segundo ele, “está avançando para um negócio impressionante. Foi muito mais além — eu já disse que não vai dar certo e mordi a língua. Está surgindo uma moeda privada, de curso internacional razoável, reserva de valor razoável”.
“Tá avançando para um negócio impressionante, foi muito mais além do que, eu já dizia “isso não vai dar certo, tal”. Mordi a língua. Tá surgindo. Uma moeda privada de curso internacional razoável, reserva de valor razoável”.
Felipe d’Ávila (NOVO)
Felipe d’Ávila (NOVO) considera o setor de criptomoedas interessante em termos de inovações não somente monetárias, mas em toda a parte de digitalização de contratos que o uso da blockchain torna possíveis.
Todavia, ele alerta que o governo deve ser cauteloso ao cogitar seguir o mesmo caminho de El Salvador, que legalizou o Bitcoin como moeda de curso legal em 2021. Em entrevista para o Livecoins, ele afirma que, “como ainda é uma coisa muito nova, o governo precisa ser responsável e evitar colocar em risco a economia e o fornecimento de serviços públicos. Mas sou a favor de experimentos localizados no uso dessas novas tecnologias. Os green bonds, por exemplo, poderiam ser uma boa área de testes para o uso de criptomoedas.”
O candidato acrescenta que o Brasil “sofreu demais com o problema da hiperinflação nos anos 80”, e foi preciso todo o trabalho da equipe do Plano Real para colocar a economia de volta nos trilhos. Por isso também defendo a autonomia do Banco Central, que “deve sempre ficar isolado dos interesses políticos.”
Sofia Manzano
A candidata Sofia Manzano (PCB), que detém menos de 1% das intenções de voto nas eleições de 2022, possui uma opinião formada sobre a regulamentação do Bitcoin como uma moeda de curso legal no Brasil.
Em entrevista para o Livecoins, Manzano defende que “há uma confusão entre moeda, e as criptomoedas, ou o que eu prefiro chamar de ‘criptoativos’, porque, na verdade, a moeda não é apenas um intermediário de troca, um meio de troca, ela é uma relação social muito mais ampla do que simplesmente ser um intermediário de troca”.
Ademais, a candidata aborda que ” soberania de uma moeda é muito importante para ser relegada a um ambiente privado. “Eu acho que eu sou contra, inclusive, legalizar qualquer outra moeda que não a moeda soberana de um país como moeda de curso forçado”.
André Janones (Avante), Simone Tebet (MDB), Vera Lúcia (PSTU), Leonardo Péricles (UP) e José Maria Eymael (DC)
O Livecoins entrou em contato com todos os candidatos à presidência, mas não obteve respostas de uma parte dos presidenciáveis até o fechamento desta matéria.
Não foram encontradas quaisquer opiniões ou falas sobre criptomoedas veiculadas pelos candidatos André Janones (Avante), Simone Tebet (MDB), Vera Lúcia (PSTU), Leonardo Péricles (UP) e José Maria Eymael (DC).
Em conclusão, vemos que o debate ainda está longe de acabar, devendo aparecer diversas vezes durante o próximo governo (seja com uma reeleição ou posse de um novo presidente).
Ainda que qualquer decisão pareça incerta, devemos nos acostumar com a presença de tecnologias como criptomoedas e Blockchain em nossas vidas, pois elas vieram para ficar.
Esta matéria está em desenvolvimento e será atualizada com novas informações.